quarta-feira, 30 de junho de 2010

Perdido na multidão



Este é um post que eu já queria ter escrito, mas só agora consegui.

Na década de 1980 decidi presentear Fernando, meu sobrinho, que então era apenas um garotinho, com um livro de atividades. Na época, a grande novidade era uma obra infanto-juvenil que tinha como personagem um rapazinho de óculos, vestido sempre com uma camisa listrada em vermelho e branco e um gorro das mesmas cores, tendo na mão uma bengala. Seu nome? Wally, protagonista da série Onde está Wally?, do ilustrador britânico Martin Handford.

O livro, de formato grande, é baseado em pequenos textos e muitas ilustrações que ocupam, geralmente, a página inteira. Nelas encontra-se o viajante Wally e seus pertences – livros, sapatos, equipamentos de acampamento – em algum lugar do mundo, quase sempre países exóticos, e a ideia é encontrá-lo no emaranhado de gente, objetos e paisagens ao seu redor.

A princípio, meu sobrinho adorou o livro tipo esconde-esconde, mas depois de folhear – e achar Wally (o primeiro volume é bem fácil) – nas 26 páginas da publicação, ficou meio que frustrado por que a brincadeira se encerrara. Foi quando percebeu que ainda havia muito a explorar nas coloridíssimas ilustrações. No livro há instruções e uma lista de companheiros de viagem de Wally e vários objetos seus perdidos e escondidos nas páginas para serem encontrados, fazendo com que o desafio seja maior.

Wally então virou mania, tornando-se o passatempo predileto de crianças e adultos, incluindo eu. Outros volumes foram lançados na sequência e, além deste de capa azul Onde está Wally?, comprei para Fernando mais três: Onde está Wally? 2 - Um Passeio na História; Onde está Wally? 3 - Uma Viagem Fantástica; e Onde está Wally? 4 - O Livro dos Jogos. Pensando bem acho que comprei outros títulos ainda, mas não me recordo.

Com o passar do tempo, a busca por Wally diminuiu, o que é natural por causa de outros lançamentos e modismos, embora acredite que ela nunca parou por completo. E toda essa história ressurgiu quando li, há um tempo, que a Editora Martins Fontes havia lançado, este ano, o livro Onde está Wally? - A Mais Completa Coleção de Viagens, que reúne os cinco volumes já lançados em apenas um. O formato é diferente dos anteriores, bem menor, o que significa que a busca por Wally será mais complicada, já que ele também aparece em versão menor. Por outro lado, facilita o manuseio e o deslocamento do livro para qualquer lugar.

Ainda não conferi essa nova edição, mas estou ávida para conhecê-la e, quem sabe, adquiri-la. Aqueles volumes que dei ao meu sobrinho estão em casa, amarrotados, empoeirados e até com as lombadas desfeitas pelo constante manuseio. E ainda escondidos, em algum lugar secreto no quarto do Fernando, desejosos, penso eu, de serem reencontrados, quase 25 anos depois. E Wally também.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O adeus de Saramago

Salinger. Mindlin. Saramago.
Por mais paradoxal que possa parecer, a literatura está ficando cada vez mais órfã.

Só neste ano, que eu lembre, três grandes pilares literários partiram. José Saramago, o último deles, morreu na sexta-feira, dia 18.

Fiquei sabendo pelo noticiário da televisão, à noite, quando cheguei em casa, depois do trabalho, e mal pude acreditar no que as manchetes dos telejornais diziam. Perguntei diversas vezes à minha irmã se havia escutado direito e a confirmação veio no bloco seguinte, quando as palavras, aliadas às imagens, não deixaram dúvidas. Foi um duro golpe.

Não sei ao certo o que senti, era um misto de surpresa e perplexidae; de vazio e de atordoação. Sabia da importância de Saramago e do quanto a literatura perderia com a sua morte, mas, ao mesmo tempo, havia toda uma obra deixada pelo autor de Ensaio sobre a Cegueira, entre outros grandes livros, uma vida inteira construída no saber literário e o paraíso que era sua biblioteca e que o envolveu até o velório, para uma última despedida. Tudo isso irá permanecer, com certeza, de geração em geração, para todo o sempre.

É como Saramago bem descreve no poema:


"Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou a roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste".

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Inspiração


Nelson Mandela é um homem impressionante, extraordinário mesmo, que suscita admiração e respeito por onde quer que vá. Quando ele foi libertado, em 1990, depois de ficar 29 anos aprisionado em Robben Island, na África do Sul, lembro que estava em casa assistindo ao noticiário com o meu pai, quando a certa altura, entre contentamento e compaixão, ele comentou:

Finalmente Mandela foi libertado, mas é uma pena que isso só aconteceu agora, porque ele já está com mais de 70 anos. Isso significa que a maior parte da vida ele a passou encarcerado.
– Mas ele etá livre e isso é o que importa – retruquei.

