sexta-feira, 30 de abril de 2010

Abrindo a minha Caixa de Pandora

No último mês estive às voltas com leituras de Ensaio Pessoal. Queria compreender melhor esse gênero do Jornalismo Literário e, ao mesmo tempo, me inspirar para poder escrever um Ensaio Pessoal como trabalho de conclusão do curso da pós-graduação. Era um grande desafio e eu temia não ter fôlego para tanto.

Guardada as devidas proporções, acho que é mais ou menos como abrir a Caixa de Pandora, o mito grego no qual a existência da mulher e dos vários males do mundo são explicados. No caso do Ensaio, ele não são expõe os problemas, mas pensa sobre eles e os exorciza.
Ontem conclui o trabalho e o enviei para o meu orientador. Confesso que o resultado me surpreendeu. Falei sobre as adversidades que enfrentei em 2002, o ano em que perdi o emprego e descobri um câncer de mama. Foi o ano da minha reconstrução. Acho que consegui dar conta do recado, escrevi com honestidade e emoção, despi máscaras, pude refletir sobre acontecimentos que me marcaram e, ao fazer isso, sinto que me livrei de alguns fantasmas. Foi bom.

As aulas do curso e as orientações recebidas foram fundamentais nesse processo, mas admito que as leituras tiveram um peso extra, despertando ideias e encorajando a exposição. Além das técnicas, quatro livros foram meus guias nesse trabalho: Uma mente inquieta, de Kay R. Jamison, que já comentei no blog; O ano do pensamento mágico, de Joan Didion; Sobre Alice, de Calvin Trillin; e O lugar escuro, de Heloísa Seixas.

Apesar do comentário anterior, Uma mente inquieta é um livro que reúne memórias da pesquisadora de medicina em universidades sobre a doença maníaco-depressiva que a acometeu ainda na adolescência. Trata-se de um relato de como a doença afetou sua vida e da luta que empreendeu para controlá-la. No Ensaio, Jamison se expõe com uma sinceridade tocante, que mexe com a percepção que temos das doenças da mente.

Em O ano do pensamento mágico, a escritora Joan Didion narra e reflete sobre a morte inesperada de seu marido, já anunciada no início do texto:

“A vida se transforma rapidamente.
A vida muda num instante.
Você se senta para jantar,
e aquela vida que você conhecia
acaba de repente.
A questão da autopiedade”.

O texto de Didion é clássico, talvez o exemplo mais bem costurado de um Ensaio Pessoal. Tem narração, reflexão, diálogos, digressões, descrição. Ao expor sua surpresa e dor, ela busca compreender aquela morte, aceitar a perda, traçar o seu luto, prosseguir com a vida.

Sobre Alice, por sua vez, é um texto leve, embora centrado também no tema da morte. O jornalista Calvin Trillin fala sobre sua mulher Alice, morta em 2005, em consequência de problemas cardíacos ocasionados pelo tratamento ao qual se submeteu 25 anos antes por causa de um câncer no pulmão. Mais do que questionamentos e lamúrias, Calvin lembra momentos da vida da mulher, alguns com muito bom humor e de sua relação com ela, entremeando-os com a doença e consequente morte. São memórias rápidas de um homem ainda apaixonado.

O lugar escuro é a história de senilidade e loucura da mãe de Heloísa Seixas, jornalista e escritora. É um relato corajoso, no qual relembra, com riqueza de detalhes e minúncias, as fases de degradação de uma mente comprometida até a insanidade, os conflitos familiares, o relacionamento difícil com a mãe até chegar à compreensão e a paz de espírito.

E é exatamente essa a função do Ensaio Pessoal, um texto autobiográfico, que mescla narrativa e reflexão e de forte conotação pessoal. Ao esmiuçar uma passagem das nossas vidas, visando buscar sua compreensão e, ao mesmo tempo compartilhar experiências, acabamos expurgando nossas dores e medos. Foi exatamente isso o que senti ao terminar o meu.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sua excelência, o livro

Para homenagear o livro, este objeto que já me ensionou tantas coisas, que me levou para diferentes lugares, que abriu meus olhos para muitas experiências, que me fez chorar e sorrir ao mesmo tempo, que acalentou meus sonhos mais suspirados e que curou minhas mais profundas feridas, deixo aqui um vídeo que achei bem legal, de amor e de incentivo à leitura, no Dia Internacional do Livro e do Direito Autoral.

