segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Lembranças de Moacyr Scliar

Em 2010, quando estive na Festa Literária Internacional de Paraty, assisti uma das mesas mais aplaudidas da programação: Promessas de um velho mundo, protagonizada pela iraniana Azar Nafisi, autora de Lendo Lolita em Teerã, e pelo israelense Abraham B. Yehoshua, autor de Fogo Amigo, entre outras obras.

Na mediação, o escritor brasileiro Moacyr Scliar que, com o bom humor que lhe era característico, chegou a sugerir o lançamento da candidatura de Nafisi para a presidência do Irã, depois que ela defendeu a iraniana Sakineh condenada à morte por apedrejamento sob acusação de adultério.

– Não é uma má ideia – respondeu a escritora.

A mesa proporcionou momentos inesquecíveis à Flip, mesclando entusiasmo e indignação. Scliar chegou a brincar com o nome de Azar Nafisi, que de azar não tem nada, e provocou os dois escritores pedindo a eles que falassem sobre o futuro político de seus países e sobre o poder da literatura para transformar as pessoas.

Foram pouco mais de uma hora e meia de bate-papo em que brilharam não só os convidados, mas também o mediador. Ao término, Nafisi e Yehoshua se deslocaram para a mesa dos autógrafos. A eles se juntou Scliar que, com seus mais de 70 livros publicados, entre romances, crônicas, contos, literatura infantil e ensaios, atendeu prontamente a longa fila que já se formava à sua frente.

Domingo à tarde, quando soube da morte de Moacyr Scliar, a lembrança daquela mesa alegre e proveitosa veio com força total à minha mente. Impossível esquecer; difícil é compreender os desígnios da vida. Fica apenas uma certeza: morre o homem, mas suas obras permanecem.

Ilustração: Moacyr Scliar, Azar Nafisi e Abraham B. Yehoshua (desenho de Alexandre Benoit – Blog da Flip).

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Meu personagem preferido

Este post faz parte da blogagem coletiva Meu Personagem Preferido de Livro, promovida pelo site/blog Livros e Afins ( http://livroseafins.com/ ) que fiz questão de participar.

Falar sobre um personagem preferido de livro é o mesmo que tentar apontar qual é o seu livro favorito. Não é uma tarefa fácil, diria até que extremamente difícil. São tantos e tão fascinantes que fica mesmo complicado destacar este ou aquele, pois cada personagem de livro que nos encanta traz um pouco do que somos e daquilo que gostaríamos de ser.

Lembro com paixão de muitos deles, como Aquiles, o herói grego de A Ilíada, de Homero, e de seu firme propósito em entrar em uma guerra e ter, para sempre, seu nome imortalizado, mesmo que para isso tivesse de morrer jovem.

De Salomão, o elefante resistente e generoso de A Viagem do Elefante, de José Saramago; de Úrsula Iguarán, a matriarca de fibra de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez; de Juca Mulato, o caboclo do mato e seu amor platônico pela filha da patroa, do livro de mesmo nome, de Menotti Del Picchia; de Brás Cubas, o defunto-autor que narra sua história em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; de Neville Longbottom, o bruxinho tímido e medroso da série Harry Potter, criada por J. K. Rowling, e que se transforma num valente bruxo no decorrer da saga.

Por aí dá pra sentir que a tarefa é mesmo ingrata, mas ainda assim, arrisco-me a tentar. E constato que, na verdade, eu tenho o meu personagem predileto guardado bem lá no fundo do coração, já há um bom tempo. E este, é o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, um dos personagens centrais de Fogo Morto, o livro de José Lins do Rego, que, por sinal, é o meu livro preferido.

