“Em nome do pai” inaugura o sinal-da-cruz. Em nome
da mãe inaugura-se a vida. (pág. 10).
E é sobre a vida, esse mistério que é a vida, por meio da Maternidade que Em nome da mãe, livro de Erri de Luca, publicado pela Companhia das Letras,em 2007, se centra. Com a palavra Maria – Miriam, na versão hebraica –, a mãe do Menino Jesus – Ieshu –, que vai contar os nove meses entre a Anunciação, na aldeia de Nazaré, à Natividade, em Belém.
Muito se sabe sobre a
história de Maria, quando da Anunciação e o Nascimento de Cristo, mas o período
da gestação, da dimensão humana da Maternidade, quase nada se conta. O autor,
estudioso dos textos bíblicos, por meio de seu conhecimento, mas principalmente
da sua sensibilidade, se propõe a desvendar, mas sem compromisso com conceitos
teológicos e filosóficos.
A história tem início no
final de uma manhã do mês de março, quando Maria é surpreendida por um vento
que entra pela janela, e a voz de um anjo faz a Anunciação. Tocada pela graça,
ela se apressa em contar a José (Iosef), seu noivo que, depois da estranheza do
primeiro momento e por ser homem justo, não só crê na história, como enfrenta a
comunidade judaica para proteger Maria e o filho que ela carrega (pelas leis,
uma mulher grávida antes do casamento, e ainda de outro homem, deveria ser
apedrejada), mas para isso, ele pede que ela lhe conte tudo, palavra por
palavra, como foi dito.
Os homens dão tanta importância às palavras, para
eles são tudo o que conta, que tem valor. Iosef queria conhecê-las para poder
guardá-las, relatá-las. Logo imaginou as consequências legais. O anúncio
quebrara nosso compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do
compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do casamento. Por
isso ele pedia outras palavras, para citar na assembleia, em busca de uma
defesa perante a aldeia.
Enfrentando todos, os
dois mantêm o compromisso do casamento em setembro, e vão tocando suas vidas. Mas
ele perde o emprego na oficina onde trabalhava como ajudante, tendo de montar
seu próprio negócio e contar com seu talento para os trabalhos que surgirem. E
ela, vítima de acusações e intrigas, segue tranquila, sem se deixar intimidar.
As mulheres cuspiam depois que eu passava por elas.
Eu saía para a função do sábado. Diante e seus insultos, endireitava mais a
coluna, estufava mais a barriga...
... Estar grávida, crescer feito a lua, contar as
semanas como para o transvasamento do vinho, não ter as regras, tudo era uma
pureza que me inebriava de alegria...
Em setembro, ao término
dos trabalhos nos campos, realizaram-se as bodas. Enfim, casados! Porém, José
promete não tocá-la até que o filho nasça. Assim, a vida vai se encaminhando
até que chega dezembro e, próximo ao nascimento, José e Maria têm de ir a Belém
para o recenseamento, de forma que ela terá de dar à luz sozinha, sem o auxílio
de parteiras e da mãe, que ficaram em Nazaré.
A viagem é difícil, mas
por fim chegam a Belém. A cidade está cheia por causa do recenseamento e não há
hospedaria vaga. José consegue lugar em uma estrebaria, onde poderá abrigar a
mulher grávida. Ela diz que o menino nascerá naquela noite, mas não sente medo,
sua mãe lhe dera instruções e ela sente que poderá fazer o parto sozinha, uma
vez que pelas leis judaicas, o homem não pode participar desse momento.
Senhor, Adonai, a tua frase dirigida à nossa mãe
Eva: “Com dor darás à luz filhos” não me amedronta. É correta a hora dos
empurrões para fora, do esforço. Será preciso bastante esforço para arrancar o
menino de mim. Estamos muito bem, nós dois, num só corpo. Bendito o esforço que
nos impõe.
É tocante o momento do
nascimento de Cristo, quando Maria tem de fazer o esforço para ter seu filho,
tendo como assistência o jumento no qual viajara e um boi. Mas a melhor parte é
depois, quando ela, já com o menino no colo, resolve não chamar José (que ficou
do lado de fora do estábulo) de imediato. Era noite, e Maria disse ao marido
que pela manhã teria o menino, assim, aproveita esse momento único com o filho para
tê-lo só para ela e pensar na sua jornada, sonhar com seu futuro, com uma vida
comum. Depois se lembra do Anúncio e roga a Deus que esqueça dele, que não se
faça notar, que seja um homem simples, mas sabendo que a hora chegará em que
terá de entregá-lo ao serviço de Deus. Então pede que isso não aconteça antes
dos 30 anos. Muito mãe, muito lindo.
Erri de Luca é napolitano
de origem judaica, estudou iídiche e hebraico, traduziu o Eclesiastes e o Livro
de Ruth, mas não é religioso. Foi dirigente do grupo de extrema esquerda Lotta
Continua, caminhoneiro e pedreiro. Escreveu seu primeiro livro Non ora, non qui, aos 39 anos,
publicando depois outras obras como Aceto, arcobaleno (Prêmio France Culture, 1994), Três cavalos (Berlendis & Vertecchia Editores, 2006) e Montedidio (Prêmio Femina Étranger,
2002).
Nenhum comentário:
Postar um comentário