sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um luxo de bonequinha

Bonequinha de Luxo, o conto de Truman Capote que ganhou uma adaptação para o cinema (Breakfast at Tiffany's) em 1961, com Audrey Hepburn como protagonista, não constava da minha lista de leituras. Não que não me interessasse pela história, na verdade, não passava pela minha cabeça lê-lo e só o fiz agora, antes até de outras leituras mais urgentes, por puro acaso.

Quando conversava sobre livros com uma amiga no metrô, no caminho do trabalho para casa, acabamos, não sei nem porque, falando sobre o filme Bonequinha de Luxo. Quer dizer, ela me falava do filme, já que por uma dessas circunstâncias da vida que a gente não entende, eu não assisti. Ela, que adora gatos, comentou sobre o bichano existente na história e aquilo acendeu uma chama em mim, pois eu vinha pesquisando na internet livros de ficção, mas não de fantasia, em que há gatos na narrativa. E pensei que este poderia ser o livro que estava procurando para escrever um post sobre animais na literatura.

O post, eu ainda vou fazer, mas talvez deixe Bonequinha de Luxo fora da relação. Não porque achei a participação do gato inexpressiva, mas porque resolvi escrever um texto só sobre essa leitura e de como foi a experiência dela para mim. Ou seja: extremamente prazerosa.

Com um estilo gostoso de escrever, Truman Capote, que eu já conhecia do livro A Sangue Frio, um precursor do Jornalismo Literário, uma vez que alia reportagem com recursos literários, envolve o leitor com uma história simples, mas muito bem contada – e emocionante.

Holly Golightly é uma jovem que vivia em uma fazenda, casou aos 14 anos e um ano depois fugiu de casa para tentar a vida como atriz em Hollywood. Instalada em Nova York, em busca de um casamento com um milionário, torna-se garota de programa, mas com bastante estilo e personalidade. Ela simplesmente magnetiza os homens, exercendo sobre eles – com muita graça e disposição – um poder fascinante.

Em meio a sua vida agitada, ela conhece um escritor que mora no andar de cima do prédio, construindo com ele uma singela amizade que se estende até o final da história, cheia de reviravoltas. Quanto ao gato, ah sim, ele está lá na história e, embora não tenha nome, sendo chamado apenas de gato, ele tem uma participação significativa no conto. A passagem abaixo reflete bem a relação com Holly:

– Pobre nojentinho sem nome. É um pouco inconveniente não ter nome. Mas eu não tenho o direito de lhe dar um: terá de esperar até que pertença a alguém. Nós só nos juntamos um dia à margem do rio, não nos pertencemos: ele é independente e eu também sou. Não quero possuir coisa alguma até saiba que encontei o lugar onde eu e as coisas pertencemos. Ainda não tenho certeza de onde fica esse lugar. Mas sei como ele é.

Devo confessar que o livro me pegou já nas primeiras linhas, em uma identificação supreendente, quando o escritor amigo de Holly e que conta a história, fala sobre o prédio onde moraram, sobretudo o quarto que ocupava:

...Era apenas um quarto atulhado de móveis velhos, desses que se guardam no sótão, um sofá e umas poltronas gordas estufadas com aquele tipo de veludo vermelho e comichento que lembra dias quentes em um trem. As paredes eram de estuque, com a cor exata de tabaco mascado. Por outro lado, até no banehiro, havia gravuras de ruínas romanas esmaecidas pelo tempo. A única janela dava para a saída de incêndio. Mesmo assim, eu ficava satisfeito cada vez que sentia a chave do apartamento no meu bolso: com toda a sua melancolia, ainda assim era um lugar meu, o primeiro que eu tinha, meus livros estavam ali e potes cheios de lápis sem ponta, tudo o que achava que precisaria para me tornar o escritor que pretendia ser.

Outro ponto que me encantou foi o fato de hoje, dia 30 de setembro, ser o dia do nascimento de Truman Capote que, se estivesse vivo, completaria 87 anos. Aliás, no livro, há uma passagem que se refere ao fato, uma vez que o escritor-narrador também faz aniversário nesse dia. Mais: li esse trecho hoje, 30 de setembro. E, além de todas essas coincidências, outra: o livro, que foi escrito em 1961, comemora os seus 50 anos!

Fiquei maravilhada. Não mais do que chegar ao final do conto. As lágrimas insistiam em embaralhar minha vista, quase não me deixando ler, loucas para transbordarem, extravazando de vez toda a minha emoção.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Com Daytripper em mãos

Costumo dizer que Fábio Moon e Gabriel Bá, os gêmeos quadrinistas brasileiros, são fofíssimos. E são. Isto, porém, é pouco, pois além de fofíssimos, eles são simpáticos, acessíveis e extremamente talentosos. O trabalho deles extrapola as fronteiras do Brasil e já recebeu importantes premiações, como o recente Eisner – o Oscar dos quadrinhos –, na categoria Melhor Série Limitada, por Daytripper.

A graphic novel, que também recebeu os prêmios Harvey e Eagle, foi publicada primeiro nos Estados Unidos, como uma minissérie em dez edições, chegou ao mercado brasileiro recentemente, em um belíssimo encadernado da Panini. O trabalho – roteiro e desenhos – foi desenvolvido pelos gêmeos em seu estúdio, no bairro da Vila Madalena (SP), onde moram, e foi colorizado por Dave Stewart.

Depois de lançado na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, Fábio Moon e Gabriel Bá fizeram o lançamento do livro em São Paulo, na Saraiva do Shopping Ibirapuera. A noite era esperada e eu estava ansiosa por esse momento, até já adquirira a graphic novel para então receber o autógrafo dos irmãos. Mas, por um problema de saúde – nada de grave, embora o suficiente para me impedir de sair de casa – não pude comparecer ao lançamento. Uma pena.

Em tempos de internet, porém, isso não chega a ser um grande problema, uma vez que há bons blogs e sites que noticiam os fatos, a não ser pelo fato de não poder ver, mais uma vez, os quadrinistas de perto e ter o autógrafo deles no meu livro. Nada que em um próximo evento eu possa consertar. Contudo, uma excelente cobertura pode ser conferida no blog Os Quadrinhos, de Rubens Junior, com comentários e fotos sobre a noite. Veja aqui http://migre.me/5NXbb

Daytripper conta a história de Brás, brasileiro do sul do país, escritor e editor de obituário de um jornal. Destacando diferentes momentos da vida do personagem, que tenta ainda fugir da sombra do pai, o texto centra-se na busca de um caminho para a vida. Não pude deixar de relacionar a ideia da história com Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, do qual os irmãos possivelmente devem ter se inspírado.

Estou ávida para começar a ler, mas como leio um livro por vez e agora estou me aventurando pelas páginas de Bonequinha de Luxo, de Truman Capote, sem falar que ainda há mais dois livros me esperando, talvez demore mais duas semanas para iniciar a leitura de Daytripper. Por enquanto fico só olhando, admirando e sonhando com sua história.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O livro é para ser lido

Em Quadribol através dos séculos, de Kennilworthy Whisp (pseudônimo criado por J. K. Rowling), há um interessante alerta na primeira página do livro, logo abaixo da lista de nomes dos bruxos que já o pegaram emprestado da biblioteca da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, local onde se passa a história de Harry Potter:

Aviso: Se você remover folhas, rasgar, picar, vincar, dobrar, deformar, desfigurar, sujar, jogar, deixar cair ou de qualquer outra maneira danificar, maltratar ou demonstrar falta de respeito com este livro, sofrerá as piores consequências que eu puder lhe infligir.”
Assina Irma Pince, bibliotecária de Hogwarts.

A preocupação de Madame Pince parece justificável, constando até no prefácio do livro, assinado por Alvo Dumbledore, diretor da Escola de Hogwarts. Ele informa que, segundo a bibliotecária, o livro é “manuseado, babado e de um modo geral maltratado diariamente”. O diretor, contudo, acrescenta ser isto “um enorme elogio para qualquer livro.”

Achei graça na divergência de opiniões, muito mais do que no próprio texto do livro, que traz um retrospecto sobre os primórdios do famoso esporte dos bruxos, sua disseminação pelo mundo, suas regras e jogadores, além de um histórico sobre a evolução das vassouras voadoras. É um livro leve, divertido, sem compromisso, para fãs da saga. Mas que me fez pensar na relação que tenho com meus livros, ou seja, no modo como eu os trato. Não os maltrato, sem dúvida, mas não tenho esse cuidado extremo desejado por Madame Pince, é claro. E até os empresto, sem problemas, mesmo correndo o risco de recebê-los danificados, ou o que é pior, nem recebê-los de volta. Acho que os livros são feitos para serem lidos e manuseados, tantas vezes quanto forem necessárias, e se isto acabar por desconjuntá-los, acredito que sua missão, pelo menos, foi cumprida.

Por outro lado, há alguns meses, fiz uma arrumação no meu armário, onde os meus livros estão guardados, uma vez que ainda não tenho uma estante para acomodá-los decentemente. Na parte de baixo estão os livros que comprei nos últimos cinco anos e que se encontram em bom estado. Já na parte de cima, em meio a roupas e toalhas, dormem os mais antigos, que me acompanham desde o final da adolescência e início da vida universitária. Confesso que, muitos deles, encontram-se em estado lastimável, com a lombada comprometida, capa maltratada, folhas internas amassadas, amareladas, dobradas e rabiscadas, com anotações ou marca textos.

Com a intenção de mudar de casa e finalmente comprar uma estante para dar um destino conveniente aos meus livros, resolvi fazer uma seleção nas obras e doar alguns títulos à biblioteca pública ou trocar com quem tenha interesse. Separei então uma série, alguns até em bom estado, e os coloquei numa pequena caixa. Acontece que o tempo passou, e como ainda não sei quando vou mudar, não me desfiz deles. Conclusão: acabei retirando da caixa pelo menos quatros dos livros que tencionava doar – e justamente os que se apresentavam mais danificados. A afeição foi mais forte.

Olhei para eles e lembrei-me da época em que os adquiri, no tempo em que estão comigo, na aventura das constantes mudanças que fiz e, sinceramente, não pude me desfazer deles. Afinal, esses livros fazem parte da minha história, presenciaram minhas tristezas e alegrias, meus fracassos e minhas derrotas, coisas que não se apagam assim tão simplesmente, como num passe de mágica. Eles podem até apresentarem-se estropiados, mas estão dentro da minha história de vida e de leitura.

Por isso fiquei pensando nessa coisa de conservar os livros. Claro, é necessário, quem não gosta de um livrinho em bom estado, estalando de novo? Eu gosto, mas também gosto daqueles que estão marcados pelo tempo, que testemunharam as constantes mudanças pelas quais passei, guardando em sua aparência e em seu interior as marcas dos frequentes manuseios que fiz para mais uma aventura por entre suas páginas.

Todo respeito ao objeto livro, mas seu conteúdo é o que realmente importa. E se pudermos deixar registrado nas páginas impressas a marca das nossas leituras, tanto melhor. Afinal, elas são a nossa história.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A poesia de Neruda

Na década de 1980 o poeta chileno, Pablo Neruda, foi questionado acerca da sobrevivência da poesia no século seguinte. Sua resposta, poética e metafórica, consta no livro Para nascer he nacido:

Perguntam o que acontecerá com a poesia no ano 2000.
É uma pergunta difícil. Se esta pergunta me assaltasse num beco escuro me levaria um susto de pai e senhor meu.
Porque, o que sei eu do ano 2000? Do que estou seguro é de que não se celebrará o funeral da poesia no próximo século.
Em cada época deram por morta a poesia, mas ela se vem
demonstrando vitalícia, ressuscita com grande intensidade
parece ser eterna.
A poesia acompanhou os agonizantes e estancou as dores,
conduziu às vitórias, acompanhou os solitários,
foi ardente como fogo, ligeira e fresca como a neve,
teve mãos, dedos e punhos, teve brotos como a primavera:
fincou raízes no coração do homem.

Ao ler esta passagem, no belo livrinho Presente de um Poeta, da Coleção Melhor dos Melhores, publicação da Vergara & Ribas Editores, que reúne alguns dos poemas inesquecíveis de Neruda, pensei que a afirmação do poeta nunca foi tão verdadeira. A poesia foi, está e estará sempre permeando nossas vidas.

Em nosso país, por exemplo, entre os finalistas do prêmio Jabuti deste ano, na categoria Poesia, recém-divulgados, encontram-se notáveis poetas brasileiros: Ferreira Gullar, com Em Alguma Parte Alguma; Adélia Prado com A Duração do Dia; Alberto Martins, com Em Trânsito; e Manoel de Barros, com Obra Completa, entre outros. A disputa, nesta categoria, deverá ser o páreo mais duro e emocionante da premiação, como anunciou o blog Veja Meus Livros.

Mas, voltando a Neruda, sua poesia tem ultrapassado os limites do tempo e vem se tornando perene. Não é à toa que ele é considerado como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX.

O livro Presente de um Poeta, que caiu às minhas mãos por acaso e que li com avidez, divide-se em quatro capítulos: O amor / A terra / A poesia / O homem, reunindo algumas poesias constantes nos livros publicados por Neruda ao longo da sua vida, como Confesso que vivi, 20 poemas de amor e uma canção desesperada,Cem sonetos de amor, Crepusculário e Para nascer nasci. Entre elas, esta de Crespusculário

Que a terra me floresça nas ações
como no ouro suculento das vinhas,
que perfume a dor de minhas canções
como um fruto esquecido na campina.

Que me transcenda a carne a semeadura
ávida de brotar por toda a parte,
que minhas artérias levem água pura,
água que canta quando se reparte!

Desnudo quero estar sobre sarmentos,
pisado pelos cascos inimigos,
quero me abrir e repartir sementes
de pão, eu quero ser de terra e trigo!

O livro tem tradução do poeta Thiago de Mello, que foi amigo de Neruda e possui mais de 20 livros publicados, alguns deles em vários idiomas. A obra conta, ainda, com belíssimas ilustrações da pintora grega Dafni Amecke Tzitzivakos. Um primor!

Neruda era filho de um operário ferroviário e de uma professora primária, que morreu quando ele tinha apenas um mês de vida. Seu nome de batismo era Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, mas na adolescência, inspirado no escritor checo Jan Neruda, adotou o pseudônimo de Pablo Neruda, passando ser este, seu nome de fato.

Além da poesia, Neruda atuou na política e chegou a ser senador. Ns anos de 1970 foi candidato à presidência da república do Chile, mas desistiu em favor de Salvador Allende. Morreu em Santiago em 23 de setembro, há exatos 38 anos, de câncer na próstata. A escritora chilena Isabel Allende, em seu livro Paula, afirma que Neruda morreu de "tristeza" ao ver dissolvido o governo de Allende pelo golpe militar de Augusto Pinochet.

Neruda tinha a alma sensível, alma de poeta. Foi um grande mestre do gênero, que encantou, encanta e encantará gerações futuras, porque, conforme suas palavras...

Minha fé em todas as colheitas do futuro se afirma no presente.
E declaro, por muito que se saiba, que a poesia é indestrutível.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Galeano de presente

Quem não gosta de ganhar presentes? Eu gosto! Seja em datas especiais ou não é sempre bom se surpreender com um mimo. Se este for um livro, nossa, melhor ainda. E se ele vier por um sorteio, aí então a gente pira, se sente a sortuda, a privilegiada, a escolhida.

Pois é, foi isso o que aconteceu comigo no início de setembro, quando participei de um sorteio promovido, no twitter, pela L&PM Editores, e fui a contemplada. O prêmio? O livro As veias abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, sorteado no dia do 81º aniversário do autor, em 3 de setembro.

Ontem o livro chegou e exultei de felicidade. O escritor pode ter aniversariado, mas o presente quem ganhou fui eu, um presente de Galeano para mim, ainda que pelas mãos da editora, mas que não deixa de homenageá-lo também.

A edição, bela e caprichada, foi publicada pela L&PM Editores em 2010, e tem tradução do contista gaúcho Sergio Faraco, autor de Contos completos, Doce paraíso e Noite de matar um homem. A tradução de Faraco dá uma nova versão brasileira ao livro, que foi escrito por Galeano há mais de 40 anos, mas que, segundo ele, no prefácio que assina, “infelizmente não perdeu a atualidade”.

A primeira edição de As veias abertas da América Latina remonta a 1970, sendo atualizada em 1977, época em que muitos países latino-americanos viviam a ditadura. Por esta razão, a obra constitui-se em uma espécie de “clássico libertário”, ou seja, “um inventário da dependência e da vassalagem de que a América Latina tem sido vítima, desde que aqui aportaram os europeus no final do século XV”, conforme consta na orelha do livro.

Na obra Galeano analisa a história da América Latina, desde o período colonial até a época contemporânea, apontando o que considera como exploração econômica e política do povo latino-americano, primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos.

Além da edição em formato convencional, a editora lançou o livro de Galeano na Coleção L&PM Pocket, com capas e tradução novas.

Eduardo Galeano nasceu em Montevidéu, no Uruguai, em 1940. Viveu no exílio na década de 1970, primeiro na Argentina e depois na costa catalã na Espanha. Voltou a Montevidéu em 1985 e, desde então, vive na cidade, fazendo caminhadas e escrevendo sempre.

É autor de mais de 40 livros, que foram traduzidos em várias línguas, como Memória do fogo, O livro dos abraços, O futebol ao sol e à sombra e Espelhos, entre outros. Sua obra-prima, no entanto é As veias abertas da América Latina, o livro que agora tenho em mãos e que espero devorar em breve.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Viajantes de Terramarear

Narrativas de viagem costumam render boas histórias, aguçam os sentidos, alimentam a alma, fazem aflorar a nossa imaginação. Não é à toa que os escritores Ruy Castro e Heloísa Seixas (que são marido e mulher na vida real) se aventuraram por esse caminho ao lançarem, na Bienal do Livro do Rio, Terramarear, obra publicada pela Companhia das Letras e onde contam histórias das viagens realizadas nas últimas décadas, mas que fogem do padrão turístico tradicional. No livro falam de lugares com os quais têm relação com o cinema, literatura, gastronomia, música, história e arquitetura.

Em São Paulo o livro foi apresentado pelos autores durante o Sempre um Papo, no Sesc Vila Mariana, seguido de sessão de autógrafos. E eu fui até lá para dar uma conferida.

Enquanto aguardava a sessão começar, na sala de leitura montada ao lado do auditório, vislumbrei, no andar acima, por uma brecha, o momento em que Ruy e Heloísa estavam sendo filmados, concedendo uma entrevista. Esta visão suscitou uma estranha sensação em mim, uma espécie de intimidade em relação aos autores.

Mas de onde vinha aquela sensação? Seria do ato de espionar, de observar sem ser vista, de olhar secretamente? Não, acho que não! Aquela familiaridade vinha de algo mais profundo e distante... Ah, com certeza era do livro No lugar escuro, o Ensaio Pessoal que Heloísa escreveu sobre a mãe e que li no ano passado. No livro, a autora conta, com coragem, a história de senilidade e loucura da mãe, relembrando, com riqueza de detalhes e minúcias – e sem autopiedade –, as fases de degradação de uma mente comprometida até a insanidade, os conflitos familiares, o relacionamento difícil até chegar à compreensão e a paz de espírito.

Ao falar da sua privacidade, Heloísa de certa forma tornou-se familiar para mim, estendendo essa intimidade a Ruy Castro que, embora fosse citado algumas vezes no livro, também provocou a mesma sensação em mim.


Passado esse primeiro impacto segui para a apresentação e o que vi foi um bate papo bem-humorado e recheado de histórias inusitadas, como aquela de Rapallo, na Riveira Italiana, cidade onde o poeta americano Ezra Pound morou. Caminhando pelo cais em direção ao Hotel Itália, uma construção amarela, de toldos verdes, de aspecto modernoso, local que Pound frequentara nos anos de 1920, eles resolveram parar para jantar. O lugar estava vazio, mas entraram mesmo assim, foram atendidos e nada de excepcional aconteceu.

Ruy, no entanto, não se deu por vencido, e vendo uma senhora sozinha, atrás de um pequeno balcão no interior do hotel, decidiu falar com ela e perguntar se aquele era o hotel em que Pound se hospedara. A mulher ficou muda a princípio, mas depois sorriu e disse que ele era a primeira pessoa, depois de 40 anos, que perguntava sobre o poeta. Depois os conduziu para o corredor e abriu uma porta, cujo interior estava coberto por fotografias de Ezra Pound e de seu pai que registravam sua passagem pelo hotel. A mulher então explicou: “Meu pai e o senhor Pound eram grandes amigos”.

É neste espírito que segue o livro, narrando histórias das viagens pelo Brasil e pelo exterior, a passeio ou a trabalho, de Ruy Castro e Heloísa Seixas, juntos ou separados, mas sempre tentando resgatar o espírito e as histórias do lugar. O importante, para eles, é caminhar, andar pelas ruas das cidades, se integrar a elas, pois só assim é possível conhecer – e desvendar – seus mistérios.

Depois da leitura de Terramarear e com as aventuras descobertas, acho que vou me sentir ainda mais íntima dos escritores. Uma pessoa da família.

Ainda em tempo: o título do livro, Terramarear, foi tirado da lendária coleção da Companhia Editora Nacional que, a partir de 1933, publicou no Brasil 18 livros de Tarzan, do qual Ruy Castro é fã. Na década de 1970, a Editora Record relançou oito desses volumes.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O charme dos minibooks

Na Bienal Internacional do Livro de 2008, realizada em São Paulo, entre os destaques da feira, que abrigava uma gigantesca edição de O Pequeno Príncipe, do escritor francês Antoine de Saint-Exupèry, encontrei uma pequena joia, no formato e no tamanho, da mesma publicação: um pequeno livrinho, um minibook, de O Pequeno Príncipe, que cabia na palma da mão. Ao lado dele, outros títulos conhecidos, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Dom Quixote, entre outros. E o que é melhor, com o texto integral das publicações originais.

Publicados pela editora peruana Los Libros mas Pequeños Del Mundo, esses livrinhose medem 5 cm x 6 cm e foram criados por Don Alberto Briceño e Norma Tordoya na década de 1970 e, desde então, já foram publicados 300 títulos em inglês, espanhol, italiano e português. Eles vão de clássicos a técnicos, passando por turísticos e infantis, até esotéricos.

Claro, fiquei fascinada, e acabei adquirindo um exemplar de O Pequeno Príncipe que hoje decora minha mesinha de cabeceira no quarto de dormir. Tempos depois comprei mais um para presentear uma amiga e fiquei na vontade de adquirir outros títulos.

Agora estou na expectativa de ter meu segundo exemplar de minibooks. Isso porque o blog Ler é o Melhor Lazer, da Mônica Carneiro está com um sorteio pra lá de bacana com esses livrinhos. De volta da viagem que fez a Cusco, no Peru, Mônica trouxe na mala um exemplar de Cusco, Umbigo do Mundo para sortear entre os seguidores do seu blog.


Para participar basta acessar o link abaixo, se inteirar das regras e preencher um formulário http://lereomelhorlazer.blogspot.com/2011/08/sorteio-mini-book.html

Eu já fiz o meu cadastro e agora estou torcendo os dedos para o sorteio.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Vidas – livro de contos

Hoje gostaria de divulgar um livro bastante especial. Trata-se de um livro coletivo, resultado de um concurso literário promovido por Elaine Gaspareto, do blog Um pouco de mim http://www.elainegaspareto.com/ . O livro contém os contos selecionados no concurso, além de quatro nunca publicados, ou seja quatro autores que tiveram maior número de votos, dentre eles a jornalista Érika Freire, do blog Narrativas e Divagações http://narrativasedivagacoes.blogspot.com/ .

Gostaria de parabenizar a Érika e a todos que fazem parte dessa coletânea. Iniciativas assim devem ser estimuladas e divulgadas.

O livro Vidas será lançado em 15 de setembro, mas pode ser adquirido em pré-venda por meio do blog da Elaine. Se quiser conhecer mais sobre a publicação ou adquiri-la é só acessar o link abaixo. E boa leitura!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cordel divertido – e educativo

O Brasil apresenta uma grande diversidade de sotaques, dialetos e gírias, de acordo com a região do país. Essa variedade foi sendo construída ao longo do tempo, com a colonização portuguesa e, também, com a contribuição da língua indígena falada nos primórdios e modificada com a introdução de novas formas trazidas por escravos negros e imigrantes europeus e asiáticos. O resultado foi uma mescla de sotaques que se caracterizam por região.

Dentre os sotaques existentes, tenho uma predileção pelo nordestino. Acho gostoso o ritmo cadenciado e lento com que se expressam, ainda que em alguns casos incompreensíveis. E uma das formas de manifestação mais expressiva desse povo é a linguagem de cordel, traduzida na literatura.

Para entender melhor o significado da expressão, vale lembrar que cordel quer dizer corda pequena. A classificação do termo como gênero literário vem dos portugueses, que costumavam pendurar as cartilhas com os escritos em barbantes nos locais em que as obras eram postas à venda.

Os livros em cordéis são impressos em papéis rústicos e apresentam ilustrações em xilogravura. São escritos geralmente na forma rimada, originados de relatos orais acompanhados de viola. Frequentemente apresentam estrofes de dez, oito ou seis versos, sendo esta última – denominada de sextilhas – a mais conhecida. A estrofe tem seis versos de sete sílabas, com o segundo, o quarto e o sexto rimados. Uma delícia de ouvir, ver, ler e falar.

Assim, foi um achado descobrir um livrinho joia que mostra, exemplarmente – e didaticamente – essa forma de expressão: Lições de Gramática em Versos de Cordel, de Janduhi Dantas Nóbrega, professor de cursinhos pré-vestibulares em Patos (PB) e região, e divulgador da Literatura de Cordel nas escolas em que trabalha.

Autor também de vários folhetos em cordel, Janduhi foi incentivado a escrever por seu irmão mais velho, quando ainda era adolescente. A ideia de fazer um livro que aliasse a arte popular com a Gramática partiu da necessidade de seus filhos em estudar a matéria para a escola e, para ajudá-los, resolveu fazer versos em cordel para melhor memorizarem as regras. No final do livro, Janduhi ainda conta, em versos, que este era um desejo que há tempos acalentava. O interessante é notar que cada estrofe do verso inicia-se pelas letras do seu nome, formando um acróstico:

Juntei, leitor, neste livro
A arte com a profissão:
No Cordel pus a Gramática
Do Português, uma paixão.
Uma ideia acalentada
Há tempos, realizada,
Isso dá satisfação.

O livro destina-se a alunos e professores que trabalham com o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), para o público do Ensino Médio, do Ensino Fundamental, mas também para todos que se interessam – e gostam – da Língua Portuguesa.

O artifício usado por Janduhi ajuda a memorizar regras e preciosidades gramaticais em Fonologia, Semântica, Morfologia e Sintaxe, com rápidas pinceladas nas principais mudanças do Acordo Ortográfico, o que, sem dúvida, facilita o estudo e o aprendizado do Português. Algumas são bem divertidas, como:

TIGELA, COM G
A “tijela” que é com j
É furado o fundo dela:
tigela não é com j,
Com um g se grafa ela.
Lembre-se da brincadeira:
“Meu coração por ti gela”.

Se quiser conhecer mais sobre esse gênero literário e a tradição da Literatura de Cordel, vale a pena conferir o 1º Festival de Cordel, que está acontecendo no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), em São Paulo, até o dia 6 de outubro. São oficinas, saraus, cinema e palestras, além de um concurso para premiar os 20 melhores trabalhos em cordel. Estes podem ser enviados até o dia 11 de setembro próximo (pela internet) e 9 de setembro pelo correio.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Há dois anos te vi em Paraty


Uma das boas lembranças que guardo da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty vem da sétima edição, realizada em 2009, quando tive a oportunidade de conhecer – de perto – um dos grandes escritores portugueses contemporâneos: António Lobo Antunes, considerado por muitos como o maior escritor lusitano após Eça de Queirós.

O escritor, que também é médico psiquiatra, completa neste dia 1º de setembro 69 anos, e eu não podia deixar de falar sobre ele, principalmente por estar lendo, atualmente, um dos seus romances mais enigmáticos: Ontem não te vi em Babilónia.

Na época da sua participação na Flip eu ainda não tinha lido nenhum livro do escritor, quer dizer, havia tentado ler Os cus de Judas, que me fora indicado por um colega, mas confesso, com certo pesar, não ter ido até o fim, acho até que não passei das 30 páginas iniciais. A narrativa era interessante, mas derrapei na linguagem e senti dificuldade na concentração da leitura. Quando conseguia mergulhar achava maravilhoso, mas dispersava muito e, por isso, abandonei o livro.

Quando Lobo Antunes teve seu nome confirmado para a Festa Literária, apressei-me em comprar o ingresso da mesa, quem sabe conhecendo-o melhor eu me animasse a ler suas obras. Não me arrependi. A mesa do escritor foi uma das melhores que assisti das quatro edições que participei da Flip.

A mesa, mediada pelo jornalista Humberto Werneck, constituiu-se num descontraído bate-papo que divertiu e encantou a plateia, arrancando aplausos entusiásticos a cada comentário. Lobo Antunes relembrou suas raízes brasileiras, citou autores que gosta e falou sobre sua mania de corrigir os textos à “exaustão”: “Para escrever bem é preciso cortar até osso, advérbios, adjetivos, que Cortázar chamava de essas putas.”

Sua receita para escrever é simples e tem relação com o futebol brasileiro: cabeça e, no caso da escrita, mãos. Segundo Lobo Antunes, “a cabeça cria e a mão corrige. Para quem quer ser escritor, recomendo observar Garrincha jogando. É preciso ter a cabeça de um Didi e a habilidade de um Garrincha.”

Saí da mesa fascinada pelo autor e ávida por ler seus livros publicados – hoje mais de 30. Afinal, se eu me encantara com o ser humano, com a pessoa, porque não iria gostar da sua escrita, era uma questão de insistência. No entanto, não o fiz imediatamente, e só agora, dois anos depois, é que resolvi me aventurar pela sua escrita, com a leitura de Ontem não te vi em Babilónia.

A escolha do livro foi por puro acaso, depois de uma rápida “espiada” na comunidade do autor no Orkut. No fórum, um dos tópicos fazia menção ao livro, como o primeiro que um dos membros lera, considerando esta como uma experiência intensa. Foi o suficiente para me interessar e pensei: “quem sabe este não seja um bom começo”.

Ainda não conclui a leitura, cheguei à metade do livro, que tem 440 páginas. Nada mal. Mas devo admitir que continuo sentindo certa estranheza na linguagem e na escrita de Lobo Antunes, por causa da sua sofisticação. A narrativa não é linear, embora se desenvolva entre três personagens principais: Ana Emília, uma mulher que sofre com o suicídio da filha; Alice, ex-enfermeira; e Osvaldo, seu marido, um homem que ganhava a vida perseguindo opositores do regime e da Igreja.

A história começa a partir da meia-noite, quando os três estão, cada um, em seus quartos, rolando insones na cama, relembrando dramas vividos e dolorosos que vão se encadeando e se entrelaçando. São memórias e pensamentos que vão e voltam, que não parecem ter sentido, uma vez que uma lembrança traz outra e mais outra até voltar ao seu início e recomeçar tudo de novo.

Apesar da estranheza das múltiplas vozes em cena, que a certa altura deu um nó na minha cabeça ao ponto de misturar as histórias e de ficar na dúvida se se tratava deste ou daquele personagem, a trama prende a atenção.

Vou, então, insistindo, sem querer abandonar o livro, encarando o desafio de decifrar o extenso quebra-cabeças montado por Lobo Antunes e sua intricada trama de pensamentos, como “aquele que prometeu visitar-me e não visita, vasculhando os planetas extintos, pondo-me nervosa tu, e sabendo que é aqui que você mora.