Espécie de Dom Quixote dos sertões, o Capitão Vitorino é um homem de bem e tem um coração enorme. Destemido e corajoso, mas ingênuo, seu desejo é transformar o mundo, sendo capaz de enfrentar os políticos mais poderosos da vila onde mora. Vive como um cavaleiro errante, perambulando pelas estradas e buscando a justiça. E, embora respeitoso, é, muitas vezes, motivo de chacota, o que me fez solidarizar com ele nas várias vezes em que li o romance. Além disso, o Capitão Vitorino serve como elo entre os outros dois personagens da trama: Mestre José Amaro e o Coronel Lula de Holanda.

Só para arrematar, Fogo Morto trata da decadência dos engenhos de cana-de-açúcar na região nordeste, retratada pelo autor de forma bem realista. É uma verdadeira obra-prima.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Livros no currículo


Na hora de procurar um emprego, a primeira providência que se toma é elaborar um currículo, colocar e ordenar no papel dados pessoais, formação escolar, cursos extracurriculares e experiências profissionais (se as tiver).

Isso é o básico do básico. E, em cima dessas informações, pode-se inovar, fazer uma apresentação mais elaboradora, escolher uma tipografia atraente, colocar tópicos e cores, imprimir em papel especial. Tudo para tornar o currículo mais bonito e convidativo à leitura.

No entanto, o que importa mesmo é o conteúdo, aquilo que está descrito no currículo e que irá causar a primeira impressão no selecionador da vaga. Por isso, dia desses me surpreendi – e me admirei – quando um amigo veio me mostrar um currículo que ele havia recebido de um jornalista.

Nunca tinha visto nada semelhante, por isso achei-o bem original. E não falo do visual, da tipologia, do papel, da impressão. Mas sim da maneira como ele elaborou as informações, fugindo da tradicional linguagem de tópicos. O que esse jornalista fez foi narrar, sim, narrar aquelas informações básicas, acrescentando outras que deram ao currículo uma “ar” de diálogo com o leitor, no caso o selecionador.

Com duas páginas, no máximo, divididas em duas colunas de textos cada, o candidato separou as informações com intertítulos do perfil profissional, experiência nas diversas áreas em que atuou, educação, língua estrangeira, afeições (sim, com destaque para livros e viagens) e um P.S final em que arremata, com uma explicação, o que escreve e gosta de escrever, sempre de forma narrativa e em primeira pessoa.

No tópico perfil, por exemplo, ele indaga sobre “o que significa escrever bem e se é possível chegar a um método?”. Para obter essa resposta, ele cita dois livros que mudaram sua maneira de pensar e de atuar na última década: Style – Lessons in Clarity and Grace e Writing for Story, que, pelo que pesquisei na internet, não encontrei traduzidos para o português.

O primeiro, escrito por Joseph M. Williams, professor de inglês e literatura na Universidade de Chicago, contem 10 lições para se atingir a clareza e a graça no estilo. O autor baseia-se no princípio de que “é bom escrever de forma clara e que qualquer um pode”.

Já o segundo, de autoria do jornalista Jon Franklin, mostra como fazer textos da vida real com a utilização de recursos da literatura. Para tanto, Franklin analisa duas de suas histórias, apresentando, passo a passo, como foram criadas.

A menção dos livros, sem dúvida, deu um “up” e um charme a mais no currículo, fazendo-o destacar-se entre os demais. Infelizmente, meu amigo não pode aproveitá-lo na vaga que estava aberta, em razão do candidato apresentar-se mais qualificado para o cargo. É uma pena, mas a vida tem dessas coisas, nem sempre muita experiência conta na hora de procurar um emprego, às vezes, até atrapalha.

Mas como nem tudo fica perdido, o currículo inspirou-me a escrever esse post e foi guardado nos meus arquivos. Vai que a gente precisa, aí, já tenho o contato.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ex libris

Quando fiz meu Orkut, há quase seis anos, uma das primeiras buscas que efetuei foi para encontrar grupos relacionados à literatura e a paixão pelos livros. Não sei como, mas acabei descobrindo uma joia rara em meio à profusão de comunidades existentes naquela rede de relacionamento pessoal e com a qual me identifiquei bastante: a Ex libris.

