quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ler e – ou – escrever


“Escrever é uma chatice” – disse Chico Buarque na mesa literária Sequências brasileiras, dividida com o escritor Milton Hatoum na Flip 2009.
A frase causou um certo espanto no público participante, mas em se tratando de Chico Buarque, tudo é “desculpável”, afinal, ele era o personagem mais aguardado da festa e o que provocou maior furor entre os presentes, inclusive em mim, fã de carteirinha, que também estava lá para vê-lo. Por fim, ele acrescentou, explicando:
– Ler é mais prazeroso.

Lembrando desse episódio agora, depois de ver um texto que um amigo jornalista fez sobre sua participação na Flip 2009, me pus a pensar nessa relação dos escritores com a leitura em confronto com a escrita, esta arte tortuosa e astuta, que desafia todo aquele que por ela se aventura.

Na mesma Flip, inclusive, Antonio Lobo Antunes, autor português, que protagonizou a melhor mesa da festa, Escrever é preciso, na minha opinião e de boa parte do público, definiu a arte de escrever como uma tarefa árdua.
– Escrever é um trabalho impossível, porque você está trabalhando com coisas intraduzíveis, anteriores às palavras, e todo o problema é como transformá-las em palavras.
E completou:
– Só vale a pena escrever quando nos é inconcebível, porque ler dá muito mais prazer.

É engraçado como uma lembrança vai puxando a outra. E a história parece se repetir. Um tempo atrás, assisti a um bate-papo com o escritor Ruy Castro, no Sesc Belenzinho, quando este ainda era aberto ao público (encontra-se agora em uma grande reforma que já dura cinco anos). Na ocasião, além de falar dos seus livros, do processo de trabalho, das pesquisas que precisam ser feitas para escrever, Castro ressaltou sua vontade de, num futuro próximo, passar de escritor a ser apenas um leitor, sua grande paixão.

Até mesmo o grande escritor argentino, Jorge Luís Borges, considerava que tudo o que leu era mais importante do que tudo o que escrevera na vida. “A pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever”.

Angústias à parte, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, era bastante cético quanto ao processo de leitura e andava na contramão dessa história. Em seu ensaio “Sobre Livros e Leitura”, questionou, por exemplo, o excesso de leituras em detrimento do ato de pensar.
– Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos. Daí o alívio que sentimos quando passamos da ocupação com nossos próprios pensamentos à leitura.

O que o filósofo alemão quer dizer, na verdade, é que é necessário dar uma pausa na leitura, para podermos assimilar o seu conteúdo e ruminá-lo, criando nossos próprios pensamentos acerca daquilo que lemos. Caso contrário, não damos espaço para a mente processar as informações recebidas.

Ele ainda segue dizendo:

– Se lemos continuamente sem pensar depois no que foi lido, a coisa não se enraíza e a maioria se perde. Em geral não acontece com a alimentação do espírito outra coisa que com a do corpo: nem a quinquagésima parte do que se come é assimilado, o resto desaparece pela evaporação, pela respiração ou de outro modo.

Nem tanto mar, nem tanto a terra. Acredito que possa existir um equilíbrio em tudo. Como leitora por paixão e jornalista por opção (onde tenho a oportunidade de escrever), acho que tanto uma quanto a outra arte têm a sua dificuldade. Há livros que quero ler, mas não consigo passar de algumas páginas; há textos que quero escrever e simplesmente o papel ou a tela continuam brancos à minha frente. É preciso ter paciência – e mais que tudo, persistência.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Por detrás da tela do computador


O que uma quase farmacêutica e uma jornalista podem ter em comum? Praticamente nada... ou muitas coisas. No caso de Roberta, quartanista de Farmácia e Bioquímica, e eu, uma veterana jornalista, a Literatura fez com que nossos caminhos se cruzassem, solidificando uma amizade que, embora “virtual”, já começa a extrapolar os limites da Internet.

Ela se define como uma quase farmacêutica com aspirações filosóficas, gosta de poesia e escreve porque é terapêutico. Já dizia Voltaire que “uma coletânea de pensamentos é uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males”.

Conheci Roberta, acredito, há uns dois anos, em uma comunidade sobre livros no Orkut. No fórum de discussões, havia um tópico sugerindo que o próximo a postar indicasse um livro ao membro acima. Como eu havia postado anteriormente, ela me sugeriu a leitura de A Luneta Mágica, de Joaquim Manuel de Macedo, que conta a história de Simplício, um rapaz que sofre de uma dupla miopia: a física, que o impede de ver ou distinguir qualquer coisa a duas polegadas de distância dos seus olhos; e a moral, que o impede de entender ou distinguir as ideias alheias ou de ajustar suas próprias ideias. Tudo muda quando ele recebe de um estranho homem uma luneta com a qual passa a enxergar muito além das aparências, podendo observar a verdadeira essência das pessoas: o lado bom e ruim de cada uma delas.
O livro, inclusive, foi adaptado recentemente para quadrinhos, pela Panda Books. O roteiro é do jornalista Carlos Patati, com arte de Marcio de Castro.

Bom... tudo poderia ter ficado por aí se eu não desse a mínima e rejeitado a sugestão. Mas, para dar uma atenção e também de interesse pela obra, acabei lendo o livro. E mais, retornei ao Orkut, procurei o perfil de Roberta, me identifiquei na parte de recados e deixei as minhas impressões sobre a leitura. Ela ficou surpresa e iniciamos ali uma amizade virtual, adicionando os nossos perfis na lista de amigos e conversando vez por outra. O engraçado é que, apesar de morarmos na mesma cidade, dela frequentar uma faculdade que fica no bairro onde moro, como descobrimos depois, e de quase termos nos encontradoo pelo metrô (sempre ele), nunca chegamos a nos conhecer pessoalmente.

Mais tarde, perdi o contato com Roberta, coisas do Orkut. Só mais recentemente, também por causa da Literatura, voltamos a fazer contato. Ela me achou e me enviou um convite para participar de um site sobre livros. Depois disso, ela convidou-me para participar de um grupo de Arteterapia, com a psicóloga Fernanda Maria Bueno de Almeida, que tem como diferencial o trabalho de psicoterapia psicanalítica permeado pela formação em literatura e arte.