Hoje, passados 20 anos daquele episódio, Mandela continua entre nós. Prosseguiu com seu sonho, foi presidente da África do Sul, lutou para acabar com a segregação racial, ganhou um Prêmio Nobel da Paz, entre outras distinções, e está vendo seu país sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2010. O tempo e a idade, para ele, não foram obstáculos.

Sábado, nesse clima todo de campeonato mundial, assisti ao filme Invictus, dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Morgan Freeman, no papel de Nelson Mandela. A trama se passa em 1994, pouco depois de Mandela assumir a presidência da República e constatar que a África do Sul continuava sendo um país racista e economicamente dividido. Com a proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, que pela primeira vez seria realizada no país, Mandela resolveu utilizar o esporte para unir a população. Para essa empreitada, ele incentivou François Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, a trabalhar para que a seleção nacional fosse campeã.

O episódio, que originou o filme, foi inspirado no livro-reportagem do jornalista John Carlin, Conquistando o Inimigo, que mistura histórias do apartheid com o processo de democratização do país, liderado por Mandela.

Uma das cenas mais marcantes do filme é quando Mandela fala a Pienaar sobre um poema que o inspirava na prisão nos dias em que se sentia deprimido. Trata-se de Invictus, escrito em 1875 pelo poeta britânico William Ernest Henley, que Mandela lia e relia em Robben Island para manter a esperança e a sanidade.

Vaculhei pela internet – não foi difícil – até encontrar o poema, que reproduzo aqui traduzido. As palavras, carregadas de metáforas, não poderiam ser mais significativas e profundamente inspiradoras.
Invictus

Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu – eterno e espesso,
A qualquer deus – se algum acaso existe,
Por mi´alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei – e ainda trago
Minha cabeça – embora em sangue – ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda – eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

The doctor Jack

Já tive a oportunidade de comentar neste blog sobre a Terapia Mediada por Animais, técnica interventiva e/ou terapêutica em que se utiliza o animal – cão, gato, pássaro, cavalo – como auxiliar no tratamento de pacientes. Os efeitos desse método são comprovados por pesquisas que apontam a convivência entre seres humanos e animais como extremamente benéfica, reduzindo problemas cardíacos e promovendo uma melhor e mais rápida recuperação, além de proporcionar momentos de entretenimento e de alegria para pacientes e familiares.

Poís é. Ontem tive a grata surpresa de ver uma notícia na internet, em meio a tantas outras sobre copa do mundo, política, economia, violência, pedofilia, que remetia àquele trabalho e que foi um bálsamo reconfortante nesse turbilhão de matérias nem sempre animadoras. A Clínica Mayo, primeiro e maior centro de medicina integrada do mundo, localizada nos Estados Unidos, vem utilizando a "cachorro-terapia" na reabilitação de pacientes.

O cão terapeuta trata-se de um pinscher, de nove anos, cor caramelo, pertencente a uma das funcionárias da clínica que, aos poucos, tornou-se parte integrante da equipe. Chamado de Dr. Jack, o cão faz de oito a dez "consultas" por dia, auxiliando e interagindo com pacientes em reabilitação, além de aliviar o estresse e a ansiedade ocasionados pelo ambiente hospitalar.

O sucesso do cãozinho é tanto que a direção da clínica lançou um livro infantil – Dr. Jack the Helping Dog –, contando as aventuras do Dr. Jack no centro médico. Escrito por Matt Dacy, o livro é ricamente ilustrado por Bob Morreale, ambos funcionários da clínica. Acima, a capa do livro. Lindo, não?
Infelizmente, a publicação é comercializada somente nos pontos de venda de cada campus da Clínica Mayo (Arizona, Flórida e Minnesota). Se estiver interessado no livro, entre em contato com a Clinic Mayo Stores (1-888-303-9354 ou mayoclinicstore@mayo.edu).

O trabalho do Dr. Jack é semelhante àquele realizado em muitos hospitais e entidades assistenciais pelo Brasil. Só para ficar em dois exemplos, no Hospital São Paulo, na capital paulista, Joe Spencer (o cão que citei no post de 22/02/2010 e que tive a felicidade de acompanhar), visita semanalmente a ala infantil e psiquiátrica da instituição. Mas há, ainda, o trabalho empreendido pela psicóloga e veterinária Hannelore Fuchs, introdutora da Terapia Mediada por Animais no Brasil, fundadora da Associação Brasileira de Zooterapia – Abrazoo e criadora do Projeto PetSmile, que promove visitas quinzenais ou mensais de animais (cães, gatos, coelhos, tartarugas, hamster e até peixinhos) e voluntários às instituições que trabalham com crianças ou portadoras de deficiências físicas e mentais.

