Um dos
bons motivos para se participar de um Clube de Leitura é a possibilidade de
lermos obras que não leríamos, seja por falta de conhecimento, seja por puro
preconceito literário. Tá certo, nem sempre os livros indicados pelo clube são
do nosso agrado, mas na maioria das vezes eles nos agradam e, em alguns casos,
nos surpreendem de uma tal maneira que nos sentimos satisfeitos.
Foi o
caso de O Mapa do Tempo, de Palma,
Félix J, publicado pela Intrínseca em 2010. Indicado em uma das leituras que
fiz para um dos clubes que frequento, confesso que torci o nariz e tive má
vontade para com o livro. Qual não foi minha surpresa quando me vi envolvida em
uma trama fascinante, que prendeu minha atenção do início ao fim. Isso sem
falar em um trecho da narrativa que me chamou bastante a atenção, cuja data vem
bem a calhar com o dia de hoje:
... Nela aparecia uma fotografia dos seres que
estavam logo abaixo. A manchete falava do irrefreável avanço do exército de
autômatos e acabava pedindo aos leitores que não perdessem a fé na resistência
humana, liderada pelo bravo capitão Derek Schackleton. Porém, o que mais os
surpreendeu foi a data do jornal. O exemplar a que pertencia aquela folha
extraviada havia sido impresso em 3 de abril do ano
2000.
O ano não
importa, mas o dia e o mês não podiam passar desapercebidos por mim, justamente
porque é a data do meu aniversário, uma coincidência que achei bacana. Já no
livro, a surpresa dos personagens com a data do jornal se refere à passagem do
tempo, uma vez que eles pertenciam ao século XIX.
Mas
coincidências à parte, o livro é um deleite só e faz parte de uma trilogia que
envolve os livros de H. G. Wells, mas não são necessariamente uma continuação,
mas todas as histórias se passam na época vitoriana. Neste primeiro volume, Félix
J. Palma
reuniu
personagens como Jack, o Estripador; Júlio Verne; o Homem Elefante; o Homem
Invisível; Bram Stoker, o criador de Drácula;
e o romancista Henry James, em uma trama que mistura romance e aventura tendo por
base A Máquina do Tempo, de Wells. Uma
viagem literária e tanto.
O Mapa do Tempo se passa em uma época na
qual a curiosidade no campo ciência possibilitou ao homem sonhar, imaginar e
realizar. O livro divide-se em três partes, com histórias que se interligam por
trazerem à tona um assunto fascinante na Londres do século XIX: as viagens no
tempo.
Na
primeira parte, o protagonista é Andrew Harrington, um rapaz que estava
amargurado e triste há oito anos, depois que Jack, O Estripador assassinou o
grande amor da sua vida: Marie, uma prostituta. Para tirá-lo desse marasmo, seu
primo lhe conta sobre H. G. Wells e seu livro A Maquina do Tempo, garantindo a ele que o escritor possuía tal
maquina, de forma que ele poderia viajar no tempo e tentar mudar a história de
Marie, salvando-a da morte.
Recordava tudo de maneira extraordinariamente
vívida, como se entre eles não houvesse um abismo de oito anos, e às vezes
achava aquelas memórias até mais bonitas que os fatos verdadeiros. Que estranha
alquimia fazia essas cópias parecerem mais extraordinárias que o original? A
resposta era óbvia: a passagem do tempo, que transforma o borbulhar do presente
em um quadro terminado e inalterável chamado passado, uma tela que o homem
sempre pinta às cegas, com pinceladas erráticas que só adquirem sentido ao
afastar-se dela o suficiente para admirá-la em seu conjunto.
Na
segunda história aparece Claire Haggerty, uma mulher fora de seu tempo, cujo
desejo era viver um grande amor, sem a preocupação de casamento, tão frequente
entre as mulheres da época. Parte então para uma viagem realizada pela empresa
"Viagens Temporais Murray" ao ano 2000, época em que Londres encontra-se
em ruínas, destruída pela guerra entre os homens e os autônomos. É neste
cenário que Claire vai encontrar um amor, o capitão Derek Schackleton, o herói
do futuro, que quando a vê também fica perturbado:
... Lembrava perfeitamente do semblante pálido, as
feições um tanto ariscas, os lábios brilhantes e bem-desenhados, o cabelo
azeviche, o porte garbosamente frágil, a voz. E se lembrava do olhar.
Lembrava-se, sobretudo, da maneira como o olhara, com uma espécie de
entusiasmo. Nenhuma mulher jamais olhara assim para ele. Nunca.
A
terceira parte mostra que A Máquina do
Tempo, escrita por Wells atingiu grande sucesso, no entanto o escritor não
acreditava ser possível viajar no tempo ou até mesmo criar histórias
alternativas. É quando aparece um viajante do tempo com a missão de matá-lo
para roubar o manuscrito do romance que acabara de escrever.
... E se os viajantes mergulhassem no futuro o
suficiente para encontrar a extremidade, o fim do barbante branco. Ou talvez
sim. E se os viajantes mergulhassem no futuro o suficiente para encontrar a
extremidade, o fim do barbante como o inventor de seu romance havia tentado
fazer? Mas existiria tal coisa? O tempo terminaria em algum ponto ou
continuaria eternamente? Neste caso, o final devia localizar-se no instante em
que o homem se extinguisse e não restasse nenhuma outra espécie no planeta,
pois o que era o tempo sem ninguém para medi-lo, sem nada que o acusasse sua
passagem? O tempo só se revelava nas folhas secas, nas feridas que
cicatrizavam, no caruncho que devorava, na ferrugem que se espalhava, nos
corações que se cansavam. Se não houvesse ninguém para mareá-lo, o tempo não
era nada, absolutamente nada.
O Mapa do Tempo é um livro instigante, que
tem como tema principal é o tempo, em todas as suas nuances. Seu autor, Félix
J. Palma, é espanhol, cujas principais influências são de autores de língua
inglesa, mas com uma forte identificação com o argentino Júlio Cortázar. O
segundo volume da trilogia é O Mapa do
Céu, já lançado na Europa, mas ainda não publicado no Brasil, e centra-se
na invasão marciana, inspirado no livro A
Guerra dos Mundos. O terceiro tratará do tema invisibilidade, numa
referência ao livro de Wells, O Homem
Invisível. Já ansiosa pra ler.
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