quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Drummond-se #DiaD


Hoje é dia de homenagear nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira, que nasceu há exatos 110 anos. Por isso, o Instituto Moreira Salles idealizou, em 2011, o Dia D, inspirado no Bloomsday, dia em que fãs do escritor irlandês James Joyce se reúnem no mundo todo para celebrar sua obra máxima, Ulysses.

Para lembrar Drummond, várias atividades estão sendo desenvolvidas pelo país, com palestras, leituras de seus poemas, encenações, mostras de filmes, lançamentos, enfim, uma programação cultural pra lá de bacana.
 
Drummond foi, ainda, o grande homenageado da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty deste ano, e eu estive lá para conferir, até deixei-me fotografar ao lado dele, quer dizer, de um sósia dele.
 
 
E, hoje, lembrei-me de um poema de sua autoria que, segundo um teste publicado no site Educar para Crescer, se parece comigo. O teste foi supervisionado pelo professor doutor Ronaldo de Oliveira Batista, coordenador do Curso de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
 
O poema é “Coração Numeroso”, que se encontra no livro Antologia Poética, publicado pela Editora Record, com seus principais poemas. Uma joia.
 
Deixo aqui, o “Coração Numeroso”.
 
 
Coração Numeroso
 
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
 
Pra quem quiser fazer o teste, acesse aqui

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Viva o livro nacional!

No dia 29 de outubro comemora-se o Dia Nacional do Livro. Aqui minha homenagem a esse objeto que tanto prazer, conhecimento e fascínio exerce sobre nós, leitores.


 
Livro: a troca
 

Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena
os livros me deram casa e comida.

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo;
em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada;

inclinado, encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá

dentro pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto

olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois,
decifrando palavras.

Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto

mais íntima a gente ficava, menos eu ia me lembrando
de consertar o telhado ou de construir novas casas.

Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava
a minha imaginação.

Todo o dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no

mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu,
era só escolher e pronto, o livro me dava.

Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca
tão gostosa que - no meu jeito de ver as coisas -

é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no
livro, mais ele me dava.

Mas como a gente tem mania de sempre querer mais,
eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar

tijolo pra - em algum lugar - uma criança juntar com
outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

(Livro: a troca, de Lygia Bojunga. In: Livro: um encontro).

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Família é prato difícil de preparar, mas é bom!

Considerada uma das instituições mais antigas, a família, nos primórdios, tinha uma vida simples, constituída principalmente pelo sistema patriarcal. Nos anos de 1960, ela chegou a ser considerada falida e tendia a desaparecer, mas, com o decorrer do tempo, ganhou fôlego, modernizou-se, ampliou-se, diversificou-se, sendo hoje uma das instituições mais sólidas que existem.
 
Não é à toa que um livro, que trate genuinamente desse tema, tenha despertado tanto interesse, apesar da falta de marketing, se bem que o boca a boca e a internet representem, aqui, aliados e tantos. Falo de O arroz de Palma, romance de estreia de Francisco Azevedo, publicado em 2008 pela Editora Record.
O autor, embora estreante na categoria romance, não é um novato na escrita. Roteirista cinematográfico, poeta, ex-diplomata e dramaturgo, com sucessos como Unha e carne e Coração na boca, entre outras, Azevedo publicou dois livros de poesia e prosa poética: Contra os moinhos de vento (1978) e A casa dos arcos (1984). E, mais recentemente, o romance Doce Gabito.
O livro encontrava-se na minha lista desde 2009, quando uma amiga sugeriu para que eu o lesse, classificando-o como maravilhoso. Outras obras, no entanto, se fizeram mais urgentes e o tempo passou, até que o romance caiu em minhas mãos neste ano e não pude mais resistir. Ainda bem, porque o livro é um daqueles achados que só descobrimos quando nos deixamos levar por uma boa história, que podia ser minha, sua, nossa.
O arroz de Palma trata da imigração portuguesa ao Brasil, no século XX, por meio da saga de uma família em busca de um futuro melhor. A história acompanha cem anos da vida dessa família, por meio de seus filhos e netos, mas tudo sempre intercalado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas, José Custódio e Maria Romana, em 1908, em Viana do Castelo, norte de Portugal.
No momento, em que o casal saía da igreja, como reza a tradição, é abençoado com uma chuva de arroz. Palma, a irmã do noivo, comovida com o espetáculo, decide recolher os grãos e dá-lo de presente ao casal, acrescentando um delicado cartão com os dizeres:
Este arroz – plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha benção. Palma.
A cunhada fica comovida, mas o irmão reprova a atitude e o arroz, dado com tanto amor, resulta na primeira briga do casal. Esses 12 quilos de arroz, no entanto, serão fundamentais em vários momentos da vida da família.
A história, contudo, começa quando Antônio, o primogênito dos quatro filhos que José Custódio e Maria Romana tiveram, e agora com 88 anos, está na cozinha preparando o almoço da família. Ali ele começa a recordar a história de seus pais, o casamento, o arroz e os ensinamentos da tia Palma, a imigração, o crescimento da família, filhos, netos, as desavenças, os desencontros, os afastamentos, os desaparecimentos e tudo o mais. Nesse devaneio, ele fala diretamente ao leitor, que se coloca como seu confidente para ouvir a história, as reflexões e os pensamentos sobre família e a vida desse simpático senhor, como esta:
... Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida – azeitona verde no palito – sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida.
Ou esta, em que desfaz o mito da receita da família perfeita:
 
