terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Ulysses da minha vida

 




Já li muitos e diferentes livros - porém não tanto quanto gostaria, mas acredito ser uma quantidade razoável - e boa parte deles estão dentro de mim, porque vez ou outra me pego pensando e lembrando de trechos e passagens das histórias. Alguns me marcaram mais, outros menos, tenho os preferidos, os queridinhos, os lindos, o que se parecem comigo, os que recomendo sempre, os que me fizeram ler mais e melhor e os de cabeceira, entre outros, mas existem dois que considero como os livros da minha vida.

O primeiro deles é Fogo Morto, de José Lins do Rego, livro que li na adolescência, aos 15 anos, quando cursava o segundo grau. Esse livro me proporcionou grande fascínio e me marcou de tal forma que me vi apaixonada pelo universo regionalista brasileiro. O segundo livro é Ulysses, do escritor irlandês James Joyce, que li aos 56 anos, e é sobre ele que quero falar.

Neste 2 de fevereiro, Ulysses completa 100 anos da sua publicação, exatamente no mesmo dia em que James Joyce comemorava seus 40 anos - hoje ele teria 140. O livro chegou causando muita polêmica e ojeriza, mas também quebrou paradigmas, revolucionou e abriu novas possibilidades ao romance moderno. A trama descreve um dia - o 16 de junho - na vida de Leopold Bloom, homem comum da Dublin de 1904, e seus compatriotas, traçando assim um panorama da experiência humana, tendo como estrutura a Odisseia, de Homero, mas de uma forma transgressora.

Ulysses sempre foi um mistério para mim, e só depois de lê-lo, há apenas seis anos, é que me dei conta de que ele estava ligado à minha vida de leitora. A primeira vez que ouvi falar de Ulysses, acho que na verdade do autor, foi na pré-adolescência, mas ainda como algo distante, apenas sendo citado pelo meu pai como um escritor que não deveria ser lido. Essa lembrança é um tanto nebulosa, eu era criança, e a impressão é vaga, mas lembro de ter despertado uma curiosidade em mim, talvez por ser algo meio transgressor, e foi ali que a ideia de ler os livros de Joyce começou a surgir, embora eu ainda não soubesse disso.

Mais tarde, os livros em geral passaram a ter uma importância maior na minha vida e fui descobrindo autores, outras publicações e a literatura, ficando cada vez mais fascinada e apaixonada pela vida de leitora. Comecei a me interessar pelos clássicos e percebi que em todas as listas de livros para ler, Ulysses, de James Joyce, sempre aparecia. Sim, o livro daquele autor que ouvi falar na minha infância e que despertou algo em mim. Decidi então, que era a hora e passei a me preparar para lê-lo, já que as análises o apontavam como desafiador.

Participei de debates e cursos sobre o livro, li algumas resenhas, passei a pesquisar guias de leitura, busquei referências e li os dois livros de James Joyce que me levariam a Ulysses, sua obra máxima: Dublinenses e Retrato do Artista Quando Jovem, cuja leitura me fazia delirar a cada parágrafo - ainda que eu não entendesse muito bem - por ter me iniciado em James Joyce.

O tempo passou, mas ainda não me sentia pronta para a leitura de Ulysses, até que em 2016 surgiu a oportunidade de viajar para Dublin, na Irlanda, terra natal de Joyce e cenário do livro. Na verdade, a escolha foi proposital, fui para lá para ler Ulysses, conhecer a cidade onde se passa a história, andar pelas mesmas ruas que Leopold Bloom faz sua jornada homérica e estar nos lugares de parada citados no livro. Foi bárbaro, foi mágico, foi incrível.

Em Dublin, cercada de referências ao livro e a Joyce, eu comecei Ulysses, na edição da Penguin/Companhia das Letras, com a tradução para o português de Caetano Galindo, já que o meu inglês não chegava (e ainda não chega) a tanto para ler um livro tão denso e engenhoso na sua língua original. Mas tive a oportunidade de ler duas páginas de um capítulo em inglês, em uma roda de leitura da obra na famosa Sweny's Pharmacy, hoje uma livraria. No livro, Leopold Bloom para no local, uma espécie de botica antiga, com prateleiras repletas de frascos alquímicos, para encomendar uma loção para a esposa, Molly Bloom, e comprar um sabonete de limão para um banho. Esse sabonete é vendido hoje como um souvenir e é claro que o adquiri.

