Desde criança o
futebol sempre ocupou um lugar especial na minha vida. Filha de um palmeirense,
palmeirense me fiz, com muito orgulho. Assim, as melhores lembranças que guardo
da infância são aquelas ao lado do meu pai nos campos de futebol, acompanhando
partidas, ou em frente à TV, torcendo para o nosso time, ou pela seleção
brasileira.
No entanto, nos
últimos anos sinto que minha paixão pelo futebol tem diminuído, e muito. Quase
não acompanho mais, tanto o Palmeiras quanto a Seleção do Brasil, acho que as
maracutaias, mas, sobretudo, as torcidas organizadas têm a ver com essa minha
indiferença. O que me entristece, ainda mais porque a Copa do Mundo está aí, no
nosso país, e eu ainda não me animei.
Mas, apesar de tudo,
é difícil não se deixar envolver e, com certeza, não sou de torcer contra. Para
dar um up e tentar me aquecer fui buscar auxílio na
literatura, me aventurando pelas páginas de Entre
as quatro linhas – contos sobre futebol, antologia organizada por Luiz
Ruffato, lançada neste ano pela Editora DSOP.
O livro reúne 15
nomes da literatura brasileira contemporânea, sendo nove homens e seis mulheres:
Mario Araújo, Fernando Bonassi, Ronaldo Correia de Brito, Eliane Brum, Flávio
Carneiro, Andre de Leones, Tatiana Salem Levy, Adriana Lisboa, Ana Paula Maia,
Tércia Montenegro, Marcelo Moutinho, Rogério Pereira, Carola Saavedra, André Sant´Anna
e Cristovão Tezza.
O autor mais velho tem
62 anos e o mais jovem 33. Destes, cinco nasceram no Sudeste, quatro no Sul,
dois no Nordeste, dois no Centro-Oeste e dois no exterior. Quanto ao local de
residência, cinco vivem no Rio de Janeiro, quatro em São Paulo, dois em
Curitiba e cada um dos outros em Recife, Fortaleza, Brasília e Estados Unidos.
Com relação ao time do coração, quatro torcem para o Botafogo, dois para o Fluminense e Atlético Paranaense. Flamengo, Coritiba, Vasco, Palmeiras, Grêmio, Goiás e Fortaleza completam a lista, com um torcedor cada.
Na introdução da
coletânea, Ruffato lembra que apesar de o Brasil ostentar cinco títulos
mundiais no futebol, conquistados em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, e do
esporte ser uma paixão nacional, “os escritores brasileiros sempre guardaram
distância do tema, rejeitando-o, já nem digo como motivo principal, mas até
mesmo como referência secundária”.
Agente alienador,
pertencente a um universo pouco frequentado pela ficção, talvez seriam os
motivos pelos quais essa ausência se faça sentida”. Mas alguns nomes da
literatura, como Mario Filho, João Saldanha, Roberto Drummond e, principalmente,
Nelson Rodrigues, fizeram do esporte matérias essenciais de suas crônicas,
contagiando romancistas e contistas.
Entre as quatro linhas busca expressar isso, procurando mostrar a paixão
pelo futebol no Brasil. Alguns contos, como acontece em toda antologia, sempre
se sobressaem a outros, cumprindo melhor o seu papel. Dentre estes destaco A história do futebol, assinado por
André Sant´Anna, que utiliza a fantasia da criança e do adolescente se fazendo
passar por um craque para contar a sua história do futebol, com destaque para o
Fluminense, seu time do coração. E começa assim:
Quando o futebol foi inventado, em 1969, o George
Harrison era de Belo Horizonte e, no prédio dele, na escola dele, na rua dele,
as pessoas ou eram Atlético ou eram Cruzeiro. O primo do George era Atlético. O
George era o Tostão, do Cruzeiro.
O pai do Tostão e a família do pai do Tostão eram do
Rio e tinham uma ligação muito forte com o Fluminense.
O conto é bastante
criativo – e difícil. Por vezes me senti perdida entre aqueles nomes de
jogadores que eram e não eram eles, que na verdade eram o narrador, seu primo,
seus amigos, e também eram os jogadores de verdade. Mas depois foi show de
bola, e uma verdadeira declaração de amor ao esporte.
E futebol é uma das coisas mais importantes na minha
vida, desde o Tostão, em 1969, e o Fluminense, nos últimos anos, têm sido um
Fluminense que nem aquele da Máquina e aquele que foi tricampeão carioca em
1983 / 1984 / 1985 e campeão brasileiro de 1984 – 1 x 0 e 0 x 0 – contra o
Vasco, gol de Romerito, e o Fluminense foi campeão carioca em 2005 e 2012 e foi
campeão da Copa do Brasil, em 2007, e campeão brasileiro em 2010 e 2012 e ainda
teve 2009, quando o Fluminense ia cair para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro
e não caiu e foi tão sensacional quanto ganhar um título.
Outro conto bacana é
o da Tatiana Salem Levy, Um dia, uma
camisa, em que ela conta a história de um casal que vive em Lençóis, no
Maranhão. Os dois sonham em ir para o Rio de Janeiro, ela para ser atriz; ele
para jogar no Flamengo. Os sonhos são interrompidos quando um estrangeiro aparece
no local e promete ao rapaz que enviará camisas do Barcelona para o time local quando
retornar à Espanha. Com a promessa, ele não quer mais sair de Lençóis, e sua
mulher acaba indo embora com o filho pequeno, esperando que em breve o marido
vá também. Triste e belo ao mesmo tempo.
Já Raimundo, o dono da bola, de Eliane Brum,
é um conto diferente: denso, forte, dolorido, emocionante, aliás como são todos
os textos da escritora. Ele se passa dentro da floresta, em um recanto bem
longe, talvez na Amazônia, onde os modismos e o consumo não chegam. Uma outra
realidade. Ali, Raimundo, o protagonista, sonha. Sonha em alcançar o mundo, mas
seu pai o faz prometer fincar os pés na terra e continuar a lida da luta diária
da preservação.
O pai amainou. Agora eu posso te dar o mundo. Porque
sei que tu vai ficar aqui. E Raimundo menino sentiu a cabeça voar, como se dela
pudessem sair asas que atravessavam rios porque o pai lhe daria o mundo, mas ao
mesmo tempo viu seus pés se espicharem, os dedões alongando-se em raízes de
carne que para sempre estariam fincadas no ventre do castanhal. E desde então cresceu partido, parte dele
pássaro, parte árvore.
Quando Raimundo, já
adulto, entra em contato com o mundo, por meio de um rádio portátil que um
conhecido lhe oferece, e ali escuta uma partida de futebol, a paixão pelo esporte
lhe é despertada. Ele fantasia inocentemente e se deixa manipular pelos homens
da cidade. Com isso, acaba esquecendo a promessa feita ao pai. Talvez Eliane saia um pouco do foco futebol, mas a história é tão intensa que o resultado é fascinante.
Vale destacar ainda os contos Meu pequeno amigo cubano, de Flávio Carneiro; Domingo no Maracanã, de Marcelo Moutinho, e Uma questão moral, de Cristovão Tezza. Envolventes. Sem falar que as histórias mexeram com minha memória futebolística e reacenderam lembranças queridas. Acho que estou começando a me animar.
Vale destacar ainda os contos Meu pequeno amigo cubano, de Flávio Carneiro; Domingo no Maracanã, de Marcelo Moutinho, e Uma questão moral, de Cristovão Tezza. Envolventes. Sem falar que as histórias mexeram com minha memória futebolística e reacenderam lembranças queridas. Acho que estou começando a me animar.
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