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe. “Família à Oswaldo Aranha”, “Família à Rossini”, “Família à Belle Meunière” ou “Família ao Molho Pardo” – em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há família doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada – seriam assim um tipo de “Família Diet”, que você suporta só para manter a linha. Seja como for família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
 
De qualquer forma, para ele – e me arrisco a dizer para todos – , o importante é aproveitar ao máximo esse convívio, mesmo porque ele não é eterno.
 ... O que um veterano cozinheiro pode dizer é que por mais sem graça por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana na louça, no alumínio ou no barro, Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, numa mais se repete.
 
Precisa dizer mais?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Vinícius, velho saravá!


Se vivo, o poetinha estaria completando hoje 99 anos.
Para homenageá-lo, um vídeo bacana com animação de um de seus poemas mais conhecidos:

 



Soneto de Separação
 

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
 
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Vinícius de Moraes)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Para sempre


Mãe – 5 anos - Lembrando do poema de Carlos Drummond de Andrade.
 

Para sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
 
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
 
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
 Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
 feito grão de milho.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Firmina Dalva e seus amigos


Segundo o dito popular, o cachorro é o melhor amigo do homem. Afinal, eles são companheiros, afetuosos e leais. Na literatura, no entanto, outro bicho costuma ser companhia constante dos escritores, tradutores e jornalistas: os gatos, cuja característica solitária combina com a necessária solidão para pensar, escrever, traduzir e ler.

Não é à toa que escritores famosos como Aldous Huxley, Julio Cortazar, Jorge Luis Borges, Charles Bukowski, Neil Gaiman e Stephen King, entre outros, tivessem - ou têm - em seus refúgios literários a companhia de um gato. Afinal, sua presença mansa é propícia para aflorar ideias.
 
A jornalista Érika Freire, especialista em Jornalismo Literário, é uma dessas pessoas, também, que amam o mundo dos felinos. Sua gatinha, Firmina Dalva, sempre foi uma boa companheira de leitura e de escritos, tanto que no final de 2010 a jornalista teve a ideia de escrever um livro colocando-a como personagem principal de um livro infantil. A princípio uma brincadeira, que acabou ganhando contornos maiores com o passar do tempo.
– Optei por começar contando sobre como ela chegou até aqui, em casa. E esse, digamos, é um dos poucos acontecimentos verdadeiros dentro do livro. Depois eu fui imaginando coisas, inventando personagens e a história foi tomando seu rumo – confessa Érika.
Surgiu assim o projeto “As aventuras de Firmina Dalva e seus amigos", primeiro livro infantil da jornalista, que já escreveu contos e crônicas publicados em coletâneas, como Cronicidades, Vidas e Momento do autor. O livro conta com desenhos de Nice Lopes, ilustradora, artista plástica e publicitária, que tem ilustrações publicadas na revista Claudia, da Editora Abril, no jornal nova-iorquino The Wall Street Journal e em dois grandes livros de ilustração: Illustration Now!2 e Illustration Now Portraits, ambos da Editora Taschen. Já desenhou estampas para grife infanto-juvenil Bicho Comeu e ilustrou o livro A nuvem vermelha, da escritora santista Mô Amorim, publicado pela Editora Adonis.
 