Na verdade, não sei o que me chamou a atenção na comunidade porque eu nem sabia o que aquela palavrinha, de nome estranho, significava. Acabei aprendendo pela descrição da página e por tópicos do grupo, e percebi, também, que aquele lugar tinha tudo a ver comigo e com o que eu buscava.

Ex libris é uma expressão latina que significa “livros de”, que faz parte “da biblioteca de”. É uma vinheta ou inscrição aplicada num livro, indicando a quem pertence. Tradição do século XIV, o ex libris exibe o nome ou a divisa do proprietário e é apreciado particularmente por bibliófilos.

Ou seja, trata-se de uma maneira de identificar o livro como pertencente a tal pessoa. E isso pode ser feito por meio de pequenas etiquetas de papel impressas, que são coladas à parte interna da capa dos livros para indicar quem é o seu possuidor. Contém o nome do proprietário, brasões, figuras, paisagens, alegorias ou qualquer outra imagem que revelam a personalidade de seu dono(o ex libris acima é de Joaquim Nabuco e foi disponibilizada pela Pridie Kalendas).

Com essas informações, passei então a participar da comunidade e, diariamente, a visitava, fazendo comentários nos tópicos abertos. Era uma delícia compartilhar com outras pessoas as preferências literárias, saber sobre livros, conhecer outras tendências, trocar ideias, discutir literatura.

Foi na comunidade que fiquei conhecendo o livro Coração de Tinta, de Cornelia Funke; que descobri A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares; que me indicaram Contos, de Machado de Assis; que percebi o quanto gosto de livros que falam de livros, como Ex-libris – confissões de uma leitora comum; e tantos outros.

Com o tempo, minhas visitas tornaram-se menos frequentes, embora nunca tenha deixado de participar da comunidade. Nesse meio tempo, outros grupos passaram a chamar mais minha atenção, criei meu blog, conheci outros e passei a olhar para diferentes frentes.

No início do ano, porém, resolvi dar uma expiada na comunidade para ver como estava e, qual não foi minha surpresa quando, na descrição, vi que a moderadora havia criado um blog com o mesmo nome da comunidade. Nossa, fiquei ansiosa para conhecer e mais do que depressa apressei-me em digitar o endereço na internet: o que vi, foi bastante para me apaixonar pelo blog. Com textos curtos, bom humor e sinceridade, Denise fala sobre sua paixão pelos livros, contando pequenas histórias sobre essa relação. Muito legal.

Resolvi então segui-la, mas para meu pesar, verifiquei que ela não escrevia há bom tempo, um ano para ser exata. Fiquei decepcionada e pensei:

– Logo agora que descobri o blog? Que pena! - Mas decidi:
– Vou seguir mesmo assim.

Deixei um recado e esperei, mas não muito.

A semana passada, como quem não quer nada, abri meu blog e vi um comentário simpático em um dos posts que fiz. Era da Denise que, para minha alegria, me disse estar retomando o seu “abandonadíssimo” blog.

Seus posts continuam com a mesma carga de antes e, porque não dizer, melhores. Bom para ela, bom para nós, que podemos desfrutar de leituras interessantes e compartilhar o mesmo amor pelos livros.

Quer conferir? Acesse http://exlibris-denise.blogspot.com/

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Quer emprestado?

Não me considero uma pessoa ciumenta, pelo menos não da maneira como o ciúme é encarado numa relação a dois. Tenho ciúmes de amigos, das minhas roupas, dos meus objetos, do meu trabalho e do meu espaço. Mas é engraçado, não tenho ciúmes dos meus livros. Pelo menos não tanto assim que não seja capaz de emprestá-los a outra pessoa. Ao contrário, eu até gosto quando alguém indaga sobre determinado livro que tenho, porque assim posso fazer a clássica pergunta:

Você quer emprestado?

E se a pessoa quiser, não titubeio em fazê-lo. Só que às vezes me dou mal nessa ação bem-intencionada e acabo perdendo companheiros preciosos dos quais jamais gostaria de me separar.