A data foi oficializada pela Unesco, em 1996, sendo festejada em mais de 100 países. A Espanha, desde 1926, já celebrava o livro na data da morte de Shakespeare e Cervantes. Na região espanhola da Catalunha, 23 de abril, é o dia de São Jorge, da rosa e do livro: o dia do padroeiro, do amor e da cultura. As mulheres recebem flores dos homens e retribuem, presenteando-os com livros.

Neste dia, vamos presentear – homens, mulheres, crianças, jovens e idosos – e nos presentear também com um livro. Ele tem papel transformador na vida das pessoas. Por isso, quem não lê, não sabe o que está perdendo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Salve o livro infantil

Quando eu cursava o primeiro ano do segundo grau, a professora de Português, na época, apresentou uma aula sobre literatura na qual falava da vida e da obra de Monteiro Lobato. A certa altura, ela perguntou a um dos alunos que parecia distraído, o que ele achava do escritor brasileiro...
– Não gosto – Ele respondeu.
– Por quê?
– A literatura dele é para crianças. Já não me interesso mais por ela.

– Pois saiba que Monteiro Lobato escreveu muito para adultos, mas desiludido com estes, resolveu se voltar para o universo infantil – Explicou a professora, deixando o aluno de queixo caído.
De fato, Monteiro Lobato, dono de uma obra composta por 34 livros, metade destes dedicados às crianças, pouco antes de morrer, em julho de 1948, teria desabafado:
– Perdi muito tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena.

Foi uma sábia decisão, porque a partir dela surgiu o mundo do Sítio do Picapau Amarelo, uma das principais obras da literatura infantil brasileira. Pela importância de seus livros infanto-juvenis, o dia do seu nascimento, 18 de abril, foi escolhido para ser o Dia Nacional do Livro Infantil, comemorado ontem.

Monteiro Lobato teve sua primeira obra voltada para o público infantil lançada em 1920. Tratava-se de A Menina do Nariz Arrebitado. Foi com este livro que ele inaugurou o Sitio do Picapau Amarelo e seus personagens.

O poeta Vinicius de Moraes disse, certa vez, que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Pois é, talvez tenha sido por causa de um desses desencontros que eu ainda não tinha lido um livro de Monteiro Lobato, nem da fase adulta, nem da fase infantil. Não que eu me lembre.

Na minha infância não havia essa oferta de obras para crianças que hoje existe. Lembro das histórias de Hans Christian Andersen, das fábulas de Esopo e de La Fontaine, dos contos de Charles Perrault e dos clássicos da Disney. De Monteiro Lobato não. Mas pelo menos esse lapso pode ser reparado, em parte, quando o Sítio do Picapau Amarelo foi adaptado para a televisão. Aí então, eu pude conhecer melhor o universo infantil criado por ele.

Era preciso, no entanto, ler os seus livros. Então, recentemente, peguei na biblioteca Emília no País da Gramática, que li com um prazer redobrado, seja pela literatura em si, seja pela referência a língua portuguesa.

A edição é antiga, então algumas palavras já caíram no desuso, ou como o próprio Monteiro Lobato descreve no livro: foram morar na cidade/bairro do Arcaísmo. Mas no geral, o básico da Gramática está lá e foi muito bom poder rever os verbos, suas conjugações com tempos e modos, os pronomes, os advérbios e tantos outros itens de uma forma bem descontraída. O melhor, porém, é a dinâmica da história e as trapalhadas da Emília, ela sim, a grande personagem do autor.

Para ir ao País da Gramática, Pedrinho, Narizinho, Emília e o Visconde são conduzidos pelo rinoceronte, apelidado de Quindim pela boneca. No início, admirados com a erudição do animal e com seu conhecimento da língua portuguesa, Emília lança um palpite bastante humorado para justificar a façanha:
– Para mim – sugeriu Emília – Quindim comeu aquela gramaticorra que Dona Benta comprou. Lembre-se que a bichona desapareceu justamente no dia em que Quindim dormiu no pomar. O Visconde tinha estado às voltas com ela, estudando ditongos debaixo da jabuticabeira. Com certeza esqueceu-a lá e o rinoceronte papou-a.
– Que bobagem, Emília! Gramática nunca foi alimento.
– Bobagem, nada!
– sustentou a boneca. – Dona Benta vive dizendo que os livros são o pão do espírito. Ora, gramática é livro; logo é pão; logo é alimento.
– Boba! – gritou a menina. – Pão do espírito está aí empregado no sentido figurado. No sentido material um livro não é pão de coisa nenhuma.
Emília deu uma gargalhada.
– Pensa que não sei que os livros são feitos de papel de madeira. Madeira é vegetal. Vegetal é alimento de rinoceronte. Logo, Quindim podia muito bem alimentar-se com os vegetais que se transformaram no papel que virou gramática.