As aventuras de Firmina Dalva e seus amigos é um livro que fala sobre amizade e será lançado oficialmente neste  12 de outubro, Dia da Criança, a partir das 15 horas, no Fórum da Cidadania e Cultura de Santos (Avenida Ana Costa, nº 340, em Santos/SP).
Acompanhe abaixo a entrevista que Érika concedeu ao blog. Aqui ela fala sobre o processo de criação, a história do livro, suas expectativas e trabalhos já publicados.
Este é seu primeiro livro infantil, uma ficção que traz personagens reais, no caso a gatinha Firmina Dalva, o cachorro Afonso da raça Dachshund, que era um cão que você teve, e o canário Zezinho. Conte um pouco sobre o enredo.
É uma história que fala principalmente sobre amizade. A personagem principal, a gatinha Firmina Dalva, é encontrada perdida em uma bica por um garotinho que decide levá-la para casa. Lá, ela conhece mais dois amigos: Zezinho, um canário amarelinho e o cachorro Afonso Tadeu. Rapidamente eles se tornam grandes amigos e passam a dividir muitos momentos juntos.
A turma fica completa com os outros animais de estimação dos vizinhos que vivem na mesma rua que eles: os cachorros Luck, Leão e Maradona, o gato Borracha e também um esquilo chamado Serafim.
Eu quis brincar com essa coisa de que na “vida real” é difícil um gato se entender com um passarinho, e que um cachorro seja cortês com um gato. Na minha história isso é possível, sim!
A Firmina tem um papel mais corajoso dentro do livro, é ela quem quer se aventurar, pois é curiosa e deseja descobrir o mundo, digamos assim. Já o Afonso Tadeu só pensa em comer e é meio medroso. A aventura começa quando o Afonso some misteriosamente e, aí, todos eles se movem para encontrá-lo.  
 
Com quais recursos você contou para publicar o livro. Teve algum patrocínio?
Uma amiga que trabalha com projetos culturais me incentivou a inscrever e remeter o livro ao ProAc - Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (ProAC-ICMS). Passaram-se alguns meses até sair o resultado positivo. Fiquei muito feliz.
Além do ProAC, contamos com o apoio da Usiminas, que se interessou em patrocinar o projeto e também do Instituto Artefato Cultural, de Santos, na parte de realização.
Tivemos a ideia também de distribuir alguns exemplares para escolas e bibliotecas públicas da região da Baixada Santista, e faremos também contações de histórias em algumas escolas. 
Como foi o processo de escrita até a publicação do livro?
Comecei a escrever e lembro que fluiu bem inicialmente. Depois deixei de lado um pouco e fiquei algum tempo sem “mexer” no texto. Quando decidi voltar a escrever, não sabia muito qual caminho seguir. Era meio angustiante, como todo processo de escrita é. Lembro que durante uma tarde decidi ir para a biblioteca pública de Santos, peguei alguns livros infantis e fiquei lendo, pesquisando, observando alguns caminhos.
Aos poucos fui me dedicando mais e consegui finalizar a primeira versão. Quando terminei o livro, guardei e assim ficou por um bom tempo.
Finalizada a primeira versão do livro, eu nem pensava em ProAc, nada disso. Mas depois que ele se tornou uma realidade para mim, notei que tinha a obrigação de melhorar o texto, “mexer” na história. Nossa, eu mudei muita coisa até chegar à versão definitiva.
Você já publicou contos em coletâneas. Fale um pouco sobre isso.
Costumava escrever alguns textos apenas para o meu blog, alguns eu nem publicava, deixava guardado. Aí em 2009 eu pensei que era o momento de me arriscar um pouco e comecei a participar de alguns concursos. Não ganhei nenhum (rs) e desisti por um tempo.
Tentei novamente em 2011, ano em que ganhei o primeiro. Tive dois textos selecionados para a coletânea “Vidas”, da editora Digitexto. Fiquei bastante animada e tentei outros concursos. Tive mais dois textos selecionados para o livro “Cronicidades” e participei também da 8ª edição do livro “Momento do Autor”, que é um projeto literário realizado pela Secretaria de Cultura de Santos. E em breve será publicada mais uma coletânea com vários autores, também da Digitexto, e estarei lá. 
 
Depois da publicação do seu primeiro livro infantil você pretende continuar se aventurando por esse caminho?
Se eu tiver uma ideia que considere boa e divertida, eu escreverei sim. Mas esse nunca foi o meu foco. Aconteceu naturalmente, graças à Firmina Dalva. 
 
 
Para conhecer outros textos da Érika Freire acesse o blog www.narrativasedivagacoes.blogspot.com
Para conhecer outros trabalhos da Nice Lopes acesse o blog http://www.nicelopes.blogspot.com.br