Outra vez, tudo poderia ter ficado por aí se eu, novamente, tivesse optado por não me envolver. Decidi conhecer o grupo e acabei indo na reunião de uma das turmas, e fiquei encantada com o que vi. Lemos e declamamos poesias, falamos sobre nossas impressões e aprendemos algo sobre o contexto e os autores. E por incrível que pareça, aquelas pequenas leituras tiveram o poder de repercutir no meu dia a dia, suavizando minha rotina e iluminando minha vida.

Eu e Roberta continuamos a nos “ver” apenas pela tela do computador. Por enquanto mantemos nossa amizade virtual, enviando uma a outra mensagens poéticas, convites culturais, apreciando cada uma o blog da outra e ainda falando sobre A Luneta Mágica. Uma hora a gente se esbarra por aí, afinal, São Paulo pode ser uma cidade grande, mas como costumam dizer, o mundo é bem pequeno. E pessoas com interesses comuns sempre acabam se cruzando.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A necessidade de compartilhar


A função da arte


Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar!

Esta pequena história foi extraída de um livro do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Chama-se O livro dos abraços, que traz pequenas histórias nos tempos da ditadura militar uruguaia, argentina e brasileira. É muito lindo.
Me fez até lembrar de uma frase que vi, recentemente, no filme Na natureza selvagem:

“A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”.

Acho que não é preciso dizer mais nada.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Quem conta um conto, aumenta um ponto

Depois de ler – com deleite – os contos de Julio Cortázar, em As armas secretas, lembrei-me de outros contos que li tempos atrás e que gostei muito. Vou falar um pouco de alguns deles:

Felicidade clandestina, de Clarice Lispector.
Li e ouvi esse conto, pela primeira vez, em um bate-papo com o organizador do livro Os 100 melhores contos brasileiros do século, Ítalo Moriconi, lá no Sesc Belenzinho, antes da reforma do espaço que já dura quase cinco anos (ufa!). Fiquei encantada quando o ouvi e o acompanhei pelo folheto distribuído no início do bate-papo. É a história de uma menina louca para ler um livro, mas que nunca o conseguia. Quando enfim o teve em mãos, sua alegria era tanta que queria prolongá-la, então fazia questão de “esquecer” que estava com o livro para depois ter a “surpresa” de achá-lo. Muito lindo!

Neve, vidro e maçãs, de Neil Gaiman.
Este conto me foi apresentado pela minha amiga Gil, que o encontrou na internet. Sabendo da minha paixão por Gaiman, ela o indicou. Achei-o envolvente e estarrecedor. É uma releitura bem pessoal da história da Branca de Neve, aqui transformada em uma vampira literalmente sem coração que aterroriza um vilarejo medieval. O conto, soube depois, faz parte do livro Fumaça e Espelhos, que traz 31 contos que Gaiman escreveu nas décadas de 80 e 90. São histórias fantásticas que ele leu na infância e na adolescência, recontadas bem ao seu estilo.

Sonho de um homem ridículo, de Dostoièvski
Quando participava de um grupo literário na Unifesp, o coordenador do programa sugeriu a leitura desse conto para discutirmos nas reuniões. Composto de cinco partes, o conto é narrado em primeira pessoa pelo protagonista, que teve uma revelação através de um sonho utópico. É bastante poético.

A casa tomada, de Julio Cortázar
Tomei conhecimento desse conto há pouco tempo, nas aulas do curso de Jornalismo Literário. Foi amor à primeira vista, principalmente porque o conto sugere muitas interpretações – política, social, moral –, cada uma melhor e mais verdadeira que a outra. A trama conta a história de dois irmãos que moravam em uma grande casa na cidade de Bueno Aires, na época do governo Perón. Quase não saiam e viviam isolados ali, até que começaram a ouvir barulhos pela casa, como se ela estivesse sendo tomada. Dessa forma, começaram a reduzir o espaço que ocupavam para não serem pegos pelos invasores. Fascinante.
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Mulher de Porto Pim, de Antonio Tabucchi
Pouco conhecido, Tabucchi, escritor italiano, reuniu em um livro pequenas histórias de viagens que fez pelo arquipélago dos Açores. Mulher de Porto Pim, conto que dá título ao livro, é a história de um homem que conhece uma mulher, se apaixona por ela e abre uma porta para a escuridão. A forma como é contada a história é magnífica e também poética. O conto também fez parte das aulas de Jornalismo Literário.
Romance, poesia, conto... gosto cada vez mais de cada um desses gêneros literários. O difícil é escolher o que ler.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O perseguidor no metrô


Depois que comentei a mania que tenho de ler no metrô e como as imagens de leituras passadas aparecem como um flash na minha mente quando estou no trem, minha amiga Mari sugeriu, um tempo atrás, que eu lesse o conto “O perseguidor”, do escritor argentino Julio Cortázar. Eu saberia depois porque.

Procurei o conto, então, com uma curiosa ansiedade. E fui encontrá-lo em uma coletânea que reúne cinco contos de Cortázar: Cartas de mamãe, Os bons serviços, As babas do diabo, O perseguidor e As armas secretas. Este último dá título ao livro.

Nem é preciso dizer que degustei, com muito prazer, todos eles. São textos curtos, à exceção justamente de O perseguidor, que tratam do cotidiano do homem moderno, com seus conflitos e angústias, de forma poética e dramática, e finais muitas vezes em aberto.