São tiradas como essa da Emília que fazem a graça do livro.

Já dei o pontapé inicial na obra, agora é só seguir a trilha desse visionário, que enxergava oportunidades onde ninguém mais a via e apostava no livro como elemento de transformação. Contudo, ele acreditava que os livros, por si só, não mudam o mundo, mas sim as pessoas. A chave disso tudo é que “os livros podem mudar as pessoas”.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Perfil publicado

Em fevereiro deste ano, comentei no blog o trabalho que fiz para o curso que faço de Pós-graduação em Jornalismo Literário. Tratava-se de um perfil sobre o professor e jornalista Álvaro de Moya, considerado como um dos maiores estudiosos em histórias em quadrinhos no Brasil e organizador do livro Shazam!

Pois é, além de tirar uma nota boa, ainda tive a felicidade de ver meu texto publicado no site TextoVivo – Narrativas da Vida Real, da Academia Brasileira de Jornalismo Literário – ABJL, a instituição que oferece o curso.

E o que é melhor: o texto vem em destaque, já na página de abertura do site.

Se quiser conferir é só acessar o endereço:
http://www.textovivo.com.br/

E depois comenta o que achou do trabalho.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cora Coralina

A poesia é uma das formas de expressão artística mais democráticas que conheço. Por meio dela, letrados ou não, intelectuais ou sem instrução, homens ou mulheres, jovens ou maduros utilizam dessa linguagem para manifestar as mais profundas emoções e sensações sobre a vida e o universo.


Exemplo de sensibilidade poética é Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, ou melhor, Cora Coralina, mulher simples, doceira de profissão, que faleceu há 25 anos, deixando um legado considerável à poesia brasileira. Sua obra poética é rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, principalmente dos becos e ruas históricas de Goiás, estado onde nasceu.


Cora escrevia com simplicidade e sem conhecimento das regras gramaticais, por isso mesmo a sua poesia valorizava mais a mensagem do que a forma. O reconhecimento do seu potencial poético por Carlos Drummond de Andrade tornou Cora conhecida no Brasil todo.


O pseudônimo (Cora Coralina) foi adotado quando ela completou 50 anos, período no qual diz ter passado por uma profunda transformação interior, definida mais tarde como "a perda do medo". Poemas dos Becos de Goiás foi seu primeiro livro, publicado pela Editora José Olympio, em 1965, quando ela já tinha 75 anos.


Em 1976 escreveu Meu Livro de Cordel, e em 1983 lançou Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha (Ed. Global).


Dois anos antes de morrer, em 1983, Cora Coralina foi eleita intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira de Escritores.


Mais do que falar de Cora Coralina, vale ler e refletir sobre sua obra, como o poema “Saber viver”, transcrito abaixo:


Não sei... se a vida é curta...


Não sei...
Não sei...


se a vida é curta
ou longa demais para nós.


Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.


Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.


E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.


É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

No Mundo de Tinta

Em outubro de 2006, em uma comunidade sobre livros no Orkut, uma das integrantes citou uma obra com a qual se identificou de imediato, no exato instante em que a viu na estante de uma livraria.

O livro, contou Tex, chamou-lhe a atenção pelo nome gravado na lombada. Ela então o puxou e se encantou pela capa e disse que nem sequer o abriu, julgou a história pela ilustração e pelo título. Como era muito caro – afinal, era lançamento – não pode adquiri-lo na hora, então o procurou em um sebo pela internet e acabou comprando-o por um preço bem inferior.

Eram quase 400 páginas, mas que Tex leu em apenas seis horas, tão entretida que ficou pela narrativa. Depois de lê-la, disse ser aquela a história que desejava ter sido escrito por ela.

O livro? Bom... é Coração de Tinta, de Cornelia Funke, escritora alemã de literatura infanto-juvenil.