Minha estadia em Dublin coincidiu com o Bloomsday, em 16 de junho, dia dedicado ao livro, na verdade não foi uma coincidência, viajei para estar nessa data na cidade. Foi uma experiência única, fascinante e que abriu ainda mais meus horizontes e a disposição para encarar o livro. Não foi uma leitura fácil, não li rápido, levei meses, mas foi uma caminhada firme, trabalhosa, constante e extremamente gratificante, porque desafiadora e exigente. Não se sai a mesma pessoa depois dessa leitura.

Ulysses é um livro envolvente e sua leitura, embora difícil, enriquece, fascina, atordoa. Espero voltar às suas páginas novamente, quem sabe um dia, mas, enquanto isso, vou acompanhando os estudos, os cursos, as palestras e as análises dessa obra prima de James Joyce.

Parabéns, Ulysses! Parabéns e obrigada, James Joyce!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021


Ainda em meio à pandemia da Covid-19, mas renovada as esperanças com a vacina, esperava ler mais este ano, a exemplo de 2020, já que continuo em casa. Mas não foi isso o que aconteceu, pois li exatamente a metade dos livros que li o ano passado. Talvez o cansaço do isolamento e as desilusões com a situação do país tenham me desanimado um pouco, mas sinto que em grande parte problemas com a minha visão sejam a razão principal para o meu afastamento das leituras. E isso é algo que terei de resolver em 2022.

Com relação aos Clubes de Leitura – Traçando Livros e Café Literário -, que permaneceram on-line, não consegui participar como eu queria, pois não me adapto a discussões virtuais. Mas acompanhei o calendário e li alguns dos livros debatidos. Espero que em 2022, se assim a “normalidade” permitir, as discussões possam ser presenciais para que eu consiga estar mais presente.

Desejo ainda para o próximo ano avançar na leitura dos livros que tenho em casa, seguir minha lista e, principalmente, conseguir ler, com uma visão melhor.

Vamos então à minha Retrospectiva Literária 2021. 


O primeiro livro que li no ano:


Solo para Vialejo,
de Cida Pedrosa.

Vencedor do Prêmio Jabuti de Livro do Ano em 2020, esta pequena joia poética de Cida Pedrosa abriu minhas leituras do ano. Foi um belo e inspirador começo.


A fantasia que me encantou:

Quarteto Mágico, de Murilo Rubião, J.J. Veiga, Victor Giudice e Campos de Carvalho.

Reunindo o melhor da safra brasileira de escritores do Realismo Fantástico, esse livro encanta pelos contos mágicos, um melhor do que o outro.


O clássico que me marcou:


O Quinze, de Rachel de Queiroz.

Foi uma releitura - e que releitura prazerosa! Ou melhor: reveladora. Isso porque da primeira vez que li não cheguei a gostar do livro, mas, lido agora, há pouco mais de 20 anos, foi uma feliz surpresa. Amei demais!.


O livro que mexeu com minhas lembranças:

Dublinesca, de Enrique Vila-Matas.

Que delícia de livro! Me transportei para Dublin, cidade que visitei e me marcou profundamente. Revi lugares, revivi momentos e, principalmente, me deletei com as referências a James Joyce e seu Ulysses. Que viagem magnífica e repleta de boas lembranças!



O livro que me impressionou:

A Vegetariana, de Han Kang.

As resenhas e os comentários lidos eram extremamente favoráveis e aguçaram minha curiosidade, mas o livro foi além e me tocou de uma tal forma que até eu me surpreendi. Dividido em 3 atos, confesso que os dois primeiros foram estranhos e inusitados, mas o terceiro, perturbador e impressionante, foi um soco no estômago. Me rendi.

 

A melhor HQ:

O Jogo das Andorinhas, de Zeina Abirached

Graphic novel repleta de lembranças da autora sobre a Guerra Civil Libanesa. Muito tocante e linda.