Com relação ao O perseguidor, texto que o próprio Cortázar considerava como um “divisor de águas” da sua obra, entendi sim o porquê de Mari o ter sugerido. O conto fala sobre Johnny, um músico de jazz que busca obstinadamente o ideal da arte, nem que isso o leve a autodestruição. Em um dado momento ele fala ao seu amigo Bruno, crítico de música que escreveu sua biografia, sobre algo que lhe ocorrera no metrô. Enquanto viajava, pensava na ex-mulher, nos filhos, no bairro em que viviam, nas pessoas da época, nas roupas que usavam, das conversas e lembranças que lhe ocorriam. E não era só um pensar, mas um ver claramente, cheio de detalhes, em que ele se via também no lugar, apesar de saber que estava no metrô. Passou-se então um minuto e meio e logo o trem chegou à próxima estação. Aí, ele disse ao amigo crítico que havia contado apenas um pedacinho do que se passara, mas que se tivesse de descrever detalhe por detalhe do que havia pensado levaria bem mais tempo... – passariam uns bons 15 minutos – o amigo falou. Foi o bastante para ele indagar:

– Um minuto e meio, nada mais, pela sua conta, pela conta do tempo dessa aí – disse rancorosamente Johnny. – E também pelo do metrô e pelo do meu relógio, malditos. Então, como pode ser que eu tenha pensado durante quinze minutos, hein, Bruno? Como se pode pensar um quarto de hora em um minuto e meio? Juro que naquele dia eu não havia fumado nem um pedacinho, nem uma folhinha – acrescenta, como um menino que pede desculpas. – E depois tornou a me acontecer, agora começa a me acontecer em todos os lugares. Mas – acrescenta astutamente – só no metrô posso perceber porque viajar no metrô é como estar metido num relógio. As estações são os minutos, você entende?, é esse o tempo de vocês, de agora; mas eu sei que existe outro e andei pensando, pensando...

Pois é, fiquei boquiaberta com esse trecho e pensei nessa relação de pensamentos com o tempo e espaço que o viajar no metrô proporciona. E vi, também, claramente, que quando leio no metrô ele se transforma, para mim, numa grande biblioteca, onde encontro os livros que leio, os livros que as outras pessoas lêem e os livros que ainda vou ler. Dentro dessa imensa biblioteca imaginária, há quatro minibibliotecas físicas “Embarque na leitura”: Tatuapé, Paraíso, Santa Cecília e Luz.

E cada vagão do trem é como se fosse uma sala de leitura, onde as pessoas se acomodam da melhor maneira possível, para se debruçar sobre um livro, sejam sentadas ou em pé. Mas há ainda salões alternativos, que podem servir de espaços livres de leitura, como as escadas e as cadeiras existentes nas plataformas, utilizadas sobretudo quando não é possível embarcar imediatamente. Só que ali, diferente de uma biblioteca comum, o barulho de vozes e de passos, o apito da porta do trem ao fechar e a sonoridade arrancada dos trilhos quando o trem avança ou pára não chegam a incomodar.

E assim, na correria do dia a dia, numa cidade como São Paulo – ou Paris, como em O perseguidor ou ainda de qualquer metrópole –, dentro de um transporte coletivo, é possível atenuar a pressa e se deixar levar por alguns minutos a um outro mundo, seja pelas páginas de um livro, seja pela velocidade dos pensamentos. O tempo ali é outro.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A poesia me fisgou


Alguns posts atrás comentei que não costumava ler poesia com certa frequência, apenas de vez em quando. Depois disso, postei umas três poesias no blog, tenho em mente outras tantas para comentar e me deparei com duas que me tiraram o fôlego. Acho que a poesia está me cercando de certa forma, querendo me laçar de vez, me levar para um mundo mágico, recheado de palavras, frases, métricas, sonoridade e rimas. E já consigo até me ver participando de pequenos grupos que se reúnem para ler, declamar e ouvir poesias.

E foi isso o que aconteceu ontem, quando na companhia de duas discípulas do gênero me senti cativada pela arte. Falávamos do feminino, das mulheres na poesia, dessas poetisas que encantam e trazem um novo significado para a vida da gente. O melhor, foi escutar e interpretar os poemas, pensar sobre as palavras, perceber a emoção nas frases, sentir os versos na alma.

Uma dessas poetisas, Lou Andréas-Salomé, era uma intelectual russa, contemporânea de Freud, Nietzche, Sartre, entre outros. Uma mulher à frente do seu tempo, que rompeu preconceitos do século XIX. Seu poema é um misto de rebeldia e libertação. Já tinha descoberto ela no livro Quando Nietzche Chorou, do professor e psicoterapeuta Irvin D. Yalom, que mistura elementos reais com a ficção. O enredo apresenta personagens históricos como Josef Breuer, um dos pais da psicanálise, o jovem Sigmund Freud, o filósofo Friedrich Nietzsche e Lou Salomé.

Já os poemas da brasileira e escritora mineira Adélia Prado, retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, tendo por base sua fé cristã e o aspecto lúdico. Ainda não tinha tido a oportunidade de ler nada dela, mas a começar de ontem, sinto urgência em ter mais contato com sua obra.

Embora diferentes, as duas escritoras conseguem extrair e expressar aquilo que de mais importante há no universo feminino, ressaltando características e belezas em dois divergentes papéis exercidos pela mulher – e de forma poética. Simplesmente lindo!


Ouse

Ouse, ouse... ouse tudo!
Não tenha necessidade de nada!
Não tente adequar sua vida a modelos,
nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda ... a roubá-la!
Ouse, ouse tudo!
Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
Não defenda nenhum princípio,
mas algo de bem mais maravilhoso:
algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!
(Lou-Salomé)


Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
(Adélia Prado)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Bosque de leitores



Em Alice no País das Maravilhas, obra de Lewis Carrol, a menina Alice cai em uma toca de coelho e vai parar num lugar fantástico povoado por criaturas inusitadas e fora do comum.
Imagino que, inspirado pela fantasia, o ilustrador norte-americano Jonathan Burton fez uma leitura ilustrada da história, idealizando assim o Feriado no País das Maravilhas.
O resultado é a bela ilustração acima, que encontrei no Portal Diários da Bicicleta.
Leitura, bosque, floresta, campos, jardins. Seria bom termos mais tempo para essas aventuras, e não apenas feriados como propôs o ilustrador.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Lembranças no passeio

Minha terra tem palmares
Onde gorgeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como o de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo


Era a segunda vez que eu ouvia o poema Lóide Brasileiro (canto de regresso à pátria), de Oswald de Andrade. Era a segunda vez que eu me emocionava com a sua leitura. Estava pela segunda vez na Praça da Língua, no Museu da Língua Portuguesa, um espaço amplo, lúdico, inebriante, que consegue levar às pessoas toda a riqueza da nossa língua-mãe. Ali, poemas e frases podem ser apreciados – e por que não degustados? – nas vozes de atores brasileiros.
Mas visitar o Museu naquele sábado foi, para mim, uma experiência única. No local há sempre o que se ver, o que se ouvir, o que se ler, o que se aprender, o que se descobrir e vivenciar pelas suas salas, corredores e andares. Por isso me senti como uma novata em meio à multidão.
Desta vez, porém, a visita trouxe um significado a mais para mim, pois além de experimentar as impressões de visitante, também pude compartilhar e observar as sensações de outros participantes.
Foi preciso ter olhos duplos, ouvidos duplos e sentidos duplos – e bastante aguçados. Olhar para aquelas pessoas e tentar extrair, das suas expressões, as emoções e sensações exatas foi uma tarefa e tanto, que me trouxe boas surpresas, como a do garoto João Victor, “com c” (como ele mesmo fazia questão de repetir). Feliz da vida, ele dizia a mim e às minhas colegas de curso ser esta a segunda vez que visitava o Museu, trazendo agora seu amigo Igor para conhecê-lo também.
Apesar da quantidade de coisas a ver, fizemos uma visita rápida, pois tínhamos de retornar ao curso mais tarde para escrever a experiência para a aula de Pauta e Produção em Jornalismo Literário.
As nossas observações, porém, começaram muito antes de entrarmos no Museu. Na Estação da Luz, por entre transeuntes, passageiros e funcionários, demos um giro pelo local, olhando e observando as pessoas. colhendo diálogos furtivos aqui e acolá, até que um ponto me chamou a atenção, como um flash na minha memória: em uma das saídas, já fora da Estação, vislumbrei a esquina da Avenida Cásper Líbero. Ali, me lembro, havia um ponto de ônibus.
Estive aqui quando criança com meus pais e minha irmã – pensei.
Esperávamos uma condução. Mas não me recordo para onde, talvez para casa, mas isso não vem ao caso, agora.
O que importa é a recordação, o suficiente para fazer a emoção se apossar de mim, subindo aos olhos que por pouco não desataram em lágrimas.
São lembranças de menina, lembranças da família.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O aniversário dos hobbits


Bilbo e Frodo, personagens da saga O Senhor dos Anéis, estão aniversariando (incrível, não? e eu nem sabia). O primeiro comemora 111 anos e o segundo 33.
Não se sabe ao certo a data de nascimento, provavelmente entre os dias 14 e 22, mas o mês é, de fato, setembro, segundo o site Valinor, espaço dedicado a notícias, artigos e informações sobre todos os aspectos da obra do escritor britânico J.R.R. Tolkien.
Frequentadora assídua que sou de bibliotecas, fiquei sabendo que a Biblioteca Viriato Corrêa, especializada em Literatura Fantástica, promoverá, no domingo, 20 de setembro, um dia todo dedicado à comemoração da data de nascimento dos dois hobbits.
O programa tem início às 11 horas e se divide em palestras, exibição de filmes e discussões a cerca dos livros de Tolkien. A entrada é franca.
A biblioteca fica na Vila Mariana, na rua Sena Madureira, 298, em São Paulo.
A programação pode ser conferida no link abaixo:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/bibliotecas_bairro/bibliotecas_m_z/viriatocorrea/index.php?p=4899


Não é propósito do blog fazer propaganda, mas por falar na obra de Tolkien, o site submarino está com uma promoção muito boa para aquisição dos livros do escritor. O Hobbit + Silmarillion + Senhor dos Anéis 1, 2 e 3 saem por R$39,90. Pra quem se interessar, acho que vale a pena.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

E por falar nos gêmeos...


Brasileiros e paulistanos, os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá não são só os quadrinistas nacionais que receberam mais prêmios (se bem que só isto já bastava), mas também os mais simpáticos e acessíveis artistas que conheci (com exceção, é claro, do Neil Gaiman).

Na Festa Literária de Paraty (Flip) 2009, eles participaram de uma mesa sobre quadrinhos, dividindo o espaço com outros dois quadrinistas brasileiros: Rafael Grampá e Rafael Coutinho.
Logo de início eles ganharam a simpatia do público com a apresentação de um vídeo com uma cena da HQ Cortina, publicada na antologia americana Flight. Enquanto as cenas se desenrolavam na tela, um deles narrava a história. O resultado foi simplesmente encantador!

Minha amiga Gil, companheira por duas vezes de viagem a Paraty escreveu depois, por e-mail, suas impressões sobre os gêmeos:
– Realmente eles são lindos! Quando vi a projeção pensei que era a razão real pela qual eu tinha ido a Flip, mesmo que eu não soubesse antes...

Como aficcionada por quadrinhos, li algumas matérias sobre o trabalho e a atuação dos gêmeos, mas nunca havia tido a oportunidade de ler a obra deles. A chance então surgiu na Flip. Logo após a mesa, levei o livro 10 Pãezinhos – Crítica que tinha adquirido para eles autografarem e ganhei mais do que isto: um desenho de cada um e a oportunidade de conversar rapidamente com eles sobre o processo de criação. Ambos escrevem e desenham, mas cada qual tem um estilo próprio, e ao final acabam optando pelo melhor trabalho, sem maiores complicações.

O livro 10 Pãezinhos – Crítica trata-se de um fanzine com uma coletânea de histórias de amores perdidos e sonhados, sobre juventude e experiências recém-adquiridas, mas, principalmente, uma bela homenagem à amizade. A realidade e a ficção se misturam nas histórias, trazendo entre os personagens desenhados os próprios irmãos.

Fábio e Gabriel estão na estrada há dez anos, sempre juntos, fazendo aquilo que mais gostam: contar histórias em quadrinhos. Seus trabalhos já foram publicados no Brasil, nos Estados Unidos, na Espanha e na Itália. Participaram de algumas antologias e lançaram álbuns como Meu Coração, Não Sei Porquê, Mesa Para Dois e O Alienista, adaptação do texto de Machado de Assis. Esta obra rendeu-lhes o prêmio Jabuti.

Na bagagem eles ainda têm o mérito de serem os primeiros brasileiros a ganhar o prêmio Eisner, pela revista “5″, feita em conjunto com Becky Cloonan, Vasilis Lolos e o brasileiro Rafael Grampá, e pelas séries Umbrella Academy e Sugarshock.

