A
proposta era começar o ano lendo “um livro que tentamos ler algumas vezes e não
conseguimos terminar, ou seja, um livro que abandonamos”. Pensei logo em O castelo e na oportunidade de retomá-lo
para colocar essa leitura em dia. Claro, teria de começar tudo de novo, embora
ainda tivesse na lembrança o eixo da história e certas passagens marcantes. Mas
não podia me furtar do seu início misterioso e envolvente:
Era tarde da
noite quando K. chegou. A aldeia jazia na neve profunda. Da encosta não se via
nada, névoa e escuridão a cercavam, nem mesmo o clarão mais fraco indicava o
grande castelo. K. permaneceu longo tempo sobre a ponte de madeira que levava
da estrada à aldeia e ergueu o olhar para o aparente vazio.
K.
é o personagem central, o agrimensor que vai a uma aldeia não especificada,
onde fora chamado por um conde local para prestar serviços ao castelo. Contudo,
uma sequência de desencontros e mal-entendidos faz com que K. não consiga
chegar ao castelo e nem ao menos encontrar o caminho. O personagem fica na vila
e acaba se relacionando com pessoas estranhas e confusas, que se desmentem a
todo o momento, provocando diversas interpretações para o mesmo fato.
O
livro, escrito durante cerca de seis meses, em 1922, foi lançado depois da
morte de Kafka, que não chegou a terminá-lo e tentou até destruí-lo. Os
originais foram salvos por seu amigo Max Brod, seu testamenteiro, talvez por
isso a obra esteja incompleta. Seja como for, não é uma leitura fácil, mas não
deixa de ser instigante, uma vez que faz uma velada crítica à burocracia
estatal e religiosa. E o castelo pode ser interpretado também como o paraíso,
com o qual sonhamos, mas difícil de ser alcançado.
Quando
chega à aldeia, K. é recebido com estranheza no albergue. Sua acolhida não é
fácil e fica claro, logo no início, que ele não é bem-vindo. É um estranho em
meio a uma comunidade fechada, cheia de regras e absurda. No entanto, K.
insiste e tenta de todas as maneiras chegar ao castelo e assumir seu posto, mas
esbarra na aridez da paisagem e na hostilidade do lugar.
Na
Hospedaria dos Senhores, K. conhece Frieda, amante do poderoso Klamm,
responsável por sua contratação. Logo vê nela a possibilidade de chegar até ele
e, assim, a conquista. Passa então a manter com ela uma relação amorosa, tentando,
ao mesmo tempo, inserir-se na comunidade e fazer parte dela, com família e um
emprego digno.
Contudo,
a estranheza do lugar e as dificuldades burocráticas vão enredando-o de tal
maneira que K. não encontra saída, deixando-se levar pelas situações e pelo
sonho do castelo.
... E agora o
senhor: quem é o senhor, junto de quem tão humildemente lutamos por conseguir a
anuência a um pedido de casamento? O senhor não é do Castelo, o senhor não é da
aldeia, o senhor não é nada! Mas, infelizmente, o senhor é alguma coisa: um
estrangeiro; alguém que está a mais; um empecilho a estorvar todos os caminhos:
alguém que está sempre a causar-me maçadas e nos obriga a desalojar as
crianças; alguém que veio seduzir a nossa pequena Frieda muito amada e a quem
agora, infelizmente, nós a temos de dar em casamento.
Ainda que sem final, é sempre bom ler Kafka. E este O castelo é um primor. Que bom que terminei.
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