Foi assim com O caso dos dez negrinhos, de Agatha Christie, que havia adquirido do extinto Círculo do Livro, e que emprestei para minha prima num belo dia em que ela foi me visitar. Detalhe: eu morava na época em Indaiatuba (SP) e ela em Campinas, cidade próxima, mas ainda assim outro município e, nós, quase nunca nos víamos. Conclusão: Ela esqueceu de devolver e eu não soube mais do livro, para falar a verdade acabei esquecendo também e quando dei pela falta tive de puxar pela memória até lembrar com quem estava. Sem coragem de pedir de volta, o jeito foi comprar outro exemplar.

Com Enquanto o tempo não passa, de Josué Montello, que ganhei no trabalho, aconteceu algo semelhante. Não me lembro ao certo porque o emprestei, só sei que minha irmã o pediu para dá-lo a uma colega. Eu, claro, quis ser prestativa, mas o tempo foi passando, passando e nada da garota me devolver, até que ela saiu da empresa e minha irmã não teve mais contato. Perdi o livro.

Já quando conclui minha pós em Jornalismo Internacional, em 2004, fiz duas cópias a mais da minha monografia sobre a graphic novel Palestina, de Joe Sacco: uma para mim e outra para o meu sobrinho, a quem havia dedicado o trabalho. Como moramos juntos, os dois exemplares foram guardados comigo. Na época, uma colega de trabalho precisava fazer seu TCC e me pediu algumas dicas de como proceder com seu trabalho. Toda solícita, ofereci um dos exemplares da minha monografia para que ela pudesse se inspirar. O tempo passou, eu sai daquele emprego, nunca mais encontrei a colega e minha monografia ficou perdida. Ainda bem que tenho o outro exemplar.

Mais recentemente, no segundo semestre de 2010, emprestei Shownarlismo, de José Arbex Jr., a uma colega de trabalho, estudante de jornalismo, que me pediu para utilizar em seu TCC. O ano acabou, ela se formou, fez questão de me dizer que o livro foi bastante útil e que tirou dez em seu trabalho, mas até hoje não o devolveu. Como ainda trabalhamos juntas eu continuo esperando.

O caso mais cômico – por que não trágico? –, porém, foi com o livro Harry Potter e a Pedra Filosofal , de J. K. Rowling. Não é de hoje que sou fã incondicional da série, li e tenho todos os livros e assisti aos filmes, assim, sempre que posso, promovo a saga entre meus amigos. Foi tanta e tamanha campanha que Adilson, outro colega de trabalho, resolveu ler e, óbvio, ofereci o primeiro número da série para que ele pudesse dar início à leitura. Acontece que Adilson tem um filho pequeno que está naquela fase desenhista, rabiscando tudo o que aparece a sua frente. Não deu outra, meu livro acabou na sua mira e ele prontamente deixou sua marca em algumas páginas. Neste caso, não houve muito prejuízo, já que Adilson rapidamente comprou outro exemplar para mim.

Com esse histórico eu já deveria ter ficado com um pé atrás e aprendido, mas foi só Adilson manifestar seu desejo de ler Sandman, de Neil Gaiman, para eu novamente me prontificar a emprestar mais dois livros da minha adorada coleção do personagem Sonho, que eu ainda estou formando. Mas prometeu tomar cuidado e não deixar os livros ao alcance do filho, o que já é grande coisa, porém, como estava em processo de mudança de casa, fiquei sobressaltada quando ele veio me falar dos livros em meio à bagunça das caixas e do transporte. Pensei que ele não sabia onde estavam ou que os havia perdido, mas não. Dessa vez ele foi precavido e procurou deixar os livros em lugar seguro. Ufa! Mas que os livros continuam com ele, continuam.