Os prêmios no Eisner Award foram Melhor Antologia (5), Melhor Série Limitada (para Gabriel Bá, por The Umbrella Academy, junto com Gerard Way) e Melhor Comic Digital (para Fábio Moon, pelo trabalho em Sugarshock, em parceria com Joss Whedon).

Fábio Moon e Gabriel Bá são realmente talentosos e iluminados. Mas não só. Eles são ainda simpáticos, fofíssimos e o melhor de tudo, brasileiros.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Do you speak English?

Existem três coisas na vida que são como pedras no meu sapato, porque não consigo deslanchar.
E olha que não é por falta de tentativas. Bom, talvez eu devesse me aplicar mais, porque nadar, dirigir e saber inglês são para mim desafios constantes.

É verdade que de um deles praticamente desisti: nadar. Fiz um ano de curso e cheguei até a aprender, mas abandonei quando tive de ir para o fundo. O medo falou mais alto e aí me perguntei:
– Por que tenho de fazer isso se não gosto?
Então resolvi parar. Conclusão: hoje não tenho nem mais coragem de entrar na piscina.

Dirigir é outro drama. Tirei carta, tive carro, dirigi por um tempo quando morava em Indaiatuba, interior de São Paulo. Mas nunca me senti à vontade atrás de um volante. Dirigir me deixava muito tensa, era estressante demais, e olha que a cidade é bem pacata, nada do trânsito terrível de São Paulo. Mas assim mesmo decidi parar. Hoje, com a carta vencida, nem penso em dirigir, pelo menos por enquanto, não me faz falta.

Já o inglês é outra estória. Fui mais persistente, entrei inúmeras vezes em cursos, aprendi muito da língua, as regras gramaticais, tenho boa noção, consigo ler alguma coisa e tudo o mais, só que não avancei muito em conversação e listening. Falar para mim é um transtorno e compreender o que falam é pior ainda. Agora dei um tempo. Mas depois de ontem, acho que estou precisando urgentemente voltar às aulas. Não tenho a pretensão de falar fluentemente, mas pelo menos preciso melhorar o meu listening e a leitura de textos em inglês.

Estava eu na Saraiva Megastore do Shopping Pátio Paulista quando soube que haveria um bate-papo seguido de sessão de autógrafos com o quadrinista norteamericano Dash Shaw, autor da graphic novel “Umbigo Sem Fundo”, obra do selo Quadrinhos na Cia. Mas o melhor era que a apresentação seria mediada pelos fofíssimos gêmeos quadrinistas brasileiros, Fábio Moon e Gabriel Bá, que tive o prazer de conhecer na Flip deste ano, com direito a autógrafos em um livro deles que adquiri. Resolvi ficar na livraria para vê-los novamente.
Peguei o rádio com fone de ouvido para a tradução simultânea, já que o autor americano, é óbvio, não fala português. Procurei me instalar da maneira mais confortável possível nas cadeiras duras do reduzido espaço e esperei o início da apresentação. Só que pouco antes de começar a sessão, um rapaz chegou e disse:
– Os aparelhos estão com problemas, há alguém aqui que precisa de tradução?
Ninguém se manifestou e olha que na sala havia pelo menos 50 pessoas.
– Que bom, todos falam inglês! – admirou-se.
Aí ele olhou de relance pra mim e acho que o enorme ponto de interrogação perceptível no meu rosto revelou o meu desconforto, então não tive outro jeito senão dizer:
– Eu preciso.
Aí um outro rapaz acabou também confessando que precisava.
A solução foi colocar nós dois juntos e, sentada, na fileira logo atrás, a tradutora, que se ofereceu para nos auxiliar na compreensão das falas. Já imaginaram, que privilégio ter uma tradutora simultânea particular, só para você.
Privilégio que nada, um grande mico!
Mas pelo menos pude entender melhor o que eles falavam.

Quanto ao livro de Dash Shaw, apesar das 720 páginas (é o maior quadrinho já publicado no Brasil), é uma narrativa sobre relacionamentos humanos e trata da história da família Loony, cujos pais estão prestes a se separar após 40 anos de vida em comum, três filhos e alguns netos. Os desenhos são leves e a diagramação privilegia os traços, sem deixar a página pesada. Não adquiri o livro na hora (que pena, perdi o autógrafo), mas pelo pouco que folheei e vi, já foi suficiente para acrescentá-lo à minha lista de livros a comprar.
Well, it´s a good book.
But, first, I need to urgently return to the English lessons.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O pequeno leitor

Meu primo Cleo, em um comentário deixado no meu blog, falou da importância de se deixar livros ao alcance das crianças – filhos, sobrinhos, irmãos menores, alunos, etc – para que, desde pequenos, eles comecem a se familiarizar com a leitura.
Lembro que quando criança, meu pai costumava levar eu e minha irmã em bancas de jornais (aliás, eu adoro passar por elas até hoje), e ficávamos fascinadas com a quantidade de revistas e jornais dispostos nas bancadas. Mas o melhor era levarmos para casa as publicações e as coleções de livros que ele adquiria no jornaleiro.
Era muito divertido e, sem dúvida, criou uma espécie de afinidade com a leitura. Para mim, particularmente, era um incentivo a mais, pois desde cedo sonhava em ser escritora. Acabei jornalista, o que na verdade não é muito diferente, embora os focos sejam outros, mas ainda assim tem a escrita e a literatura como objetos principais.
Quando li o post do meu primo, lembrei ainda de uma foto que recebi de um casal de amigos muito queridos que retrata bem essa “coisa” de estimular o gosto pela leitura nas crianças. Fiquei encantada com a imagem que vi: atrás de um livro aberto (Da Coleção Mamíferos – A Ovelhinha Lóli, de Paulo Moura, Editora Ciranda Cultural), o pequeno filhinho deles – em comparação com a obra – já começava a apreciar as figuras da história que retrata o cotidiano e os hábitos dos animais. Ao começar logo cedo a ter contato com livros, o menino, com certeza, tem tudo para ser um adulto literário.
É isso aí: livros sempre à mão!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Um passeio pelas bibliotecas

Nas várias mudanças de casa que fiz na vida, sempre procurei levar meus livros comigo. É verdade que tive de me desfazer de alguns (não sem uma certa dor no coração), mas procurei preservar aqueles que me eram mais caros, pensando em um dia formar e ter a minha biblioteca.