 

O livro que me fez refletir:


O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório;

Forte e atual, esse livro fala de dor, racismo, pertencimento, família, afetos... Mas o destaque são os personagens, que se mostram sem pudor, com suas fraquezas, manias e falhas. Muito bom, muito a refletir.

 

O melhor livro-reportagem:

Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex

Livro intenso e dolorido, mas extremamente necessário para conhecer as atrocidades cometidas no Hospital Colônia, em Barbacena (MG), entre 1903 e 1980. Nesse período, 60 mil pessoas morreram por descaso, abandono e maus tratos. Uma extraordinária reportagem investigativa sobre o maior hospício do Brasil.



O livro que me decepcionou:

A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante.

Existem alguns autores que tenho vontade de ler pela repercussão e importância literária, no entanto acabo derrapando em suas leituras. É o caso de Elena Ferrante. Tentei ler “A Amiga Genial”, mas não avancei e acabei deixando o livro, não sem prometer que voltaria a ele, um dia, quem sabe... Mas esse, A Vida Mentirosa dos Adultos, consegui chegar ao final e me decepcionei. Não gostei do livro, e olha que ela usa um recurso que eu adoro: falar de lugares, ruas, pontos de referência em cidades do mundo. Isso me faz ter vontade de conhecer esses locais, mas apesar de citar bastante, o interesse não aconteceu. E achei chato. Mas não desisti dela, ainda volto para conferir outras histórias.

 

O livro que li por indicação:

A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante

Foi indicado por uma amiga, pena que não gostei muito, mas valeu.


O livro que me fez chorar:


Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

Livro lindo e emocionante, tem um estilo bem apurado, chegando ao ponto de provocar uma leitura mais vagarosa para apreciar cada palavra, cada linha, cada detalhe, cada cena. Chorei de emoção e de encanto. Mereceu todos os prêmios que ganhou.


O livro que me surpreendeu:

Garota, Mulher, Outras, de Bernardine Evaristo

Que livro incrível. As recomendações eram boas, mas a leitura foi além. São 12 personagens, 12 mulheres tão diversas, mas com conexões entre si, buscando sua identidade, lutando contra o racismo, falando sobre gênero, reconectando laços afetivo. E ainda com um belo e emocionante final.


O livro que devorei – e adiei:

Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

Livro que provocou um misto de emoções, quanto mais lia, mais queria ler, mais avançava, mas ao mesmo tempo retrocedia para adiar o seu final. Leitura impressionante.



A capa mais bonita:

Tina Respeito, de Fefê Torquato.

Desde que vi a capa dessa HQ eu fiquei apaixonada. Amei pelo que representa.


A frase que não saiu da minha cabeça:

Sobre a terra há de viver sempre o mais forte, de Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

E assim meu amor por esse livro foi selado.

 

Personagem do ano:

Belonisia, de Torto Arado

Uma das protagonistas do livro – a outra é Bibiana -, Belonísia encanta e surpreende após um acidente que envolve sua irmã, afetando-a para toda vida. Enquanto Bibiana vai embora de casa por causa de um amor, Belonísia fica e revela todo o seu amor à terra. Seu amadurecimento é visível e tocante.


Livro mais longo:


Garota, Mulher, Outras, de Bernardine Evaristo, com 496 páginas


Livro mais curto:

Seu Plano era Cruzar o Oceano, de Renata Rossi, com 24 páginas

Livro infantil lindo.

 

O melhor livro nacional:

Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

Todos os elogios ao livro

 


O último livro que li:

A Criança em Ruinas, de José Luis Peixoto

Se comecei o ano com poesia, tinha de fechar 2021 com poesia também, mas o melhor é que não foi proposital.

Inspirador!

 

O melhor livro que li em 2021:

Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

Li Torto Arado no início do ano, e ali já sabia que esse seria o melhor livro que li no ano. Não importava que ainda tivesse um ano inteiro para outros livros, porque seria difícil superá-lo. E estava certa.

Simplesmente maravilhoso!

 

Li em 2021... 28 livros, exatamente a metade do que li o ano passado.

Destes, a maioria foi no gênero da ficção, fiz 2 releituras, li 3 HQs e 17 livros escritos por mulheres.

 

A minha meta literária para 2022 é:

Ler, ler e ler.