Por isso, não sei a razão pela qual ainda me arrisco. Mas se empresto para outras pessoas, vez por outra também pego livros emprestados, muitas vezes de bibliotecas, mas estes devolvo sem problemas. Lembro-me de que quando era adolescente, outra prima me emprestou Cabocla, de Ribeiro Couto, que li com avidez, mas nunca o devolvi, também não sei porque. Acho que minha prima não fazia questão, contudo se ela ainda o quiser, tenho comigo, e devolvo imediatamente.

Penso com meus botões que, apesar dos riscos, das tensões e das decepções eu continuarei emprestando meus livros. Não tem jeito. Certa vez li que se a gente insiste em algo que pode nos machucar é porque queremos, pois, de certa forma, ganhamos alguma coisa com isso. Acredito que assim seja, porque o prazer que experimento ao emprestar um livro é maior do que a dor que sinto de perdê-lo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Leitura na sala de aula

Com uma lista enorme de livros para ler, que há tempos – por que não dizer anos até – estão esperando sua vez para serem pegos, abertos, lidos e devorados, acontece comigo, vez por outra, de conhecer um novo título que me tira toda a atenção e, sem dó, nem piedade (dos outros), passá-lo à frente nas minhas leituras. De repente, ele se torna prioridade, muda minha rotina e fecha meus olhos para tudo ao redor.

Foi assim com o livro do escritor francês Daniel Pennac, Como um Romance, que eu conheci por intermédio de do blog ℓiвrυ ℓυмєท ( http://www.jefferson.blog.br/ ). Não me lembro ao certo em qual post li e o porquê, mas o fato é que a simples menção do livro levou-me a outros blogs e sites, nos quais o livro também era citado, e eu simplesmente não consegui mais parar na minha busca até, finalmente, encontrar o livro na biblioteca e pegá-lo para ler. Não me arrependi.

Gosto de livros que falam sobre livros e leituras, e Como um Romance é um destes – e um daqueles que se lê de uma tacada só – e com muito prazer. Com base na sua experiência e prática de muitos anos como professor de Literatura, o autor expõe, no livro, sua teoria de estímulo à leitura entre os jovens. Sem obrigação, e muito menos dever.

Quando aprendemos a ler, um mundo novo surge à nossa frente, um mundo em que as letras, unidas umas às outras foram palavras e essas palavras junto com mais palavras criam frases. É fascinante quando esse processo se torna claro na nossa mente, nos fazendo compreender o sentido daquele emaranhado de letras em perfeita união.

Lembro-me de que quando comecei a ler, o mundo se tornou mais visível para mim. Eu queria ler tudo e saber de tudo ao meu redor, eu mesma, sem que outros o fizessem por mim. Acho que é assim que deve ser... começamos a nos apaixonar pela leitura e, se ela é estimulada, com a leitura em voz alta feita pelos nossos pais e professores, ainda mais agradável ela se tornará quando nos dispusermos a ler, com os nossos próprios olhos.

Foi com base nessa premissa – da leitura em voz alta em classe – que Daniel Pennac levou seus alunos, já numa idade em que os aparatos tecnológicos fazem toda a diferença, tirando a atenção de outros, a interessarem-se pela leitura de livros. Já no primeiro dia de aula, Pennac se propõe a ler um livro, e abre então O Perfume, de Patrick Suskind. Aos poucos os alunos vão se interessando pela narrativa, mas a aula termina e o livro fica suspenso, até a próxima aula, quando a leitura será retomada do ponto onde parou. Nesse ínterim, alguns alunos, mais afoitos, buscam por si mesmos o livro para continuar a história e chegar logo ao seu fim.

Daí ele prossegue com outros autores, como Gabriel García Márques, Ítalo Calvino, Fiodor Dostoiévski, entre outros, sempre iniciando a leitura em classe para aguçar a curiosidade dos alunos e, assim, estimulá-los a ler por si mesmos. A esse método, Pennac entremeia o programa curricular, que os alunos absorvem sem se dar conta. O interesse pela leitura os leva a querer saber mais sobre o autor, o gênero e o estilo.

