terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Leituras na dor


Para os fãs da série Harry Potter, não é difícil imaginar a surpresa e o contentamento com que o bruxinho recebeu a carta de Hogwarts, avisando que ele havia sido admitido na escola de magia e bruxaria. É um dos grandes momentos da saga que todo pottermaníaco gostaria de vivenciar.
 
Apaixonada pela série, também sonho com essa sensação, como se fosse uma utopia. Quem sabe não é possível?! Pois é, ontem mesmo, por uma dessas coincidências da vida, pude sentir parte dessa emoção: acabava de pensar na felicidade que seria receber uma carta de Hogwarts quando meu celular tocou e ouvi uma boa notícia sobre os resultados de um exame que fizera e que estavam martelando na minha cabeça e angustiando meu coração. Eles foram bastante tranquilizadores e só faltei chorar. Recebi, dessa maneira, a minha carta de Hogwarts, sem dúvida, uma sensação maravilhosa.
 
Não é de hoje que a literatura acompanha minhas intempéries. Em 2002, por exemplo, quando precisei passar por um delicado e extenso tratamento de saúde, agravado ainda por um desemprego que durou um ano, duas leituras foram fundamentais para amenizar minhas aflições: O hobbit, de Tolkien, e a HQ Maus, de Spiegelman. O primeiro me fez viajar por um mundo diferente e o segundo para sofrimentos maiores do que os meus.
No final de 2007, após perder minha mãe, foi a leitura de Harry Potter e as relíquias da morte, de J.K. Rowling, que me ajudou a suportar a dor e seguir em frente. Já em 2012, quando o resultado desfavorável de um exame de endoscopia foi-me apresentado sem nenhum tato, a companhia de As travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa me serviu de conforto, ainda que não me recorde das páginas que lia no momento.
O desfecho dessa história, contudo, foi apaziguador. Meses depois, entre idas e vindas de consultórios médicos, fui tranquilizada por um prognóstico mais positivo. Acompanhava-me, naquela hora, a aventura infanto-juvenil Sombra, de Michael Morpurgo, que jamais vou esquecer.
Claro, nem só desencantos minhas leituras lembram, há momentos bons que foram marcados por obras inesquecíveis. O fato é que, nas horas difíceis e sombrias, os livros se tornaram companheiros consoladores, inseparáveis. E pra toda a vida.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A morte, por Ivan Ilitch