 

Os 10 livros mais amados deste ano:

- Torto Arado, de Itamar Vieira Jr.

- O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório

- O Quinze, de Rachel de Queiroz

- A Vegetariana, de Han Kang

- Garota, Mulher, Outras, de Bernardine Evaristo

- Sula, de Toni Morrison

- De Amor e de Sombras, de Isabel Allende

- Tudo de Bom Vai Acontecer, de Sefi Atta

- Dublinesca, de Enrique Villa-Matas

- Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex


E que venham mais e belas leituras em 2022.

Feliz Ano Novo a todos! 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Minhas leituras em 2020

Em 2020, em meio a uma pandemia e desempregada, tive mais tempo para ler. E realmente fiz isso, prosseguindo nas leituras de livros escritos por mulheres, não perdendo também de vista os livros escritos por homens. Apesar de ter mais tempo, e ler regulamente, não cheguei a ler todos os livros que tinha planejado - na verdade, a lista não acaba... que bom!. Neste final do ano perdi um pouco o ritmo, mas os livros que li foram extraordinários e valeram muito a pena.

Só não consegui participar dos Clubes de Leitura, que neste ano aconteceram virtualmente. Uma pena, pois não me adapto a discussões on-line. Mas acompanhei o calendário e li alguns livros escolhidos.

Para 2021 o que espero, de verdade, é a vacina para combater a Covid-19, arrumar um emprego e continuar lendo, sempre e com qualidade. Não importa quantos livros lerei, o importante é prosseguir nessas viagens prazerosas, inspiradoras e consoladoras.

Vamos então à minha Retrospectiva Literária 2020.

O primeiro livro que li no ano:

Marrom e Amarelo, de Paulo Scott

Livro que ganhei no amigo secreto do clube Traçando Livros, de 2019, tinha de ser o primeiro a ser lido neste ano. Obra impactante sobre a questão racial na história de dois irmãos.

A fantasia que me encantou:


O Alforje,
de Bahiyyih Nakhjavani

Não sei se pode ser considerado como uma fantasia, mas o deserto, as cidades de Meca e Medina, com seus múltiplos personagens me envolveram em um clima de magia e sedução fantásticos. Livro maravilhoso.

O suspense que me prendeu:

Distância de Resgate, de Samanta Schweblin

Livro curtinho que te prende do início ao fim em uma trama envolvente e sinistra. A história se passa em um campo atingido pelo uso de agrotóxicos, gerando transformações sombrias pela contaminação. Da autora gostaria de ler ainda Pássaros na Boca, quem sabe em 2021.

O clássico que me marcou:

Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf

Sim, é um clássico. E que clássico!

Trata-se de esplêndido ensaio/ficção que busca refletir sobre a presença das mulheres na literatura, do século XVI até o início do século XX. Essencial.

O livro que me decepcionou:

O Nome da Morte, de Klester Cavalcanti

Fiquei pensando se citava esse livro ou Todos Nós Adorávamos Caubóis, da Carol Bensimon, que não me “pegou” tanto assim. Mas o critério foi pela expectativa, e ela era alta em “O Nome da Morte”. Faz um bom tempo que queria ler esse livro, foi muito bem recomendado e o autor um jornalista incrível. O livro é muito bem escrito e narrado, com muitos detalhes, beirando à perfeição, só que esperava mais, e acho que algumas passagens foram muito destacadas em detrimento de outras que poderiam enriquecer ainda mais a história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas. Nota 7.

O livro que me fez refletir:


Pequeno Manual Antirracista, 
de Djamila Ribeiro

Faz tempo que queria ler Djamila, e acabei começando por esse “manual”, uma pequena joia que me fez pensar na questão do racismo e na mudança de atitudes com relação a isso. Extremamente necessário.

O livro que me surpreendeu:

Nada, de Carmen Laforet

Livro incrível que superou minhas expectativas. Narrado pela protagonista Andrea, uma jovem órfã que se muda para a casa da avó, em Barcelona, onde pretende cursar Letras. Na cidade, o cenário que encontra é desolador, depois da Guerra Civil Espanhola, refletindo na vida das pessoas e dos familiares. A “Rua Aribau”, endereço da família de Andrea, me deixou saudades.

