terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Cativaram-me

– O que quer dizer cativar ?
– Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
– Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
– É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços...
– Criar laços?
– Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...

Escolhi este pequeno diálogo, extraído de O Pequeno Príncipe, ainda empolgada pela exposição sobre o livro e o autor que aconteceu no Ibirapuera e que visitei no domingo, como mensagem de final de ano a todos aqueles que acompanham e lêem este blog.

Por meio dele pude conhecer e seguir outros blogs, aumentei meu círculo de amizades, descobri outras leituras e compartilhei meus textos.

Espero que em 2010 essa sintonia continue e se amplie ainda mais.

Estarei de férias neste período, entre Natal e Ano Novo, mas no início de janeiro estarei de volta, pronta para outras leituras e até releituras. E que rendam muitos posts.
Bom Natal! Um feliz Ano Novo!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Encontrando o rumo

Ele fazia Engenharia na Unicamp no final dos anos de 1970, gostava de “pegar onda” e tinha o vigor da juventude nos olhos e por todo o corpo. Ao completar 20 anos, sua vida deu uma guinada profunda após um acidente que o deixou tetraplégico. O Brasil perdia ali mais um engenheiro, quem sabe..., mas ganhava um novo expoente na literatura nacional e que viria a se confirmar anos depois: Marcelo Rubens Paiva.

Hoje, aos 50 anos, o autor de Feliz Ano Velho contabiliza um respeitável currículo de obras literárias, como Blecaute, Ua:brari, As Fêmeas, Bala na Agulha, Não és Tu Brasil, Malu de Bicicleta e O Homem que Conhecia as Mulheres. Marcelo é ainda jornalista e escreveu diversas peças para o teatro, como No Retrovisor, com Marcelo Serrado e Otávio Muller.

Se fosse perguntar a ele se na juventude imaginava que sua trajetória mudaria de tal maneira, acredito que ele responderia NÃO. Mas a vida é feita de percalços, nem sempre previsíveis, é certo, diria até que na maioria das vezes. E o acaso acontece, conduzindo-nos por um novo caminho, por uma direção que não esperávamos, mas talvez necessária.

Li Feliz Ano Velho no auge do seu lançamento e me encantei com a história daquele menino, cuja infância fora marcada pelo “desaparecimento" do pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, pela ditadura militar. Marcelo narra o acidente que o paralisou, as consequências advindas dele, a recuperação, a adaptação e a nova vida com uma franqueza dilacerante. Se falta trato literário de iniciante nas letras, sobra emoção no texto. E foi essa emoção que cativou milhares e milhares de leitores, transformando o livro em um best seller dos anos de 1980.

A partir dali, Marcelo direcionou a sua vida, estudou Literatura, fez teatro, se aperfeiçoou. E o que parecia ser um “modismo”, uma onda passageira da década, materializou-se num sólido escritor.

A vida é feita de reviravoltas mesmo. E talvez elas aconteçam para que possamos seguir em frente, quando as coisas ameaçarem de cair no marasmo.

Ontem minha sobrinha Luciana, que também é minha afilhada, e por coincidência – ou não – é fã de Marcelo Rubens Paiva, desde que leu Feliz Ano Velho, seguido dos outros títulos do autor, tornou-se uma profissional diplomada na cerimônia de colação de grau.

Depois de flertar, quando adolescente, com a Psicologia Investigativa, de ter decido em seguida abraçar a Fisioterapia, ciência na qual quase chegou a se formar, finalmente Luciana encontrou seu rumo na Estética. Hoje, é uma técnica da área.

Como todas as formaturas do gênero, a dela não podia deixar de mesclar momentos de emoção com episódios de tédio e cansaço pelo prolongamento da cerimônia. Então aprovetei para relembrar dela pequena, das travessuras que fazia, dos sonhos que acalentava, das dúvidas e dos medos que tinha, dos seus acertos e erros, dos shows de rock e até os de pagode (é ela teve essa fase) em que íamos juntas e das aventuras que promovíamos. Pude acompanhar tudo, bem de perto. Que bom!

O tempo passou voando. Luciana é uma mulher e uma profissional que inicia um novo capítulo no livro da sua vida. O prefácio já está escrito, agora cabe a ela começar a preencher as páginas em branco que se seguem, deixando definitivamente para trás o seu feliz ano velho.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Fim da tecnologia impressa?

Outro dia, no curso da Pós, depois de uma aula “psicofilosófica” (não sei se este é o termo certo, e se existe, mas não me ocorre outro) sobre consciente e inconsciente coletivo e o papel transformador do jornalista na sociedade, o professor indicou mais um livro para aprofundar nossos conhecimentos na matéria.

Na pressa em anotar o título no caderno eu pensava em procurá-lo na biblioteca, antes de decidir se iria comprar ou não, se valeria a pena. Sentado ao meu lado, meu colega João também anotava, mas, ao contrário de mim, se apressou em me confidenciar:
– Vou ver se “baixo” na Internet.
Não pude deixar de rir e comentar:
– E eu aqui pensando em procurar na biblioteca...
Sinal dos tempos.

Pensei então na discussão em pauta, nos últimos anos, sobre o futuro do livro e dos meios impressos frente ao crescente avanço da tecnologia digital e da internet como meios de divulgação de textos e escritos diversos.