Ainda não consegui um espaço e uma estante adequados, de forma que meus livros estão entulhados (esta é a palavra certa) no meu armário, misturados com minhas roupas, acessórios e perfumaria. Alguns, contudo, circulam pelo meu quarto, repousando sobre minha cama, poltrona e mesinha.

Gosto de tê-los por perto, me dão uma sensação de acolhimento e proteção, e depois facilita quando preciso folheá-los para ver uma ou outra passagem que me interessa. A maioria eu já li, mas há outros que esperam pacientemente pela minha atenção. Não é que eu não goste deles, isso nem pensar, mas a simples existência deles já é suficiente para alimentar o meu ego. Isso me faz lembrar uma cena que vi na novela “Duas Caras”, com o personagem Macieira, interpretado pelo ator José Wilker. Professor, Macieira disse que sempre é bom estar rodeado pelos nossos livros, mesmo que nunca viéssemos a ler todos. Basta que estejam por perto.

Acho, também, que é assim que deve ser.

A propósito, há dois tipos de livros para mim: os que quero ter e os que quero apenas ler.

Os que quero ter, vou comprando aos poucos. Alguns eu já li e gostei tanto que quero ter na minha futura estante; muitos adquiro e depois leio em outra oportunidade; e ainda outros leio imediatamente.
Já os que quero ler, geralmente empresto com amigos ou em bibliotecas públicas, por isso, tenho carteirinha e freqüento umas quatro em São Paulo, além de três instaladas nas estações do metrô Paraíso, Tatuapé e Luz.

As bibliotecas que frequento foram escolhidas pela minha conveniência diária: perto de casa (Cassiano Ricardo e a do metrô Tatuapé), perto do trabalho (Viriato Corrêa e a do metrô Paraíso), perto do curso da pós (Monteiro Lobato) e uma no trajeto entre casa e trabalho (Sérgio Millet, no Centro Cultural). A do metrô Luz está fora do meu circuito, mas eu não resisti em não fazer carteirinha ali também. Assim, quando não encontro um livro em uma, corro para outra e assim vai, até estar com o exemplar na mão.

Duas das bibliotecas públicas que freqüento são temáticas: a Cassiano Ricardo, que tem como foco a música e possui um bom acervo sobre o assunto; e a Viriato Corrêa, que é especializada em Literatura Fantástica, com programação e cursos voltados para o tema. Já a Monteiro Lobato, embora não seja temática, conta com um bom acervo de quadrinhos em sua Gibiteca. E a Sérgio Millet, tem praticamente tudo o que procuro, é a mais completa para mim.

Com tantas opções, não sei como tem gente que não tem paciência e não gosta de bibliotecas. É um prazer para mim estar naquele espaço com inúmeros livros à mão para me deleitar e fazer voar a minha imaginação. As bibliotecas públicas de São Paulo estão sendo repaginadas e informatizadas, e oferecem um leque bem maior de opções aos apaixonados pela leitura.

Assim, embora não frequente, por serem fora dos meus limites de circulação, há outras bibliotecas públicas temáticas em São Paulo: a Alceu Amoroso Lima (Poesia); a Belmonte (Cultura Popular); a Hans Christian Andersen (Contos de Fadas); a Roberto Santos (Cinema); a Mário Schenbert (Ciências); e a Raul Bopp (Meio Ambiente). E uma ainda em formação: a Prestes Maia (Arquitetura e Urbanismo).

Se você estiver em São Paulo e quiser saber mais acesse:


Caso não seja de São Paulo, procure na sua cidade, as bibliotecas disponíveis. Você só tem a ganhar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

"Palavrão é coisa séria"

“... enquanto aprontavam o baú de José Arcádio, Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando a sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes desejado e tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de uma vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.
Porra! – gritou.
Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
– Onde está? – perguntou alarmada.
– O quê?
– O animal! – esclareceu Amaranta.
Úrsula pôs o dedo no coração.
– Aqui – disse.”

Em Cem Anos de Solidão, a personagem Úrsula permite-se soltar um palavrão, depois de tantos anos se reprimindo. Ao ler essa passagem, lembrei-me de um texto que escrevi recentemente durante as aulas de Fundamentos Narrativos, no curso de Jornalismo Literário que faço. Na aula, o professor pediu para descrever o temperamento de uma pessoa que conhecêssemos bem e eu logo pensei em uma colega do trabalho, que tem um comportamento explosivo, com muitas facetas a serem exploradas, mas que no fundo tem um coração de ouro.
Escrevi um texto curto, sem pensar muito, com aquilo que vinha na mente, ficou até engraçado e o pessoal da classe gostou. Fiquei satisfeita na hora, porque dificilmente escrevo com humor, por isso admiro quem o faça.
O professor, contudo, disse para focar em apenas uma característica mais forte e colocar falas, com as frases proferidas pela personagem. Então refiz o texto. E agora, lembrando da cena de Úrsula, sinto que pela voz da minha personagem eu também cometi meu ato de rebeldia e coloquei para fora as palavras que estavam guardadas por tanto tempo dentro de mim.
Escrever, é também falar. E “falar palavrão é coisa séria”, disse certa vez o poeta José Paulo Paes (1926 – 1998).
O resultado do texto você confere aqui.

Ela chega de repente na sala e rasga o verbo:
Puta que o pariu!
Resmunga um pouco, mas depois começa a trabalhar.
Do outro lado da sala, os companheiros de trabalho aproveitam a deixa e começam a fazer piadinhas para provocá-la ainda mais. Um deles chega até a imitá-la e, fazendo-se de seu eco, acrescenta:
Puta que o pariu, seu lazarento.
Ela não deixa por menos, corresponde “gentilmente” na mesma moeda e retruca:
– Eu quero que todos vocês se
fodam!
O dia não podia começar com melhor astral. Todos riem porque é mais uma brincadeira com minha colega jornalista, que divide comigo as mazelas do trabalho na agência de comunicação.
Ela não tem papas na língua, fala o que lhe vier “na telha”, como costuma-se dizer. De dez palavras pronunciadas, oito pelo menos são palavrões.
Seguindo sua rotina diária, ela passa o dia xingando o chefe, de tudo quanto é nome e jeito, principalmente quando ele cobra por uma frase mal colocada ou um erro ortográfico nos textos publicados.
– O que ele está precisando é de uma
puta daquelas.
Depois, faz-se de vítima, culpa também os outros, diz que vai pedir demissão, que não aguenta mais ser injustiçada e que está cansada daquele trabalho.
Caralho, chega de humilhação.
É mais um drama passional.
Daqui a pouco ela alterna o seu temperamento explosivo e desbocado por um mais brando e submisso, senta-se calmamente na sua cadeira, relembra os anos que está ali trabalhando, diz que não consegue viver sem a agência e termina reafirmando seu afeto pelo chefe.
– Vai fazer o quê? Eu gosto de
merda mesmo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Para não esquecer dos SONHOS