Mas, embora com todos esses estímulos, Pennac admite que nem todos continuarão a ler literatura em suas vidas. Assim, propõe uma lista de Direitos Imprescindíveis do Leitor, começando pelo Direito de Não Ler. Para ele, muitos jovens não leem por temerem não compreender a leitura, um medo comum entre a maioria dos não leitores. A intermediação de um professor em classe, neste caso, é essencial para dissipar esses receios. Basta saber conduzir – ou melhor seduzir.

Fechando, segue a lista dos Direitos Imprescindíveis do Leitor, segundo Daniel Pennac, que os disseca no livro:

1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de calar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Leitura compartilhada

Poucos dias atrás minha irmã falou-me do livro que está lendo, aquele mesmo que lhe dei no Natal e que ela se pôs a ler desde então: Parem de falar mal da rotina, da escritora e atriz Elisa Lucinda.

Já comentei que minha irmã não é muito fã de leituras e que quase sempre as abandona, mas desta vez ela se propôs a ler e disse que está gostando muito do livro, com o qual tem dado boas risadas. Apesar de ser um livro pequeno – tem 202 páginas –, ela ainda não terminou sua leitura, enquanto isso, eu acabei um, li três e comecei outro. Tá certo que não são livros grandes, mas li. Perto dela pareço uma leitora veloz; perto de outros leitores mais vorazes sou lenta. Prefiro me definir como uma leitora constante.

Minha irmã pode não ter terminado o livro, mas a vejo sempre carregando-o nas idas e vindas do trabalho e, de vez em quando, ela comenta uma ou outra passagem. Ela me confessou que gosta de ter a companhia do livro no trajeto da casa para o trabalho e vice-versa, talvez seja esta uma das razões pela quais ela não conclui a leitura, para continuar desfrutando da companhia desse livro em seu percurso diário e, dessa forma, colocar ainda mais humor em sua rotina.

O livro é uma adaptação da peça teatral encenada pela atriz em 2002. Na época alcançou enorme sucesso de crítica e de público, com muitas pessoas retornando ao teatro para assistir a apresentação novamente. A peça foi encenada também em Barcelona, onde fez perto de cem apresentações. E não são poucos os depoimentos de pessoas que passaram a ter uma atitude mais positiva da vida depois de assistirem à peça.

O livro fala sobre o cotidiano e a valorização das coisas simples da vida. Nele, a atriz compartilha suas impressões e emoções sobre aspectos extraordinários do dia a dia. Os capítulos e algumas cenas do livro têm títulos de cinema, TV, teatro e literatura, e as histórias contadas por ela fazem as pessoas pensarem nas suas próprias histórias. Entre estas, minha irmã fez questão de ler, em voz alta para mim, uma passagem que ela achou bem divertida. Tratava-se de uma ida de Elisa à farmácia ou perfumaria ou coisa assim, para comprar um shampoo e, tudo não teria maiores proporções se a vendedora não fizesse um comentário a cerca do tipo de cabelo da atriz, classificando-o como ruim. A partir dessa observação, Elisa tece, com muito humor, seus próprios comentários e tenta entender porquê consideram seu cabelo ruim, já que ele não faz mal a ninguém.

Foi um momento mágico, de descontração, em que pude compartilhar sua leitura e atestar seu interesse por ela. Não pude deixar de lembrar de uma passagem do livro que estava lendo – Como um Romance, de Daniel Pennac – e que mais para frente falarei, sobretudo a parte em que fala sobre a leitura em voz alta:

O homem que lê de viva voz se expõe totalmente. Se não sabe o que lê, ele é ignorante de suas palavras, é uma miséria, e isso se percebe. Se se recusa a habitar sua leitura, as palavras tornam-se letras mortas, e isso se sente. Se satura o texto com a sua presença, o autor se retrai, é um número de circo, e isso se vê. O homem que lê de viva voz se expõe totalmente aos olhos que o escutam.
Se ele lê verdadeiramente, põe nisso todo seu saber, dominando seu prazer, se sua leitura é uma ato de simpatia pelo auditório como pelo texto e seu autor, se consegue fazer entender a necessidade de escrever, acordando nossas mais obscuras necessidades de compreender, então os livros se abrem para ele e a multidão daqueles que se acreditavam excluídos da leitura vai se precipitar atrás dele.”