Toda vez que inicio a leitura de um livro sigo um ritual. Examino primeiro o objeto livro, sinto sua textura, manuseio seu interior. Depois leio a capa, a contracapa e a lombada, em seguida as orelhas, o prefácio, a dedicatória, as notas introdutórias – se tiver – e só então entro na história. Lido o livro, volto ao princípio e refaço o ritual, agora compreendo melhor o seu conteúdo.
O procedimento tem lá suas vantagens, porque fico sabendo, de antemão, alguma coisa sobre a história, ou daquilo que ela contém, ou ainda o que o autor quis passar. Além disso, somos brindados com interessantes informações, como a que vi no exemplar de A morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstói, publicado pela Editora 34, com tradução de Boris Schnaiderman.
Em sua contracapa há uma história curiosa a propósito do suposto processo de criação e publicação do livro. Por volta de 1883, Tolstói havia abandonado a arte e renegado toda sua obra anterior e resolvido se dedicar à vida espiritual. Ciente disso, o também escritor russo, Ivan Turguêniev, pouco antes de sua morte, teria escrito uma carta a Tolstói em que se dizia grato por tê-lo conhecido: “Faz muito tempo que não lhe escrevo porque tenho estado e estou, literalmente, em meu leito de morte. Na realidade, escrevo apenas para lhe dizer que me sinto muito feliz por ter sido seu contemporâneo, e também para expressar-lhe minha última e mais sincera súplica. Meu amigo, volte para a literatura!".
Se foi por causa do pedido de Turguêniev que Tolstói voltou à escrita não se pode precisar, com certeza, mas o fato é que o primeiro livro literário que ele escreveu ao retomar as letras foi A morte de Ivan Ilitch, publicado em 1886. Segundo Paulo Rónai, que assina o apêndice na obra, muitos críticos consideram-na como "a novela mais perfeita da literatura mundial; a agonia de um burocrata insignificante serve de pretexto ao autor para nos contar uma história que diz respeito ao destino de cada um de nós e que é impossível ler sem um frêmito de angústia e de purificação".
Com essa pré-leitura, foi com redobrado prazer que mergulhei na história. O enredo é simples, e fala sobre a morte do juiz Ivan Ilitch, sua vida antes e durante o período em que, acometido de uma doença no rim, vai sucumbindo até a morte.
A narrativa tem início quando os juízes e promotores ficam sabendo da morte de Ilitch, aos 45 anos e, aparentemente lamentando-a, já vão arquitetando e sonhando com o rodízio e as mobilizações de cargo que essa morte acarretará na esfera Legislativa.
Em seguida retrocede no tempo para conhecermos a vida de Ivan Ilitch, seus familiares, como se tornou juiz, seu casamento por interesse, os filhos que gerou, sua rotina no trabalho, as atividades que desenvolve, as cidades para as quais foi transferido.
Em uma dessas mudanças, ele adquire um apartamento e começa a decorá-lo. É quando sofre um acidente, machucando-se na região do rim que, a princípio, não dá atenção. Aos poucos começa a ter dores fortes, vai ao médico, faz exames, mas não consegue saber, com certeza, qual é o mal. Por fim começa a debilitar-se em um processo crescente, no qual vai questionando-se sobre a vida e a morte, o papel da família, da qual se sente distante:
Eu não existirei mais, o que existirá então?
Não existirá nada. Onde estarei então, quando não existir mais? Será realmente a morte?
Não, não quero.”... “Para quê? Tanto faz – disse a si mesmo, perscrutando a treva, os olhos abertos. – A morte. Sim, a morte. E nenhum deles sabe nem quer saber, e nem lamenta isso. Ocupam-se de música. (Ouvia, atrás da porta, distantes, o retumbar de uma voz, acompanhado de ritornelos). Para eles, tanto faz, mas também eles hão de morrer. Bobalhões. Eu vou primeiro, eles depois, hão de passar pelo mesmo que eu. E, no entanto, estão alegres. Animais!”. Sufocava de raiva. Teve uma sensação penosa, torturante, intolerável. Não podia ser verdade que todos estivessem condenados para sempre a este medo terrível. Levantou-se.
No entanto, encontra apoio no criado Guerássim, mantendo com ele um relacionamento amistoso, sem máscaras ou mentiras:
 
A partir de então, Ivan Ilitch chamava às vezes Guerássim, fazendo-o segurar os seus pés sobre os ombros, e gostava de conversar com ele. Guerássim fazia isto com leveza, de bom grado, com simplicidade e uma bondade que deixava Ivan Ilitch comovido. A saúde, a força, a vitalidade de todas as demais pessoas ofendiam Ivan Ilitch; somente a força e a vitalidade de Guerássim não o entristeciam, e sim acalmavam-no.
Apesar de tratar de um tema tão árido, quanto a morte e o significado da vida, aliás, obsessões na jornada de Tolstói, A morte de Ivan Ilitch tem um leveza na forma narrativa, cuja leitura se torna redentora. Enfim, uma obra essencial.
Lev Nikoláievitch Tolstói nasceu em 1828, em Iásnaia-Poliana. Um dos principais nomes da literatura russa, é autor ainda de Guerra e paz e Ana Karênina, entre outras grandes obras. De espírito inquieto e idealista, procurou reencontrar a caridade do cristianismo primitivo. Faleceu aos 82 anos de idade, na estação ferroviária de Astapovo, após fugir de casa para isolar-se em um mosteiro.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Tempo de Travessia

Sobre o anúncio da renúncia do Papa Bento XVI nesta semana, o padre da Paróquia São José do Maranhão citou, em sua homilia deste domingo, esses versos do poeta Fernando Pessoa...
Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado,
para sempre, à margem de nós mesmos.
 