“Estar numa fila por horas pode ser uma experiência desagradável. E é. Mas para mim, que estava ali parada por quatro longas horas, o prazer falou mais alto. E não foi somente quando consegui o autógrafo desejado, mas sim ao descobrir o real significado daquele instante para mim.
Enquanto aguardava a minha vez chegar, múltiplas sensações tomavam conta do meu ser e de minha mente. Pensava no sonho que finalmente se concretizava, na oportunidade da viagem, na coragem e disposição de deixar tudo para trás. E também na firmeza com que abdiquei da companhia de três amigas que não quiseram se aventurar comigo naquele imenso corredor de fãs, debaixo de um sol forte, ainda que em pleno inverno.

Para ser justa, uma delas permaneceu comigo, até certo ponto, e foi muito reconfortante sua companhia porque dividimos aquela emoção de uma maneira única, aprofundando ainda mais nossa amizade. Mas não sei se foi para poupá-la ou se no íntimo eu queria fazer daquele um momento só meu, deixei-a à vontade para partir se quisesse, e assim ela o fez.

Nesse instante, senti que era a primeira vez que estava fazendo algo que realmente desejava, sem precisar fazer concessões, sem ter de deixar de lado aquilo que realmente me era caro, como tantas vezes havia feito na vida. Ali, eu não precisava fingir, vestir uma máscara. Ali eu podia ser eu mesma e fazer valer a minha vontade. E o que era melhor: sem culpa.

Por isso eu não pensei duas vezes. Estava naquela fila porque queria, era esta a razão principal de ter me aventurado em uma viagem que a princípio pareceu louca, mas que ao final se mostrou extraordinária e rica em emoções.
Parada, no meio de tantas outras pessoas eu tive a certeza de que era exatamente naquele lugar que eu queria estar; era para viver aquele momento que eu tinha deixado minha família, minha casa, meu bairro, minha cidade, meu estado. Era para experimentar aquele momento único, mágico, indefinível.

Então uma sensação boa se apoderou de mim. Uma sensação de paz e de tranquilidade. Aí eu sorri. Estava feliz, imensamente feliz.”

* Para situar o leitor, esta historinha se passou em 2008, na Festa Literária de Paraty. O autor é Neil Gaiman, e o livro autografado é Coraline, uma aventura infanto-juvenil, adaptada para o cinema e que esteve em cartaz no início deste ano.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Além das expectativas

O dia amanheceu lindo e luminoso no 7 de setembro. O sol estava forte, vigoroso, perfeito para um passeio ao ar livre. Eu teria feito isto se não tivesse tantos afazeres em casa, mas até que valeu a pena não ter saído. Mais tarde assisti a um DVD que foi uma ótima surpresa: O Corajoso Ratinho Despereaux, uma animação pra lá de encantadora, que foi baseada no best-seller de Kate DiCamillo, A História de Despereaux, com ilustrações de Timothy Basil Ering, e editado pela Martins Fontes.
A trama se passa em um mundo encantado, onde destacam-se o camundongo Despereaux, que nasceu com enormes orelhas e uma coragem extrema, a ratazana Roscuro, que adora sopas e acaba condenado a viver na escuridão do calabouço, e a garota Mig, que trabalha como empregada e sonha em ser princesa.
Em torno desses três personagens circulam rei, rainha e princesa de verdade, chefe de cozinha, guardião da masmorra, o povo da cidade e o mundo dos camundongos e das ratazanas. E Despereaux, com seu coração enorme, tece os caminhos que unirá esses personagens tão diferentes entre si.
Mas uma das passagens mais graciosas foi quando Despereaux descobre a biblioteca e, ao invés de comer os livros, acaba se deleitando com as histórias contidas neles. A cena em que ele caminha por entre as páginas de um livro, descobrindo o prazer da leitura e a força das palavras (expectativa é uma delas), é encantadora. Você se sente caminhando com ele pelas letras, frases e linhas do livro. Muito lindo!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O que eles falam sobre livros

Adoro colecionar frases sobre livros. Eis algumas delas, para ler, pensar e sonhar.


É isto que amo na leitura: uma pequena coisa o interessa num livro, e essa pequena coisa o leva a outro livro, e um pedacinho do que você lê nele o leva a um terceiro. Isso vai em progressão geométrica - sem nenhuma finalidade em vista, e unicamente por prazer". - A sociedade literária e a torta de casca de batata - Mary Ann Shaffer, Annie Barrows.

"Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria." - Jorge Luís Borges

Aí onde se queimam livros, também acabam queimando seres humanos.” - Heinrich Hein

Quem escreve implica. Quem lê explica".