O livro que me fez chorar:

As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta

Geralmente choro nas leituras que faço, mas nesse livro as emoções me tomaram de tal maneira que não conseguia parar de chorar. Lindo, dolorido, comovente. A história de Nnu Ego, jovem da etnia igbo, que precisa cumprir a tarefa imposta às mulheres de gerar filhos, e da vida no casamento, é enternecedora e envolvente. Muito bem escrito e em uma edição primorosa da Tag, não tem como não se emocionar.

O livro que devorei:

As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta

Chorei e devorei!

A capa mais bonita:


Todos os Nossos Ontens,
de Natalia Ginzburg

Capas bonitas ressaltam um livro, mas confesso que o que me faz comprar não é a “aparência”, mas o conteúdo, a história. No entanto, não pude deixar de me extasiar com a surpreendente edição da Tag para o livro de Natalia Ginzburg, cujo impacto começa pela belíssima capa. De tirar o fôlego! Para coroar essa beleza, um romance extraordinário, cuja história acompanha o quotidiano de duas famílias do norte da Itália desde o período que antecede a segunda guerra até o fim do conflito. Os personagens são marcantes e inesquecíveis.

O livro que li por indicação:

Papel Manteiga para Embrulhar Segredos, de Cristiane Lisbôa

A indicação foi da amiga, jornalista e contadora de histórias, Renata Rossi. O livro é um encanto, e a história é contada por meio de cartas que a protagonista envia para a bisavó, acrescidas de receitas culinárias que ela está aprendendo com uma “estranha” senhora.

A frase que não saiu da minha cabeça:

Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome, de Perto do Coração Selvagem, de Clarisse Lispector.

No centenário da escritora, me aventurei pelo livro e me identifiquei com a frase. Já conhecia a frase, mas lida assim na obra ficou ainda mais clara e marcante.

O (a) personagem do ano:

Foram duas:

Anne Frank, de O Diário de Anne Frank

Personagem real, Anne Frank encanta e emociona com seu relato sobre a perseguição aos judeus durante o nazismo e o dia a dia no esconderijo junto a família e amigos. Admiro-a ainda mais.

Aleli de Maria Altamira, de Maria José Silveira

Mãe de Maria Altamira, que dá nome ao livro, Aleli é sobrevivente de uma tragédia em família no Peru, que parte para uma viagem sem rumo pela América do Sul até aportar no Brasil. Pelo caminho vai acumulando infortúnios que a tornam ainda mais forte e determinada. Inesquecível.

Livro mais longo:

As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano

Não costumo ler livros longos, embora tenha alguns que eu gostaria muito de ler, quem sabe o ano que vem. Seja como for, com 394 páginas, o livro de Galeano foi o mais longo que li no ano e foi muito bom para poder conhecer um pouco mais da história da América Latina, das conquistas, conjuntura econômica e social, a dependência e aspectos culturais. Leitura indispensável para todos.

Livro mais curto:


Os Velhos Também Querem Viver,
de Gonçalo M. Tavares

Livro curtinho, com 85 páginas. Gonçalo tem o dom de dizer muito com tão poucas palavras. A partir do drama grego Alceste, de Euripedes, o autor discute amor, sacrifício e morte, com elegância e sensibilidade.

O último livro que li:

As Três Marias, de Rachel de Queiroz

Romance de formação de uma das mais importantes escritoras brasileiras, As Três Marias traz como protagonistas três mulheres, três amigas, com suas histórias da infância à vida adulta. Uma delicadeza!

A melhor HQ:

Fun Home: Uma Tragicomédia em Família, de Alison Bechdel

Graphic novel impressionante sobre conflitos familiares, literatura e sexualidade. A autora conta, com graça, força e emoção sua relação com a família, sobretudo com o pai, e fala sobre homossexualidade e livros. Amei!

O melhor livro-reportagem:

Brasil Construtor de Ruínas, de Eliane Brum

A autora, uma das jornalistas mais brilhantes e premiadas do Brasil, traz um “olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro”, ajudando-nos a compreender os acontecimentos ocorridos na última década para tentar encontrar uma luz em meio a todas as mudanças. Um livro forte, verdadeiro e documental.