De fato, minha irmã se expôs lendo em voz alta, mas leu verdadeiramente. Conseguiu, dessa forma, fazer com que eu compartilhasse de sua leitura, e, por tabela, trazer mais humor na nossa rotina.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Domingo no parque

Cansada de shopping centeres e com um dia lindo pela frente resolvi, no domingo, ir ao Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo. Há muito desejava passear pelo espaço, afinal, que eu me lembre, ainda era uma criança quando visitei aquele lugar. E, apesar da reforma pela qual o parque está passando, havia muita gente transitando pelas ruas, alamedas, canteiros e gramado do local.

Na bagagem, levei um livro para ler à sombra das árvores, no sossego das folhagens. E, em meio ao verde, descobri recantos magníficos no parque, como a arena, onde são realizados cursos de equitação e eventos diversos. E é ao redor dela que as pessoas costumam fazer caminhadas e apostar corridas.

A Praça do Idoso é outra atração interessante. Ali foram montados diversos aparelhos para prática de atividade física, que são utilizados pelos mais jovens também. Há ainda, entre outras atrações, um Aquário com diversas espécies interessantes de peixes; uma Feira de Produtos Orgânicos: o Mugeo – Museu Geológico, no qual estão expostos minerais, rochas, fôsseis, objetos e documentos antigos; a Casa do Caboclo, um interessante espaço construído em taipa e onde pode ser desgustado um bom café, acompanhado de bolo de fubá ou broa de milho, ao som de moda de viola tocada ao vivo.

Mas o que mais me chamou a atenção foi o Espaço de Leitura PraLer, um belíssimo local composto por oito quiosques que, antigamente, abrigavam animais silvestres. No lugar, encontram-se à disposição cerca de 800 livros, entre literatura brasileira e estrangeira, infantojuvenil, arte e poesia, além de revistas e quadrinhos. É só escolher o livro, pegar em caráter de empréstimo, sentar confortavelmente em uma das mesinhas espalhadas ao ar livre ao redor do local e devolver após a leitura.

Além disso, outras atividades culturais e educacionais acontecem no local, como oficinas, exposições, shows musicais e contação de histórias.

Ali se pode ficar umas boas horas, no sossego do espaço, em meio à natureza e na companhia de um bom livro. Foi o que fiz. E precisa de mais para ser feliz?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Viagem com Saramago

A literatura portuguesa é pródiga em produzir grandes escritores. Camões, Padre Antonio Vieira, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, José Saramago e Antonio Lobo Antunes são bons exemplos dessa engenhosidade.

Pela proximidade da língua e pela importância no cenário literário, sempre me interessei em ler esses autores, mas admito certa dificuldade com o vocabulário e a construção das frases. Isso porque, embora a mesma língua, o português escrito de Portugal é diferente do português do Brasil, assim, quando tentei ler Lobo Antunes, não consegui e acabei abandonando a leitura, não sem certo pesar.

Com José Saramago, autor que eu ainda não tinha lido, temia que o mesmo pudesse acontecer. Ainda assim arrisquei e não me arrependi, por que o seu A Viagem do Elefante é um desses livros impossíveis de largar antes de chegar à última página. A narrativa é interessante e a leitura flui, apesar do estilo com parágrafos longos, sequenciais, quase sem pontuação nos diálogos e com ausência de maiúsculas nos nomes próprios e de lugares. É tudo muito claro, muito simples, muito gostoso de ler.

Saramago escreveu o livro por uma série de fatores, da mesma forma que uma série de fatores me levou a ler o livro. O escritor, a convite de uma professora da Universidade de Salzburgo, na Áustria, que lia em português, foi dar uma palestra aos alunos dela na instituição. Para confraternizar, a professora o levou para jantar no restaurante O Elefante, onde Saramago ficou fascinado por umas figuras representativas da viagem de um elefante, que no século XVI cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagância de um rei e um arquiduque. E desse fato histórico, o escritor criou uma ficção em que tece comentários sobre a natureza humana.

O livro surgiu à minha frente quando fui assistir, no final do ano passado, o documentário José e Pilar, do diretor português Miguel Gonçalves Mendes. O filme mostra o processo de criação de A Viagem do Elefante, sua publicação e o lançamento no Brasil, em 2008. Ao mesmo tempo, faz um olhar sobre a intimidade do escritor – mas sem invasão – ao lado de sua mulher Pilar Del Rio, jornalista e tradutora, que o assessorava, organizava sua agenda e o incentivava nos momentos mais difíceis, como naquele em que Saramago adoece seriamente antes de concluir o livro. Por isso, não é à toa que na dedicatória de A Viagem do Elefante consta a frase: “A Pilar, que não deixou que eu morresse”.

Ao sair do cinema fiquei desesperada para ler o livro e continuar naquela história mágica que me surpreendeu na tela. Não era o livro que eu queria ter me iniciado com Saramago, mas com certeza foi o certo. Me apaixonei pela história, pela narrativa, pelos personagens, sobretudo pelo cornarca (tratador, condutor, adestrador), chamado Subhro (que quer dizer branco) a princípio, mas transformado em Fritz a caminho da Áustria. E, claro, o elefante Salomão (e depois Solimon), um ser único, valente, corajoso, sensível e esperto. Temia pelo seu desfecho, afinal aquela viagem foi um sacrifício extremo que lhe impuseram. Veja a passagem:

"...Agora, porém, depois de trezentas léguas a andar, grande parte delas por caminhos que o diabo, apesar dos seus pés de bode, se negaria a pisar, solimão já não merece que lhe chamem indolente. Tê-lo-ia sido durante a permanência em portugal, mas isso são águas passadas, bastou-lhe ter posto o pé nas estradas da europa para logo ver acordarem em si energias de cuja existência nem ele próprio havia suspeitado. Tem-se observado com muita frequencia este fenomeno nas pessoas que, pelas circunstâncias da vida, pobreza, desemprego, foram forçadas a emigrar..."

Mas não vou me adiantar, para não entregar o final. Terminou como tinha de terminar. Da maneira mais simples e bela.

A Viagem do Elefante é um daqueles livros prazerosos, que queremos ler rápido para saber como acaba, mas que, ao mesmo tempo, não queremos deixar para não perder o encanto e a magia que só as boas histórias são capazes de retratar.

Este foi o penúltimo livro escrito por Saramago. O último foi Caim.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Joe Sacco vem ao Brasil

Joe Sacco na Flip deste ano?!? Mal posso acreditar...
EU QUERO IR!

Veja a nota publicada no site da Flip - http://www.flip.org.br/

"O quadrinista Joe Sacco é presença garantida na próxima Flip

O jornalista e quadrinista maltês Joe Sacco é o quinto escritor estrangeiro confirmado para a 9ª edição da Flip. Suas premiadas reportagens em quadrinhos são testemunhos de realidades de guerra no Oriente Médio e no Leste Europeu. Sacco é o autor de vários livros já traduzidos para o português como Notas sobre Gaza, Derrotista, Área de Segurança: Gorazde, Palestina: na Faixa de Gaza, Palestina: uma nação ocupada, Uma história de Sarajevo.

Além de Joe Sacco, já são confirmados para a Flip 2011 os escritores David Remnick, Andrés Neuman, Valter Hugo Mãe e Pola Oloixarac. Todos estarão reunidos em Paraty entre os dias 6 e 10 de julho
. "

É a Flip me cercando.