"É claro que meus filhos terão computadores, mas antes terão livros", - Bill Gates

Quando se lê em silêncio, só o escritor tem um desempenho. Ao se ler em voz alta, o desempenho é uma colaboração. Um dos parceiros fornece as palavras e o outro, o ritmo”. - Anne Fadiman em Ex-Libris – Confissões de uma leitura comum

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem”.- Mário Quintana

"Ler é fazer amor com as palavras". - Rubem Alves

"Você não precisa queimar livros para destruir uma cultura. Basta fazer com as pessoas parem de lê-los". - Mahatma Gandhi

"Livros relidos são livros eternos". - Machado de Assis

Comprar livros seria uma coisa boa se o indivíduo pudesse comprar, também, tempo para lê-los: mas, como regra geral, a compra de livros é confundida com a apropriação de seu conteúdo". - Arthur Schopenhauer

Lê em primeiro lugar os bons livros, ou muito provavelmente não terás a oportunidade de os ler". -Henry David Thoreau

"O livro é uma extensão da memória e da imaginação". – Jorge Luis Borges

Os leitores são os meus vampiros”. - Ítalo Calvino

"Eu não sei o que é que é light, sei o que é light em relação a cigarros. Há literatura, e não há literatura. Pois a literatura não é isso, é uma coisa nobre, a literatura é o que faz o Dostoiévski". – Antonio Lobo Antunes

Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores". -Mário Quintana

Acho a televisão muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala ler um livro”. - Groucho Marx

"Sempre começo um livro pela última página. Assim, se eu morrer antes de terminá-lo, já saberei o final". - Nora Ephronn

Só empreste livros que você não se importa em perder". - S. Brown

Há livros de que apenas é preciso provar, outros que têm de se devorar, outros, enfim, mas são poucos, que se tornam indispensáveis, por assim dizer, mastigar e digerir". - Francis Bacon

“"É ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se pode derramar lágrimas sobre um disco rígido" - José Saramago

Ler será, no futuro, um ato de rebeldia”. – Alberto Manguel

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

About MJ

Sempre que vejo uma pessoa lendo no metrô fico tentada a saber qual é o livro, e não fico sossegada enquanto não consigo decifrar. Entre outros, já vi muitos Crepúsculo, de Stephenie Meyer, e me lembro que o livro está em casa, esperando que eu me aventure em suas páginas; vi também alguns Marley & Eu, de John Grogan (este já li, com dificuldade sim, embora o achasse lindo: é que as lágrimas no final não me deixavam ler direito para terminá-lo); ou ainda 1808, de Laurentino Gomes, que mostra como relatos da História podem ser interessantes.
Outro dia, porém, enquanto aguardava o trem chegar na plataforma, vi uma pessoa com um livro grosso repousado em uma das mãos, . Me contorci toda para saber que livro era, e qual não foi minha surpresa quando li no título Michael Jackson - A magia e a loucura, de Randy Taraborrelli, e imediatamente minha mente voou até 1993, ano em que um acontecimento gravou-se para sempre em minha memória. Resolvi, então, escrever sobre ele.

"A lembrança que eu tenho dele é uma imagem apoteótica, vibrante, hipnotizante.
Ela está gravada na minha memória desde outubro de 1993, quando em companhia da minha irmã e de um namorado na época, estive no estádio do Morumbi, em São Paulo, para acompanhar a
Dangerous Tour Brazil. E ali, junto a centenas de outras pessoas, tive a certeza de estar participando de um momento único e mágico na história da música pop.
O estádio estava lotado, não havia um lugar vago sequer. Até parecia final de campeonato paulista, uma partida entre Palmeiras e Corinthians, times cuja rivalidade é suficiente para encher um estádio como o do Morumbi.
Eu estava nas arquibancadas e de lá podia ver o amontoado de pessoas no gramado e em frente ao palco, aguardando ansiosas o início do espetáculo. Não demorou muito. As luzes se apagaram e o som de
“Carmina Burana”, de Carl Orff, e de imagens exibidas nos telões com uma retrospectiva da carreira do cantor, anunciavam que o show iria começar.
Mas foi somente quando ele entrou no palco, após uma explosão de efeitos visuais, é que o
frenesi foi total. Gritos, assovios, choros, aplausos repercutiam de todos os lados e a cada menor gesto dele, como o simples tirar dos óculos escuros, o público chegava ao delírio. Imagine então quando mostrou o seu famoso passinho para trás. Era impossível se conter.
Nas arquibancadas, eu o via de longe, mas a sensação que experimentei, tenho certeza, era a mesma de quem estava lá na frente, vendo tudo de pertinho. E quando ele chamou uma fã para subir ao palco, enquanto cantava
“She´s out of my life”, era como se eu mesma estivesse lá, no lugar dela. Pude sentir o seu abraço com toda intensidade.
Os efeitos especiais surgiam a toda hora e a música, aliada à dança, envolvia o público cada vez mais. Ao avançar sobre a platéia em um guindaste móvel, ele parecia soberano, absoluto. Mas o momento de maior êxtase, para mim, foi ao final, quando ele cantou
“Heal the World” ao lado de um grupo de crianças. Aí eu fiquei entregue, seduzida, hipnotizada. Não pude conter as lágrimas. Sim, eu estava ali, vendo Michael Jackson, o Rei do Pop, ao vivo e em todas as cores..."

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Um pouco mais de poesia

Quando assisti ao filme Em seu lugar, do diretor Curtis Hanson, e estrelado por Cameron Diaz e Toni Collette, eu não sabia que era baseado no livro de Jennifer Weiner. Mas, independente disso, a história me prendeu do início ao fim, por se tratar de relacionamentos humanos e familiares.

A trama gira em torno de duas irmãs de personalidades diferentes e que têm de conviver juntas: a desempregada Maggie (Cameron) que adora festas e a ambiciosa advogada Rose (Toni). Apesar das diferenças, elas acabam descobrindo um laço de união que não imaginavam que tivessem.

Tenho uma irmã, e as nossas relações são cordiais, mas não somos confidentes e, às vezes, a convivência é difícil, então ora me vi na pele de uma personagem ora me vi na pele da outra. E, no final do filme, me emocionei muito, principalmente quando Maggie lê um poema de e.e. cummings, no casamento da irmã.

No link http://www.youtube.com/watch?v=XzVEgeIWNcg
você vê a cena e ouve o poema, mas se quiser apenas ler, então leia aqui. É muito lindo!

Eu carrego você comigo..
(Poema de e.e. Cummings)

Carrego seu coração comigo
Eu carrego no meu coração
Nunca estou sem ele

Onde quer que vá, você vai comigo
E o que quer que faça
Eu faço por você

Não temo meu destino
Você é meu destino meu doce
Eu não quero o mundo por mais belo que seja

Você é meu mundo, minha verdade.
Eis o grande segredo que ninguém sabe.

Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto e o céu do céu
De uma árvore chamada VIDA
Que cresce mais que a alma pode esperar ou a mente pode esconder
E esse é o pródigo que mantém as estrelas a distância

Eu carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração.