Quando comecei a ler O amante (L`Amant), obra de Marguerite
Duras, era 3 de abril, dia do meu aniversário. E, de cara, me deparei com um
começo arrasador, que aludia à data em questão:
Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou
de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: “Eu a conheço há
muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que
para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu
rosto de moça do que desse de hoje, devastado.
Nada mais propício
para se ler no dia do aniversário, data em que estamos mais suscetíveis – e
sensíveis - à passagem do tempo, constatando em nosso corpo as marcas e os
desgastes dos anos. Foi como um alento, uma massagem no ego, um bálsamo
reconfortante que li essas frases, pensando no conforto que a boa literatura proporciona
nos momentos mais cruciais da nossa vida.
Já no dia seguinte,
outra data também seria lembrada, esta bem mais significativa e universal: os
100 anos do nascimento da escritora, que nasceu em Gia Dinh, na Indochina (hoje
Vietnam), onde passou a infância e a adolescência, e cuja paisagem teve
influência fundamental na sua vida e obra.
Criada pela mãe (o
pai morreu quando tinha quatro anos), ao lado de seus dois irmãos, Marguerite teve, na
adolescência (tinha 15 anos), um caso com um homem chinês rico, 12 anos mais
velho, uma história intensa e decisiva que se tornou o cerne para o livro O amante. Na trama, ela ainda fala da
difícil relação com a mãe, do amor ao irmão mais novo e das diferenças com o
irmão mais velho, além das dificuldades enfrentadas no dia a dia.
O livro foi
publicado em 1984 e traz a narrativa numa espécie de flashes, com alternância
de vozes, ora na primeira pessoa, ora na terceira. Em suas memórias, se é que
podemos chamar assim, Marguerite se mostra resignada com o rumo de sua vida,
não se queixa, não lamenta... é como se tudo fosse parte imprescindível da
existência, mas sem perder a poesia, como na entrega ao seu amante:
A pele é de uma doçura suntuosa. O corpo. O corpo é
magro, sem força, sem músculos, podia ser o corpo de um doente, de um
convalescente, ele é imberbe, sua única virilidade é a do sexo, é muito fraco,
parece estar à mercê de um insulto, parece sofrer. Ela não olha para o rosto.
Não olha. Só o toca. Toca a doçura do sexo, da pele, acaricia a cor dourada, a
novidade desconhecida. Ele geme, chora. Dormindo por um amor abominável.
E chorando ela realiza o ato. A princípio, a dor. E
depois a dor se transforma, é arrancada lentamente, transportada para o prazer.
O mar, sem forma, simplesmente incomparável.
Além de escritora,
Marguerite foi diretora e realizadora de filmes. Seu livro, O amante, chegou a ser adaptado para o
cinema, em 1991, por Jean-Jacques Annaud (roteiro em conjunto com Gérard
Brach), assim como outras obras de sua autoria. Ela é também conhecida como a roteirista
do filme Hiroshima, meu amor, dirigido
por Alain Resnais.
Consta que
Marguerite não gostou da adaptação de O
amante, escrevendo posteriormente outro livro, com o título de O amante da China do Norte. Este ainda
não li, mas acho que vale a pena para constatar as diferenças. A conferir.
Ainda não li o Amante, mas já li vários livros de Duras. O meu favorito é O Marinheiro de Gibraltar que conta a história de uma mulher que segue num barco pelos vários portos à procura do homem por quem se mantém apaixonada.
ResponderExcluirO Amante é o primeiro que li de Marguerite. Mas achei interessante esse que você citou, O Marinheiro de Gibraltar. Vou procurar. Obrigada pelo comentário.
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