Para Zuenir Ventura, o assunto não é novo. “Ouço essa história desde que comecei minha carreira, em 1958, especialmente quando surge uma nova tecnologia”, afirmou o escritor em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ontem à noite, ele participou do Sempre um Papo, encontro literário promovido no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, onde falou sobre o futuro do livro e os rumos do jornal impresso. Infelizmente, não pude participar, mas ainda assim gostaria de falar sobre o assunto.

Na entrevista, Zuenir acredita no ajuste e não a extinção desses meios ameaçados. “O jornal sobreviveu ao rádio, à televisão e, agora, resistirá diante da Internet. O que acredito ser o caminho da sobrevivência é a formulação de sua pauta, ou seja, o texto do jornal impresso deverá ser cada vez mais interpretativo e não apenas informativo”, destacou.

É inegável a contribuição da tecnologia digital para a difusão da leitura e do conhecimento, mas a quantidade de informações veiculadas na internet, por exemplo, mais confunde e dispersa. Além disso, há uma qualidade na obra impressa, muito bem lembrada por Zuenir, que não existe na ferramenta digital: o prazer olfativo de se folhear um livro. “Isso ainda é insubstituível”, declara.

A afirmação me remete até a um outro comentário sobre a possibilidade de extinção do livro, feito pelo escritor norteamericano Paul Auster, em entrevista ao jornalista Sérgio Vilas Boas, já comentada aqui neste blog, mas que vale a pena sempre repetir:

"– ... a leitura é uma das raras experiências humanas em que dois estranhos se encontram numa situação de suposta intimidade. E é por isso que ainda descobrimos um pouco de humanidade nesse tipo de experiência. É insubstituível. Trata-se de um importante elemento para estar vivo; abrigo um para o outro, num nível profundo e aberto."

É como bem questionou o escritor e cartunista Ziraldo:
– Onde é que vamos deixar riscada, com nosso lápis, a frase que vai marcar nossa vida?

Já em um interessante artigo veiculado pela internet, Millôr Fernandes, escritor, desenhista, humorista e dramaturgo, destacou o objeto livro como um revolucionário conceito de tecnologia de informação. O nome? Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.

Com o humor que lhe é característico – e muita criatividade –, Millôr elenca as vantagens dessa tecnologia, como um avanço fantástico. “Não tem fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. É tão fácil de usar que até uma criança pode operá-lo. Basta abri-lo!” E por aí vai (veja o texto completo aqui http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=3689 )

Acredito que a polêmica não se esgotará, assim como a tecnologia impressa. Penso como Zuenir, que ela precisa de ajustes e, na certa, acabará se adaptando. O que importa, na verdade, não é discutir se o livro ou o jornal irão acabar, mas sim o presente e futuro da leitura.

Neste ponto, estou com Galeno Amorim, que em seu blog lembrou que "entre tudo que nasce e se aventa, o fundamental é que o livro e a leitura estejam sempre ao nosso lado". E tanto faz se são "livros em braile, audiolivros, livros eletrônicos, livros de bolso, em caixas de fósforos, livros artesanais, de papel, de plástico, de madeira e os livros vivos, com pessoas contando suas histórias a leitores que ouvem o que se tem pra ser dito. De preferência, bem pertinho, para que todos possam ter, ao alcance das mãos, sua dose diária de prazer, conhecimento, cultura e liberdade".

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Fome de ler


Nesta época do ano, de comemorações e festas natalinas, quando a solidariedade costuma suavizar os corações, é comum as pessoas compartilharem seus ganhos e sucessos, fazendo doações aos menos favorecidos. São alimentos, roupas e brinquedos que fazem a alegria e garantem o Natal daqueles que têm muito pouco ou nada.

Mas existe uma outra fome que aos poucos vem sendo percebida também – e já não era sem tempo: a fome de ler.

Por isso, iniciativas que venham contribuir para saciar essa necessidade, tão básica quanto à alimentação, devem ser divulgadas e incentivadas. E uma delas é a campanha da rede de drogarias Droga Raia – “Passe adiante uma história. Doe um livro “, realizada pelo segundo ano consecutivo”.

O objetivo é arrecadar livros que estejam em bom estado de conservação para a criação e manutenção de bibliotecas próximas às filiais da rede.

Para colaborar, é bem simples. Basta que o cliente passe em uma loja e deixe sua contribuição no local destinado à campanha. Ou seja, a caixa “A leitora”, uma simpática personagem criada pela Droga Raia, apaixonada por livros e que cuidará de tudo até a distribuição.

As doações poderão ser feitas até o fim de dezembro nas filiais participantes, espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Portanto, ainda dá tempo.
Para mais informações e saber a filial mais próxima da residência é só ligar para (0800 979 7242) Raia Atendimento a Clientes.

Isso me lembra até da música Comida, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito, que fez – e faz – muito sucesso na interpretação dos Titãs. Há um trecho que diz:

... a gente não quer só comida
a gente quer comida, diversão e arte.

Neste Natal, doe não só alimentos, roupas ou brinquedos, mas livros também.
E sacie a fome de leitura de outras pessoas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Selo. Agora de qualidade


Uma das coisas boas de se fazer um blog, além daquela de se poder expressar livremente, é conhecer outros blogueiros e compartilhar ideias.

Nesse pouco tempo de blogosfera, ganhei a companhia não só de amigos queridos, mas também de blogueiros que só conheço virtualmente e que passaram a me acompanhar nas minhas divagações. Entre estes, a Carla Martins, do Leitura (mais que) Obrigatória, que me presenteou a semana passada com um belo selinho, desta vez de Qualidade, o que me deixou muito orgulhosa.

Pelas regras, devo escrever uma lista com oito características minhas e convidar oito “blogueiros” para receber o selinho.

Então lá vai...

As 8 características minhas, do meu ponto de vista, é claro, são:

- Amiga
- Organizada
- Flexível
- Sincera
- Tímida
- Otimista
- Batalhadora
- Controlada

E os blogs indicados são:

Anatomia de pensamentos

Mundo da Princesa Amnésia

Universo Para Lego

HAPPINESS

Colcha de Retalhos

Narrativas e Divagações

Ser e tecer

Quero tombo, não rasteira

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sobre figuras

Às vezes me pego pensando no quanto a linguagem é fascinante. O simples ato de comunicar-se, de se fazer entender, por meio de signos verbais ou não, é uma das maneiras mais simples e diretas de alcançar um outro ser, promovendo assim uma verdadeira comunhão entre as espécies.

Contudo, é por meio da fala que o ser humano expressa melhor sua necessidade de interação com o outro. E, paralelo a isso, vem a escrita, uma forma de representar não só a lingua falada, mas também de registrar os acontecimentos, a história, a vida.

Assim, há formas – e formas – de escrever um texto, de transmitir uma ideia, um fato, ou uma mensagem qualquer, para que possam ser passados e assimilados. E um dos recursos que mais ajudam a dar não só a informação, mas também proporcionar uma função estética ao texto são as figuras de linguagem. Ou seja, empregar uma palavra por outra que a recorda.

Lembro que ao estudar as figuras de linguagem na escola, fiquei encantada com os inúmeros recursos que ela possibilita, tornando o texto mais agradável, mais atraente. Gostava, por exemplo, da aliteração, que consiste em repetir sons de consoantes, fonemas idênticos; da hipérbole, que usa o exagero para expressar e acentuar uma ideia; da antítese, que destaca situações opostas; da personificação, que atribui sentimentos a coisas inanimadas e, é claro, da metáfora, que compara dois termos, e já comentada aqui neste blog.

Sábado passado, no curso da pós, tive uma aula sobre o assunto e pude recordar-me de uma outra forma de figura que até então havia esquecido, mas que tem uma função bem bacana dentro de um texto: a metomínia (ou sinédoque). Ela consiste no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança ou a possibilidade de associação entre eles.

E um dos mais belos exemplos que vi ali – e li – sobre a utilização da metomínia foi na abertura de uma matéria realizada pelo repórter Guilherme Goulart, para o Correio Braziliense, a cerca do grande número de livros avariados nas bibliotecas públicas de Brasília:

“A história do líder nazista Adolf Hitler está desaparecida. As diferenças entre artérias e veias são um mistério. Não há mais como pesquisar as relações da astronomia com os dias da semana. Muito menos entender a beleza insinuante de Capitu, a musa do escritor brasileiro Machado de Assis. De tão maltratados, os livros são impedidos de ensinar. Sofrem nas prateleiras das bibliotecas e nas mãos dos bandidos literários”.

Não é preciso nem dizer porque gostei. Além de me "pegar" logo de "cara" com um assunto que me interessa, o repórter inovou, criou um estilo diferente, recorrendo às figuras de linguagem para fugir do lugar comum. Ele não só fez um texto mais saboroso e dinâmico, mas informou prendendo a atenção do leitor.

Pois é, quanto mais eu leio, mais eu gosto.
E não é exatamente este o ideal de um bom texto?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A bolsa

Andar de metrô é, muitas vezes, uma grande aventura, mas também um tormento, sobretudo naqueles dias em que os trens estão lentos. Isso porque já chegam lotados na plataforma abarrotada de gente ansiosa à sua espera, seja para chegar ao trabalho, ao médico, à escola ou ainda a algum compromisso qualquer. Não há humor que resista a esses contratempos no transporte público.

Para minha prima Luci, paulistana de nascimento, mas residente há mais de 20 anos em Porto Alegre, e que recentemente esteve em São Paulo para alguns compromissos, o metrô foi uma benção, que facilitou em muito sua caminhada pelas várias regiões de Sampa por onde o transporte metropolitano passa. Ela não teve do que reclamar.

Para mim, que tenho de me transportar todos os dias por ele para ir ao trabalho, ao curso, à yoga, ao lazer e à minha casa, concordo que me auxilia muito nos deslocamentos que faço, apesar dos problemas que semanalmente apresenta. Além disso, já até comentei aqui, e por diversas vezes, que o metrô tem para mim uma outra função, aquela que me leva ao sonho, solta a minha imaginação e me transporta para outros mundos: a leitura. É ali o meu local preferido para ler, é onde consigo fazer isso melhor.

Ultimamente, porém, descobri outros prazeres no metrô, além desse proporcionado pelos livros. Tenho me pegado, várias vezes, observando o ambiente dentro dos vagões, as pessoas que por eles viajam e ainda os objetos que estas carregam. Brincos, por exemplo, costumam chamar muito a minha atenção. Eu simplesmente adooooro, e fico tonta com tanta variedade que existe, um mais lindo que o outro.

Como não sou de ferro, um belo rosto masculino também é capaz de desviar meus olhos dos livros. Afinal, o que é bonito é para ser apreciado. E para não escapar muito da minha rotina literária, gosto de observar as pessoas que lêem e tentar descobrir que livros estão deixando-as tão compenetradas a ponto de ficarem no trem lotado, de pé, ainda com o exemplar aberto.

Esta semana, no entanto, um outro objeto, não muito comum nos meus interesses, reclamou minha atenção na viagem de volta para casa. Estava sentada comodamente no assento do lado esquerdo do trem, que fica de frente, quando uma moça entrou e se postou em frente à barra de ferro, no assento lateral, perto da porta. Ela vestia uma calça jeans, camiseta branca com detalhes em preto na manga. Era morena, tinha cabelos pretos amarrados em um rabo de cavalo, usava brincos de bijuteria em formato de flor e ainda um piercing na orelha. Um óculos, com lentes retangulares, de armação preta, aumentava um pouco o formato dos seus olhos castanhos escuros.

Nada disso tinha importância, afinal, a não ser por um acessório que ela trazia pendurado no ombro esquerdo: uma bolsa. De aspecto normal, parecia mais uma sacola grande, dessas de pano, com fundo preto, de formato retangular, em que se carrega inúmeras coisas. Sua estampa, coloridíssima, porém, era o que mais se sobressaía, e não poderia ser por outro motivo senão aquele ligado à literatura. Eram desenhos e mais desenhos de livros, enfileirados um sobre o outro ou um ao lado do outro, mostrando apenas a lombada com os títulos à amostra.

Dali de onde estava pude ver A Ilíada, de Homero; Fausto, de Goethe; Iracema e O Guarani, de José de Alencar; Madame Bovary, de Flaubert; Moby Dick, de Herman Melville; e O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Havia ainda um de Dostoiévski, que não consegui ler o título, assim como outros também. "Será que ela era leitora de todos aqueles clássicos maravilhosos?" – pensei.

Fiquei tão fascinada pela bolsa que não conseguia tirar os olhos dela. Esperava, sim, uma oportunidade de perguntar à moça onde havia conseguido aquela jóia, mas contive meu ímpeto. Nem quando o trem chegou ao meu destino, que por sinal também era o dela, tive a coragem necessária para alcançá-la e indagar. A bolsa sumiu da minha vista, de uma hora para outra, da mesma forma como surgira, misturando-se à multidão e à rotina do metrô. Restou a lembrança.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Coisas do coração

Sabe quando você faz aqueles projetos e resoluções de início de ano e no final do período resolve confrontar aquilo que foi proposto com a prática real? Pois é, foram muitos os que fiz, mas um dos meus desafios mais urgentes para 2009 era cuidar da saúde, com a ressalva de ir menos em médicos. Já sei o que tenho e até o que não tenho, além do mais a maioria dos profissionais de saúde, salvo algumas exceções, é claro, não deixa nem você terminar de falar, te faz sentir um invasor do tempo de alguém doente de verdade e nem te olha na cara. Já estava bem cansada disso tudo.

Então, tenho evitado procurar esses atendimentos, mas alguns deles são inevitáveis. Assim, hoje fui a uma consulta de rotina ao cardiologista, afinal, para uma pessoa que já passou dos 40 anos, com histórico familiar de hipertensão arterial e que há três anos teve o primeiro sinal de alerta da pressão alta, é necessário, pelo menos, fazer um check-up anual

Nesses anos não consegui manter um cardiologista único, fui pulando de profissional em profissional e por fim cheguei ao doutor Celso, indicado pela minha irmã, que me advertiu ser ele diferente da maioria dos médicos por te tratar mais como um ser humano do que como um simples paciente. Fui lá então conferir.

Cheguei cedo, o médico estava atrasado e a sala de espera repleta. Não me abalei, tinha tempo para ficar ali até o horário de entrar no trabalho e, para me ocupar, abri O Olho da Rua, de Eliane Brum, que estou lendo e do qual falarei mais para frente, em outro post. Não sei se foi uma boa idéia, mas é que a cada página a leitura vem ficando mais interessante, porém mais penosa também. Tenho me emocionado muito com as histórias e vez por outra me pego chorando nas linhas e entrelinhas do texto. Então, é preciso dar um tempo para me refazer até conseguir retomar a leitura. Ali, na sala de espera, não foi diferente, mas como o médico demorou a chegar e realmente não tem pressa de “despachar” seus pacientes, tive minutos de sobra para ler, me emocionar e me refazer antes de ser chamada.

Quando chegou a minha vez eu não imaginava que fosse ficar lá tanto tempo, afinal, as consultas podem demorar para os outros, mas para mim sempre voam, sei lá, sou muito objetiva e talvez o médico considere que eu não tenha nada de tão sério assim que mereça muito a sua atenção. Fui com esse espírito para a sala do médico, já contando de início o motivo de estar ali, “apenas para um atendimento de rotina por causa da pressão alta”, “para ver se está tudo bem”, “se preciso trocar a medicação ou não”.

No entanto, depois que disse isso percebi que a consulta não seria tão impessoal assim. Parecia que ele estava lendo a minha alma e me vendo como realmente sou, ou seja, percebendo que, além de exames e remédios, eu precisava também de atenção e interesse pela minha história, pela minha história de vida, ou seja, pelas razões que me levaram a procurá-lo, o histórico de pressão alta, apesar do meu biótipo – magra, não fumante – não condizer em nada com alguém que tenha esse problema. Ele conseguiu ali ver minhas emoções, a minha ansiedade que não consigo controlar, as minhas angústias, estas sim, uma das principais responsáveis pelo aumento da minha pressão, pelos meus problemas de gastrite, pelas dores na minha coluna, pelo meu intestino preguiçoso, talvez.

Confesso que fiquei desconcertada, sem chão, não esperava por isso e foi difícil não chorar. Talvez já estivesse frágil pela emoção da leitura que fizera antes e pelas minhas próprias emoções, com as quais tenho de lidar e estou lidando, mas é que às vezes a gente se depara com acontecimentos que são difíceis de digerir. E é aí que entra o profissional de saúde, aquele que nos faz enxergar tudo isso e nos coloca no eixo novamente. Seja com um remédio quando necessária, seja com aconselhamentos.

Aquela foi mais que uma consulta médica, foi um agradável bate papo, uma orientação para uma vida mais saudável. Claro, ele me examinou também, me pediu alguns exames e prescreveu uma nova medicação.

E, em meio a tudo isso, soube que ele escreve também, que tem um livro a ser publicado – Dinarte (diálogo e analogias da arteriosclerose e sua regressão). Foi escrito com base em dois personagens e vem sendo ilustrado de tal forma que lembra quadrinhos. Nossa, achei bárbaro e fiquei superinteressada! Apesar de ser bem específico, traz muitas informações sobre a saúde do coração e da importância de se resgatar o exercício das caminhadas para uma vida melhor. Quem sabe consiga ver quando for publicado.

Sai de lá mais aliviada, pronta a recomeçar, a cuidar mais de mim e com a certeza de que as leituras, nas suas mais diversas acepções, sempre me acompanharão pela vida, me emocionando, me curando e me direcionando.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Vidas. Histórias de vidas

2006 foi um ano de muitas reviravoltas para Regina Magalhães, uma administradora de empresas que foi surpreendida por infortúnios, realizou sonhos e soube dar uma nova perspectiva na sua vida.

Primeiro ela resolveu se casar, aos 38 anos; depois conseguiu um bom emprego em uma instituição financeira e, por último, sua mãe completava 75 anos. De uma hora para outra, porém, quase tudo ruiu, e com poucos meses de diferença: em julho daquele ano sua mãe faleceu inesperadamente e em setembro acabou demitida por “ser humana demais para trabalhar em um banco”, conforme ouviu de um diretor, isso há um mês do seu casamento, marcado para outubro.

Apesar das intempéries, o casamento foi realizado. E uma das grandes aliadas e incentivadoras para o sucesso das núpcias foi sua irmã, que se imbuiu do espírito de mãe de noiva, cuidando pessoalmente de cada detalhe.

– Uma forma que encontrei de agradecer minha irmã foi presenteá-la com algo especial. Então, inspirada pelas anotações, caixas de fotos e diários encontrados após a morte da minha mãe, percebi a importância de conhecer melhor minhas origens e senti o conforto e o carinho que o resgate daquelas memórias proporcionavam – contou Regina.

Nascia ali um projeto que, três anos mais tarde, viria a se confirmar em um negócio mais sólido: Biografias & Profecias, nova editora lançada ontem, em uma roda de conversas entre autores e empresários, na Casa das Rosas, em São Paulo, que eu pude acompanhar de perto.

Numa época em que se privilegiam cada vez mais as mídias eletrônicas, lançar uma empresa de livros impressos já é uma ousadia, imaginem então uma editora que não tem a pretensão de publicar best-sellers, mas sim histórias de vida! “Queremos que as pessoas – anônimas ou não – tenham a oportunidade de ter suas vivências registradas, eternizando suas memórias que podem causar transformações e inspirar novas histórias”, confirmou Regina.

Na roda de conversa estavam convidados pra lá de especiais, todos com uma relação de importância na trajetória pelo mundo editorial da administradora de empresas: Roberto Tranjan, diretor e educador da Cempre Educação nos Negócios, a quem primeiro Regina mostrou o projeto; Douglas Prats, primeiro cliente do projeto e sócio da Prósperi Lideres; Edvaldo Pereira Lima, co-fundador da Academia Brasileira de Jornalismo Literário e meu professor da pós em JL; Karen Worcman, diretora do Museu da Pessoa; e Ronaldo Perllato, médico antroposófico e coordenador da Escola Livre de Estudos Biográficos.

Um dos momentos marcantes do encontro, para mim, foi quando Regina definiu o que é Biografias & Profecias para ela. O logo da editora é representado pelo bonsai, pequena árvore que simboliza a crença nas relações humanas, que devem estar ao alcance para receber pequenos cuidados contínuos e ter suas raízes fortalecidas, produzindo folhas, frutos e flores que encantam pelo seu conteúdo e forma.

– Histórias de vida têm para mim o cheiro de terra molhada, a textura de uma folha aveludada e o gosto de infusão que cura. No topo de tudo está a árvore, que não para de crescer, é um processo contínuo – revelou Regina.

Enquanto ouvia aquelas pessoas falarem, narrarem suas experiências e proferirem seus conhecimentos em histórias de vida e suas diversas variantes como biografias, perfis e ensaios pessoais, como lembrou o professor Edvaldo, pensava na minha motivação para estar ali e para prosseguir na pós em JL.

Houve um tempo, nos primeiros meses do curso, que eu me questionava se devia ou não continuar, se tudo aquilo era válido para minha vida profissional e pessoal. Mas, com o decorrer do tempo e das aulas, finalmente a semente do JL começou a germinar em mim. É como se eu tivesse encontrado o meu caminho nessa fase meio nostálgica e repleta de saudades em que estou e senti, de alguma forma, que precisava fazer aquilo, porque somente conhecendo e compreendendo a história do outro eu poderia conhecer melhor a minha própria trajetória e, assim, curar feridas que ainda estão abertas.

Isso vai bem ao encontro daquilo que o médico Ronaldo Perllato falou na roda de conversa:
– O certo não é perguntar por que se faz isso ou aquilo, por que comigo, mas sim para quê se faz, para quê é comigo. Ao perguntar o por quê, você transfere para o outro o problema, enquanto questionando o para quê você se insere no problema. E acaba encontrando o seu caminho.

* Para saber mais sobre a editora, acesse: http://www.biografiaseprofecias.com.br/

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Uma dica da Vânia

No final da tarde de ontem, ao abrir minha caixa de e-mail, em meio a uma avalanche de mensagens de remetentes que eu não conheço, de propagandas, de lixo eletrônico e de piadas enviadas por amigos, recebi da Vânia, minha amiga que mora no Rio de Janeiro, uma postagem que muito me agradou.

Respondendo à mensagem que eu havia lhe enviado sobre a criação do meu blog, ela recomendou-me a leitura de um livro que muito a impressionou: Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, publicado em 2006 pela Editora Record.

Pelo que ela “contou”, trata-se do diário de uma ex-escrava que foi sequestrada quando era pequena na África para ser vendida no Brasil. “Só que esta escrava era simplesmente uma mulher sensacional: corajosa, ousada, inteligente, talentosa, trabalhadora, grande amante, empreendedora... Só lendo o livro mesmo pra saber”, escreveu Vânia para mim.

“É engraçado como elogiam escritores e livros estrangeiros, e, no entanto, não ´badalam´ este que estou falando, que faria sucesso em qualquer lugar do mundo. Eu já li este livro há uns três ou quatro anos, e venho o recomendando desde então. Quem sabe um dia ele sai da `geladeira´?”, disse ela, concluindo o e-mail.

Como amante de livros que sou, corri a fuçar a internet para saber mais sobre esse intrigante livro, já me interessando pela história. E descobri que se trata de uma publicação pouco comum, por desafiar a lógica do mercado com suas 952 páginas. 952 páginas?!? Sim, é isso mesmo, talvez o maior romance brasileiro publicado em uma única obra, uma audácia da escritora mineira, que arriscou a mostrar o livro para a Editora Record. Esta, sim, foi ousada o suficiente para publicar e apostar na obra.

E acertou, porque no início de 2007, o romance recebeu um dos mais prestigiosos e antigos prêmios literários da América Latina, o Casa de las Américas. O livro foi premiado na categoria “Literatura Brasileira” por decisão unânime do corpo de jurados, que o escolheu entre 212 concorrentes. Além do prêmio em dinheiro, a obra deverá ser traduzida para espanhol.

Acho que só por esses motivos a leitura do livro já se justifica, contudo, pelo que li na internet, o romance ainda tem muito mais a oferecer, em termos de história de vida e de retrato de uma época Alguns comentários afirmam que narrativa é tão surpreendente que é possível ler o romance de uma só tacada.

Fiquei morrendo de vontade de conferir. Quem mais se arrisca?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Afinidades na blogosfera

Preciso confessar que nunca fui muito fã de blogs, que custei a me render a essa febre toda e que o processo de decisão de entrar para o mundo da blogosfera e me tornar uma blogueira, por assim dizer, foi longo.

Lembro que ouvi falar de blog pela primeira vez em 2001, quando Márcia, uma amiga do trabalho, entrou para esse universo, criando então o A vida escrita à mão, uma espécie de diário on-line, que ela mantém até hoje. Em seguida, outros amigos foram construindo os seus blogs, mas admito que não cheguei a acompanhar nenhum deles. Nunca tive paciência para ler na tela do computador.

Há um ano, não sei ao certo, comecei a mudar de pensamento, e pela primeira vez admiti ser boa a ideia de criar o meu blog. Afinal, há muito só escrevia textos técnicos e me sentia travada para escrever assuntos mais leves, coisas de próprio punho, achava até mesmo que não seria capaz. Por isso, pensei seriamente na possibilidade, mas daí até partir para a ação propriamente dita levou mais um tempo.

Não queria simplesmente escrever sobre mim, sobre o meu dia a dia, como uma espécie de diário, não fazia sentido, não queria me expor dessa tal maneira. E também, interessaria a quem, não é mesmo? Precisava então pensar em um tema que gostasse muito e que fosse capaz de escrever, que rendesse posts.

Nesse meio tempo, xeretando pela Internet, no Google, em um dos assuntos que mais gosto – Livros e Literatura –, não sei porque “cargas d´água” descobri um blog que tinha tudo a ver comigo, que falava sobre essas paixões, com tanta informalidade, leveza e sinceridade que passei a acompanhar diariamente. Esse blog é Os Livros da Minha Estante, da Tathy Viana.

De tanto lê-lo acabei me entusiasmando, resolvi partir para a ação, centrei-me no tema livros e leituras, criei o blog e comecei a escrever, encontrando também o meu espaço na blogosfera. Só espero ter fôlego para continuar, assim como Tathy e tantos outros blogueiros que conheci então desde que fiz este blog.

Todas essas lembranças vieram à mente ontem, quando recebi de Tathy um e-mail que ela enviou aos seus leitores (prefiro essa palavra a seguidores) e também reproduzido em post no seu blog, com a notícia de que seu texto Caos, o Cachorro, foi o vencedor do Concurso Nacional de Literatura Prêmio João-de-Barro 2009.

Como ela explica, “o Prêmio João-de-Barro, dedicado a obras inéditas da literatura infantil e juvenil, é promovido desde 1974 pela Prefeitura de Belo Horizonte. Uma de suas peculiaridades é a formação de dois júris distintos, sendo um adulto, composto por três especialistas em literatura infantil ou juvenil, e outro integrado por 11 estudantes da Rede Pública de Belo Horizonte”. Tathy foi vencedora nas duas categorias e, além de um prêmio em dinheiro, terá o livro publicado e distribuído em todas as escolas municipais de Belo Horizonte.

Achei bacana e merecido. Por isso, quero deixar registrado aqui os parabéns a Tathy por essa conquista, que só vem coroar todo seu empenho e dedicação na divulgação do livro e da leitura. E também agradecer por me inspirar a escrever e a ler blogs, possibilitando ainda conhecer outros blogueiros, com os quais compartilho essa mesma paixão pelos livros e pela leitura.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Para falar de vidas

Quando o assunto é biografia, percebi que não li muita coisa do gênero até então. Não é que eu não goste, não é isso, é que talvez, por serem extensas demais – a maioria das biografias ultrapassa 400 páginas –, fui deixando para ler depois e quando me dei conta, acabei lendo muito pouco delas.

O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro, foi uma das que li. E, apesar de ter feito isso há um bom tempo e de não lembrar de muitas passagens, ficou registrada na minha mente e no meu coração como um dos mais belos trabalhos de reconstituição da vida de uma pessoa.

A história de Nelson Rodrigues é incrível, sofrida, inacreditável, mas também bela, comovente, emocionante. Me peguei várias vezes chorando entre uma passagem e outra, e ainda rindo, me encantando, aprendendo. Os diálogos e as cenas ali retratados são tão incríveis que muitas vezes chegamos a duvidar se realmente aconteceram, mas acredito que Ruy Castro, meticuloso e cuidadoso como ele é, não poderia ter inventado tudo aquilo. Foram centenas de entrevistas, com 125 pessoas, que conheceram intimamente Nelson e sua família.

Outra biografia que li, mas esta bem menor, em quantidade de páginas, foi Vlado – Retrato de um homem e de uma época, organizado pelo jornalista Paulo Markun. Na verdade, não sei se chega a ser considerada como uma biografia, mas faz uma boa reconstrução da vida de Vladimir Herzog, jornalista que foi preso, torturado e assassinado no Doi-Codi, em São Paulo, em 1975. Ao ler esse livro, fiquei perplexa com os horrores cometidos durante a ditadura militar e com a injustiça e a violência cometidas para com Vlado.

Acho que foram só essas duas que li.

Só?!?
Ontem, 1º de dezembro, ao pensar sobre o assunto, lembrei de mais duas, e uma delas por causa da coincidência da data. É que o 1º de dezembro foi escolhido como o Dia Mundial de Combate à Aids.

Qual a relação?

Bom, eu explico.

Lembro de ainda ter lido mais dois livros sobre a vida de duas personalidades, estas ligadas à música brasileira. Mas que na realidade não sei se poderiam ser consideradas como biografias, mesmo porque as duas obras fazem parte de uma série idealizada em 1996 pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e pela Secretaria Municipal de Cultura, e produzida em parceria com a Editora Relume Dumará. Trata-se da Série Perfis do Rio, da qual li Chico Buarque, escrito por Regina Zappa (já cheguei até a comentar neste blog), e Renato Russo, de Arthur Dapieve. Este último, como todos sabem, morreu por causa de complicações decorrentes da Aids, em 1996.

Renato Russo e sua Legião Urbana foram, para mim, aquilo que de melhor surgiu no cenário roqueiro da década de 1980 e da música brasileira. Ler sua história foi compreender a alma criativa, poética, brilhante, mas muito sofrida de um dos mais importantes nomes da nossa cultura.

O livro fala sobre sua família, a relação com esta, o início da sua trajetória pela música, suas influências, seus interesses, a formação da banda e a convivência com os integrantes, os shows, as músicas, o sucesso, a doença e a morte. Tudo tratado com muito cuidado e delicadeza para dar uma pequena dimensão de quem foi Renato Russo.

Para mim, no entanto, ficou a certeza de que muito mais do que o ídolo, naquelas páginas reconheci o ser humano, o homem, a pessoa que, semelhante a qualquer uma de nós, queria muito ser feliz. É impossível não se emocionar.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Objetos da memória

Sempre gostei de colecionar coisas, de guardar objetos, de anotar datas e acontecimentos. Desde um guardanapo de papel, um ingresso de cinema ou de show até uma carta de amigo ou ainda uma lembrancinha de aniversário ou de nascimento, tudo era motivo para eu guardar dentro do meu guarda-roupa ou das gavetas das cômodas. Sei lá, talvez fosse uma maneira de lembrar, de recordar, quem sabe um dia, de mostrar que aquilo foi importante para mim de alguma maneira, de resgatar o passado, de reavivar a memória. Enfim, era algo que fazia parte da minha personalidade, da minha maneira de ser e de pensar.

No entanto, confesso que joguei muitas coisas fora, infelizmente, que hoje lamento. É que de tanto guardar, os espaços foram ficando pequenos, apertados e até mesmo bagunçados, por isso tive de fazer uma limpeza geral, sem falar nas constantes mudanças e na necessidade de eliminar o que não era primordial. Isso me faz lembrar daquele tão famoso housekeeping (sistema originário do Japão, que visa a prática de bons hábitos dentro de uma empresa) centrado no lema organização, limpeza e disciplina.

Ainda assim, sempre tive uma certa resistência de me desfazer das coisas, porque afinal tudo é importante para mim e tem valor emocional e afetivo. Cartas de amigos, por exemplo, eram o meu maior xodó, isso porque quando tive de mudar na minha adolescência de São Paulo para Indaiatuba, deixei muitos amigos na capital paulista, com os quais me correspondia quase que semanalmente, por três anos seguidos. Porém, como demorei a me adaptar à nova cidade e à moradia, por sentir muita falta dos amigos e de São Paulo, um dia minha irmã chegou para mim e falou:

– Deixa disso, você só vive do passado. Esquece essas cartas.

E o que fiz então? Joguei tudo fora, como se dessa forma pudesse também me livrar daquilo que me prendia a uma outra vida e, assim, poder seguir em frente, acreditava eu. Só que jogando as cartas, joguei também uma parte da minha história, da história dos meus amigos e da história de uma época. Que pena!

Sábado, no curso de JL pude perceber isso com maior clareza, embora já há um bom tempo tivesse essa certeza dentro de mim. A aula foi sobre Biografias e um dos pontos-chaves para se escrever uma história, resgatando a memória, é por meio de objetos, cartas, fotografias, coisas que remetam ao passado da pessoa que se quer biografar. Para ilustrar isso, assistimos ao filme Uma vida iluminada, dirigido por Liev Schreiber, que foi baseado no livro Tudo se Ilumina, do escritor norte-americano Jonathan Safran Foer.

A história gira em torno de um rapaz americano, interpretado no filme por Elijah Wood (o Frodo, de O Senhor dos Aneis), que tem a mania de colecionar objetos. A parede do seu quarto (ou seria uma sala só para isso?), por exemplo, é forrada de coisas como fotografias, pedras, areias, insetos mortos, enfim, de inúmeros outros objetos, cada qual acondicionado dentro de sacos plásticos, com a data e o local do acontecimento.

Muito doente, sua avó lhe dá uma fotografia onde se encontram seu avô, quando jovem, ao lado de uma mulher de nome Augustine, que teria salvado sua vida na época do nazismo. Reparando melhor na foto ele observa que a jovem usa um colar de âmbar e reconhece o objeto no meio de sua coleção. Com a foto e o colar, ele empreende uma viagem até a Ucrânia para encontrar a mulher e é ajudado pelos moradores locais Alex, um jovem que serve de tradutor, mas totalmente atrapalhado com a língua inglesa, seu avô rabugento, assombrado pelas lembranças de guerra, e uma cadela vira-lata chamada Sammy Davis Jr. Jr., uma graça. Juntos, eles partem em busca do lugar retratado na foto e da mulher, e descobrem um país devastado, misturando sentimentos como paixão, medo e culpa.

A história, na verdade, pretende reconstituir o passado, procurando pessoas e lugares que não existem mais e mostra a necessidade de entender o presente à luz do passado. É um filme de poucas falas, com uma bela trilha sonora, estranho, delicado e comovente na medida certa.

Quanto à minha mania de colecionar? Bom, como disse, joguei muitas coisas fora, mas algumas eu guardei e não pretendo me desfazer delas. E, além do mais, é sempre tempo de recomeçar a coleção, agora mais motivada do que nunca.