Depois da perplexidade e da surpresa do primeiro momento, vejo que Bento XVI foi corajoso e ousado em sua decisão. Ele poderia simplesmente ter se acomodado, deixado tudo como está, mas com sua renúncia ele sacudiu a Igreja Católica, reconhecendo que mudanças precisam ser feitas frente a um mundo em constante mutação. Que novos tempos venham, e que a Igreja se renove, acertando seus passos rumo ao seu rebanho.
Afinal, é Tempo de Travessia

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Fascínio por listas


Fundamental forma de organização da informação, as listas fazem parte da nossa cultura e são utilizadas para ordenar as tarefas, atividades e a vida ao nosso redor. Para o escritor italiano, Umberto Eco, o ser humano tem obsessão pela classificação, utilizando-se, para tanto, da feitura de listas. Não é à toa que em uma de suas obras – A vertigem das listas (Ed. Record, 2010, 408 págs.), o assunto é particularmente esmiuçado, por meio da análise das diferentes formas de listagem criadas ao longo dos séculos.
 
Já em O Livro de Cabeceira, filme franco-britânico, de 1996, dirigido por Peter Greenaway, baseado no livro da escritora japonesa Sei Shōnagon, as listas servem para enumerar histórias da vida de Nagiko, a protagonista, bem como coisas que lhe agradam e, sobretudo seus amantes.
No meu caso, as listas fazem parte do meu cotidiano já há um bom tempo para ordenar coisas que quero fazer e comprar, viagens a planejar, aulas a cursar, presentes a dar, filmes a assistir, músicas para ouvir e, é claro, livros a ler. E neste item há algumas categorias que se subdividem em: lidos, a comprar, a emprestar, a pesquisar, a presentear e por aí vai...
Ultimamente – desde o final do ano passado pra ser mais exata – tenho me dedicado a elaborar a lista dos livros a ler neste ano, mas confesso que está difícil, pois estamos em fevereiro e ainda não cheguei a um consenso. Claro, isso não me impede de ler, e vou lendo, acrescentando um livro, tirando outro, deixando mais um pra depois, passando aquele outro na frente e assim por diante.
Nessa elaboração, já modifiquei milhares de vezes a minha lista e até cheguei a colocar cores diferentes nos títulos de livros de escritores brasileiros, portugueses, franceses, língua espanhola, alemães, japoneses, etc., de forma que eu leia autores de nacionalidades diferentes.
Além disso, como gosto muito de ir a bibliotecas e emprestar livros delas, embora tenha uma infinidade de títulos em casa me esperando, achei por bem destacar as obras que tenho de uma mesma cor, independente do país a que seus autores pertençam. Espero assim conseguir lê-los, intercalando-os com os que pego nas bibliotecas ou que os amigos emprestam.
Parece até coisa de maluco (quem sabem?) ou de quem não tem o que fazer, mas sinto um prazer enorme nessa tarefa, como se fosse uma terapia – seria ansiedade literária? Talvez. Acho que é por isso que a minha listagem não termine nunca. Sem falar que vou modificando-a ao meu bel prazer, sem me prender a uma norma rígida, guiando-me pelo momento e pelo interesse que um livro possa despertar naquele instante. Por falar nisso, lembrei-me de um título sugerido por um amigo... é acho que vou lá modificar minha lista, mais uma vez...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Carnaval com o poetinha

No ano em que se comemora o centenário de nascimento de Vinícius de Moraes, poeta e compositor, que também atuou como jornalista e diplomata, a Escola de Samba União da Ilha, do grupo especial do Rio de Janeiro, traz em seu enredo – Vinícius no Plural. Paixão, Poesia e Carnaval – uma homenagem ao poetinha.
 
 
A escola será a quarta a desfilar na Marquês de Sapucaí, no domingo, dia 10. Vale conferir, mas antes disso, deixo aqui minha singular homenagem ao poeta, lembrando um de seus sonetos, o...


Soneto de Carnaval (*)
 

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento

Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

 
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento

Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

 
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos

Para a grande partida que há no fim
 

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo

Que se um fica o outro parte a redimi-lo
 

* In “Antologia poética”, Livraria José Olympio Editora, 1981.