Quando li o post de Tex no fórum de discussão da comunidade, fiquei muito interessada e fui pesquisar o livro na internet. De fato, a capa era bastante sugestiva – e linda – e o título, muito sonoro. Imediatamente coloquei-o na minha lista, mas o tempo passou e não li. Quando em dezembro de 2008 foi lançado, no Brasil, o filme baseado no livro, tendo Brendan Fraser no papel principal, a obra foi reeditada, apresentando a capa com a imagem do cartaz do filme. Mas ainda não seria daquela vez que eu conheceria melhor a história, porque acabei não assistindo ao filme.

Quis o destino, porém, que Coração de Tinta viesse me cutucar mais uma vez. Sábado, dia 3, foi meu aniversário e, entre as surpresas reservadas para mim no dia, ganhei dos meus sobrinhos e da minha irmã o livro de Cornelia Funke, e o que é melhor, com a capa original, aquela que tanto encantou Tex em 2006.

Agora não tem desculpa, o livro alcançou o topo da minha lista, será uma das próximas leituras que farei e estou bastante ansiosa para começar, só não faço de imediato porque tenho de terminar outras leituras, por causa do meu TCC do curso da pós.

E sabe o que descobriu ainda? Que Coração de Tinta faz parte de uma trilogia, intitulada “Mundo de Tinta”. É o primeiro da série, seguido por Sangue de Tinta e Morte de Tinta. Os dois primeiros títulos já foram publicados no Brasil, apenas o último é que deverá ser lançado no segundo semestre deste ano, pela Companhia das Letras.

A trilogia trata de livros e de leituras e das consequências advindas se porventura personagens de um livro entrassem para o mundo real do leitor, misturando heróis e vilões.

A autora, Cornelia Funke, nasceu em 1958 e tornou-se escritora de best-sellers por acaso, na década de 1980. Ela começou como ilustradora de livros infantis (isso me lembra a minha amiga Simone, quem sabe ela não se aventure pelo mesmo caminho), formou-se em Pedagogia e na área de ilustração de livros. Mas o reconhecimento internacional só veio em 2000, com a publicação de o Senhor dos ladrões. Hoje, os livros dela são traduzidos em mais de 40 línguas. Chegou até a ser apelidada de "Joanne K. Rowling alemã", em referência a autora de Harry Potter, em razão do seu sucesso.

A literatura infanto-juvenil nunca esteve tão em evidência e em tão boas mãos. Sorte dos mais novos, mas sorte dos adultos também, que podem se deliciar com essas aventuras fantásticas e deliciosas, e sobretudo edificantes.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Impresso ou digital - a discussão apenas começou



As novidades são sempre boas, mas assustam, no início. Por vezes encontram resistência, são vistas pelo canto do olho e muitas demoram a emplacar. Com a exposição contínua, no entanto, aquilo que no princípio parecia estranho, torna-se corriqueiro e plenamente aceitável com o passar do tempo. Será que com o livro digital será assim, também? É o que tudo indica, e o vídeo acima, veiculado pelo Youtube, é uma pequena mostra disso por espelhar bem essa situação, fazendo um paralelo entre o mundo medieval e o pós-moderno.

Tomei conhecimento do vídeo, da TV norueguesa, veiculado pelo Youtube (veja endereço acima) na apresentação de Fredric Michael Litto, coordeanador científico da Escola do Futuro (USP) e presidente da Abed – Associação Brasileira de Educação a Distância, durante o 1º Congresso Internacional do Livro Digital, realizado de 29 a 31 de março, em São Paulo, uma promoção da Câmara Brasileira do Livro em parceria com a Frankfurter Buchmesse e a Imprensa Oficial.

Embora não tenha tido contato, ainda, com o livro digital, já comentei no blog a minha preferência pelo livro impresso, mas não posso negar que as tecnologias são bem-vindas e devem ser difundidas, mesmo porque há espaço para todos. Por isso, fiz questão de acompanhar, na medida do possível, alguns debates desse congresso, que, sem dúvida, é um marco na trajetória editorial do Brasil.

Na abertura do evento, Juergen Boos, presidente da Feira do Livro de Frankfurt, destacou a importância da seleção do conteúdo, sobretudo agora com o livro digital. Disse ainda ser necessário “tentar e ousar no mundo digital, mesmo que enfrente dificuldades no início”, e enfatizou que “livros são experiências que transcendem o papel e que hoje a distribuição não é mais uma barreira, pois você pode vender um livro diretamente para uma pessoa do outro lado do mundo". Mas fez questão de ressaltar que “a leitura amplia horizontes, alimenta o raciocínio, muda a vida, forma cidadãos”.