O melhor livro nacional:


O Que Ela Sussurra
, de Noemi Jaffe

Nunca tinha lido a autora e me encantei com sua escrita nesse livro que narra, com suas próprias palavras e invenções, a vida de Nadejda, a jovem russa que guardou na memória os poemas de seu marido – o poeta Ossip Mandelstam -, morto pela censura soviética, evitando assim que fossem apagados para sempre da história. Lindo, poético, comovente.

O melhor livro que li em 2020:

As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta

O páreo foi duro, muitos bons livros estavam pelo caminho, mas desde o princípio, quando li o livro de Buchi já sabia que esse era o melhor. Forte e emocionante do início ao fim. Chorei, devorei, amei!

Li em 2020... 54 livros.

Destes, 2 foram releituras, 3 HQs e 38 foram escritos por mulheres.

A minha meta literária para 2021 é:

Ler, ler e ler.

 Os 10 livros mais amados deste ano:

 - As Alegrias da Maternidade, Buchi Emecheta

- Pequeno Manual Antirracista, Djamila Ribeiro

- Eu, Tituba Bruxa Negra de Salem, Maryse Condé

- O Que Ela Sussurra, Noemi Jaffe

- Maria Altamira, Maria José Silveira

- Todos os Nossos Ontens, Natalia Ginzburg

- Um Teto Todo Seu, Virgínia Woolf

- Nada, Carmen Laforet

- O Alforje, Bahiyyih Nakhjavani

 Menção Honrosa:

- Água Funda, de Ruth Guimarães

- Hibisco Roxo, de Chimamanda N. Adichie

- A Biblioteca à Noite, de Alberto Manguel

E que venham mais e belas leituras em 2021.

Feliz Ano Novo vacinado e literário a todos!

 

sábado, 9 de maio de 2020

Receitas de mãe


Quarta de uma família de sete filhos, minha mãe aprendeu logo cedo a cozinhar, enquanto os outros irmãos se dividiam nas demais tarefas da casa. Assim, a cozinha sempre foi o território que minha mãe mais dominava, aprendendo a fazer pratos para o sustento e deleite da família. Eram comidas simples, mas caprichadas e que foram sendo aprimoradas no decorrer dos anos, nas aulas de culinária do Sesi, no casamento, na maternidade e nas receitas que passou a acumular vida a fora e que se tornaram um de seus maiores prazeres, mesmo que anotadas em lugares cada vez mais estranhos - desde que ao alcance das mãos -, como um ingresso de show deixado na estante e que não tinha sido usado.

Essas lembranças me chegaram com força ao ler Uns Cheios, Outros em Vão, da escritora carioca Heloísa Seixas. O livro traz receitas da mãe da autora, dona Maria Angélica, e contam histórias da família, uma saborosa viagem por lembranças e pratos que evocam a infância tanto da autora, quanto do leitor em si. E foi assim que me identifiquei de imediato com a leitura, indo às lágrimas, especialmente no trecho que Heloísa fala do velho livro de receitas da mãe, encontrado ao remexer no armário da casa:

“(...) Fazia quase tudo de cabeça, inventava, acrescentava ingredientes  - como costumam fazer todos os bons cozinheiros – e não sabia explicar muito bem como tal e tal prato era feito.
Talvez por isso seu livro de receitas seja uma loucura, com doces e salgados misturados, palavras remendadas, páginas faltando e também dezenas de folhas soltas, incluindo anotações de receitas em pedaços de papel de pão, no verso de folhetos com anúncios ou nas bordas dos manuais do liquidificador ou da batedeira de bolo. (...)”

Era bem assim o caderno de receitas da minha mãe, a dona Nair, que, diferente do da escritora, acabou se perdendo, infelizmente. No entanto, minha irmã, quando se casou, passou a fazer um caderno de receitas também, anotando os pratos que minha mãe ensinava, que ainda se conserva, depois de 39 anos (foto), quer dizer, está no mesmo estado que o da mãe da Heloísa, caprichado ao início, mas com receitas doces e salgadas misturadas, folhas soltas, páginas faltando, e já com a letra da minha mãe dominando a maioria das folhas, nas laterais e do jeito que desse.

Uns Cheios, Outros em Vão chegou até a mim em 2015, no Pauliceia Literária, evento literário internacional, promovido pela Associação de Advogados de São Paulo. Heloísa Seixas participou de uma mesa com o escritor e biógrafo Ruy Castro, que é seu marido. Eu já tinha lido dois livros dela – O Lugar Escuro e O Prazer de Ler – e fiquei interessada em Uns Cheios e Outros em Vão, por misturar lembranças com receitas, mesmo não gostando de cozinhar, diferente da minha mãe e irmã.

Aproveitando que a autora estava no evento, levei o livro para ela autografar, e comentei sobre O Lugar Escuro, livro ficcional que trata da doença de Alzheimer que acometeu a mãe de Heloísa. Na dedicatória, a escritora fez referência a esse fato, escrevendo:

“Cecilia, aqui vai o contraponto de ‘O Lugar Escuro’
Com um beijo,
Heloísa Seixas
SP, 24 Set 2015”

De fato, ao ler Uns Cheios, Outros em Vão percebe-se essa diferença. Enquanto em O Lugar Escuro vemos Maria Angélica esquecendo-se das coisas, de si e dos seus, não tendo mais ciência dos seus atos, por causa do Alzheimer, em Uns Cheios, Outros em Vão, ela se mostra em todo o seu esplendor, ativa, vibrante, moderna, elegante, baiana de nascença e carioca por adoção, apaixonada pelas receitas e pela vida:

“Ela era o que naquele tempo se chamava de ‘mulher avançada’. Entre outras coisas, era amiga de muitos dos meus amigos – relacionando-se com eles sem a minha participação – e em mais de uma ocasião acampou conosco em Visconde de Mauá. Viajou com uma amiga para Marrakech, onde experimentou bolinho de maconha (ficou tonta). Em uma de suas viagens ao Havaí, frequentou, junto com a juíza que tinha feito o casamento do meu irmão, o tal campo de nudismo...”

Dona Maria Angélica era dada a ditados, sempre tinha um em mente, e um deles inspirou o título do livro. Uns Cheios, Outros em Vão significa que na vida, assim como nas receitas de bolo, não se pode ter tudo – uns copos ficam cheios, outros em vão. Ela ensinava à filha.

Heloísa começou a organizar o livro em 2012, quando sua mãe, que já estava com Alzheimer há dez anos, fora hospitalizada com pneumonia. vindo a falecer três meses depois. Alguns dos textos que constam no livro, já foram publicados em partes ou ao todo, em revistas ou coletâneas. Outros são inéditos e trazem lembranças da infância da autora, que passava férias na Bahia, na casa dos avós e dos tios, contando as peripécias dos primos – um dos seus primos era Raul Seixas chamado de Raulzito - e os costumes e tradições da família. As histórias são entremeadas pelas receitas do velho caderno de dona Maria Angélica, como a do Bacalhau de Forno, feito nas festas natalinas:

Ingredientes:
Azeite (é o azeite de oliva que usamos, e é chamado assim porque para os baianos, azeite é o de dendê)
1Kg de Bacalhau
1½ cabeça de alho
Pimenta do reino
4 cebolas
4 pimentões
4 tomates
4 batatas
Sal

Modo de preparo:
Unte um pirex com azeite doce, em boa quantidade. Arrume nesse pirex os pedaços de bacalhau previamente fervidos e, em cima de cada pedaço, ponha um dente de alho, uma pitada de pimenta do reino, uma rodela de cebola, outra de pimentão, outra de tomate e, por fim, uma rodela de batata crua, Regue com mais azeita e leve ao forno para assar. Quando as rodelas de batatas estiverem douradas, retire do forno.

Devorei o livro como se devora uma comida saborosa, mas procurando reter o prazer mais um pouco. Marquei algumas receitas do livro para tentar preparar mais para frente, quem sabe... Tenho até um livrinho do Sesi, com receitinhas básicas, que minha mãe me deu. Foi com ele que me aventurei em alguns pratos, e guardo-o com muito carinho. Apesar de não saber fazer muitas coisas, eu me esforço e procuro sempre dar o meu melhor. Acho que a Dona Nair teria orgulho.