Dividindo a mesa “O Livro do Futuro” com Anibal Bragança (coordenador do Núcelo de Pesquisas sobre Livro e História Editorial no Brasil/UFF), Cláudio de Moura e Castro (economista e colunista da Revista Veja) e Sérgio Valente (presidente da DM9DDB), Frederic Litto, que trouxe o vídeo “Helpdesk Medieval”, falou na sua apresentação que não há, ainda, um padrão dominante para livros digitais e que textos digitais gratuitos ou baratos crescerão, mas não os textos que precisam de intervenções, como as traduções. Todos, na mesa, foram unânimes em apontar a necessidade do livro se reinventar.

Na plateia, eu assistia a tudo impassivelmente, como se a realidade do livro digital ainda fosse algo bem distante da minha. Quando Cláudio de Moura e Castro começou a falar, no entanto, meus temores sobre a era digital se acenturam. Pela primeira vez ouvi alguém discutir não apenas filosofias, como gostar ou não do livro digital, preferir ou não o livro tradicional, mas apontar a questão econômica como um fator que impulsionará a difusão dessa tecnologia. E, embora mostrasse dados referentes ao mercado norte-americano, sobretudo com relação ao livro didático, Moura disse que o governo de estados como Califórnia, Flórida, Texas e Maine estão seriamente dispostos a adotar o livro digital nas escolas. A crise de 2008/2009 ainda não foi totalmente superada por lá.
Pesquisa
Outro dado interessante trazido ao evento foi a Pesquisa sobre o Hábito do Consumidor de Conteúdo Digital no Brasil, realizada pelo Observatório da Leitura, em parceria com a Câmara Brasileira do Livro e a Imprensa Oficial. Apresentada por Galeno Amorim (diretor do Observatório do Livro e da Leitura) e Maurício Garcia (diretor do Centro de Estudos e Pesquisas do Observatório do Livro e da Leitura), a pesquisa apontou que "o Brasil tem 95 milhões de leitores, sendo que cada brasileiro lê em média 4,7 livros por ano. Um total de 77 milhões não têm hábito de ler livro algum. Em relação a livros digitais, 3% disseram já ter tido acesso.

Uma outra pesquisa sobre conteúdo digital foi realizada com um grupo de leitores de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. Esses leitores, de 16 a 40 anos costumam frequentar livrarias e pertencem as classes A e B. Eles consideram a livraria o principal canal de distribuição e gostam muito de Megastores. As mulheres costumam comprar por impulso enquanto os homens pesquisam o preço nas livrarias para depois decidirem pela compra no local ou pela internet. A princípio, o livro dentro de um computador ou notebooks foi rejeitado por problemas com luminosidade, bateria, dificuldades para anotações e impressão.

Quando foi apresentado um e-reader, a maioria dos entrevistados achou o aparelho leve, fácil de operar, com bom apelo ecológico e boa capacidade de armazenamento. Mas disseram que não comprariam por enquanto, porque outros irão surgir nos próximos meses, com muito mais aplicativos.
Com relação à pergunta: Você pretende comprar livros digitais? Quase a totalidade dos entrevistados respondeu que NÃO. A principal alegação foi a de que o que está na internet é gratuito. Assim como com as músicas, a opção será baixar de algum lugar. Os entrevistados disseram que só comprariam livros digitais, se as editoras apresentarem novos atrativos".

O congresso contou ainda com a participação de outros palestrantes nacionais, como Guy Gerlach, Silvio Meira, Marcílio Pousada, Hubert Alquéres e Jorge Carneiro, além dos internacionais, como Jeff Gomez, Calvin Baker, Patricia Arancibia, Arantxa Mellado, Michael Smith, Diane Spivey e Pablo Francisco Arrieta. Este último, lembrou que ninguém vai matar o livro e que lutará até o fim da vida por ele. “Mas, agora, o leitor é dono do universo e pode fazer coisas incríveis. Os impressos deverão ficar mais bonitos para concorrerem com os digitais”.

As plataformas podem ser diferentes, mas sobreviverão juntas por muito tempo ainda.

* A foto é de Cleo Velleda.