A convivência entre homens e animais existe desde os primórdios da criação. Contudo, foram necessários anos de experiência e conhecimento para que a humanidade descobrisse o verdadeiro valor desses parceiros na terapia para tratamento de doenças físicas e da alma. Que os animais estejam presentes cada vez mais nas nossas vidas.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Médico de homens e de almas

Título é tudo em um texto. É por meio dele que a pessoa travará o primeiro contato com a narrativa e, se form bastante atrativo, pode conquista o leitor de imediato. Por outro lado, se o que se segue a ele não for bom o suficiente, a estratégia inicial acaba seno inócua. Isso até me faz lembrar de um post sobre o filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, dos cineastas Marcelo Gomes e Karim Aimouz, que li hoje no blog Narrativas e Divagações, da Erika Pereira. ela diz que foi ver o filme pelo título, mas que acabou se decepcionando com o desenrolar da trama, que não explicou a que veio afinal. É, isso acontece.

Mas, o que tudo isso tem a ver com o título que escolhi para abrir este post, afinal? Bom, eu chego lá. É que ele tem relação com aquilo que vou contar, ainda que à primeira vista possa parecer que eu queira falar sobre o livro da escrítora britânica Taylor Caldwell, que tem o mesmo título e narra, de maneira emocionate, a vida de São Lucas, um dos apóstolos de Jesus Cristo. Só a título de curiosidade, a autora levou 46 anos para concluir o texto dessa que seria a sua obra-prima.

Ontem, quando passei pelo ortopedista para uma consulta sobre problemas na minha coluna, o médico, jovem por sinal, me surpreendeu, ao me indagar, quando soube qu eu sou jornalista:
Então, você gosta de ler?
– Se eu gosto de ler? – Fiquei confusa, pois não esperava pela pergunta. – Sim, gosto muito.
– E você deve ler de tudo, não?
– Leio muitas coisas.
– Eu também gosto de ler. Sempre antes de dormir eu leio um pouco. Domingo mesmo terminei um livro, daquela autora de Médico de Homens e Almas, como é mesmo o nome dela?
– Sim, Taylor Caldwell.
– Isso mesmo e agora peguei este outro para ler – disse o médico, erguento um exemplar de O Acerto Final, de Sam Bourne, pseudônimo do premiado jornalista inglês Jonathan Freedland.
– Ah, esse eu não conheço.
Ler expande os horizontes, traz conhecimento sobre várias coisas e as pessoas e a gente aprende a escrever melhor.
– Que bom um médico pensando assim.
– É que minha mãe sempre incentivou a leitura em casa.

Falamaos ainda mais um pouco sobre livros e depois a consulta continou, com solicitação de exames e prescrição de receita. Quando já ia saindo, ele novamente me surpreendeu arrematando:
– E eu sou contra o livro digital.
– Eu também – respondi.
– Essas coisas de tecnologia eu não entendo muito bem. (Bom, na verdade não sou contra, apenas prefiro o impresso).

Achei graça em tudo aquilo e queria ser simpática, mas vibrei por dentro ao saber que profissionais da saúde buscam na literatura um universo maior para a compreensão do humano. Pensando nisso, lembrei que em 2007, fiz uma matéria sobre as atividades do Laboratório de Humanidades, da Unifesp 0 Universidade Federal de São Paulo, na Vila Mariana, onde semanalmente um grupo de 25 alunos da graduação e pós-graduação da área da Saúde se encontram para falar de Literatura.

O grupo é coordenado por Dante Marcello Claramonte Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Unifesp, e Rafael Ruiz, professor do curso de História do campus de Guarulhos. As atividades tiveram início há sete anos, aproximadamente, para dar continuidade às aulas das disciplinas de Literatura, História e Cinema, dos cursos de graduação em Biomedicina, Enfermagem e Medicina da universidade.

"O objetivo é resgatar o lado humano do profissional da saúde e valorizar as relações do médico com o paciente, do cientista com os aspectos morais e éticos da Ciência e do profissional consigo mesmo", Dante me explicou na ocasião da entrevista. Para ele, apesar de toda a tecnologia e da evolução de Medicina, que contribuem para salvar vidas, "os profissionais da saúde continuarão enfrentando limitações e dificuldades que exigirão mais do que o conhecimento científico-tecnológico para que possam ser superadas. Daí a importância de uma (re)humanização da medicina, de se desenvolfer e fornecer recursos humanístocos para o processo de formação e de atuação do médico e dos cientístas da saúde em geral".

O Laboratório de Humanidades é uma atividade essencialmente acadêmica, mas é aberto à comunidade. Eu mesma tive a oportunidade de participar desses encontros, primeiro como jornalista, depois como integrante do grupo. Nessas oportunidades, discutimos dois livros: Frankenstein, de Mary Shelley, e Sonho de Um Homem Ridículo, de Dostoiévski.

Nesses encontros não é contada a história do livro, mas sim a história de leitura, ou seja, a maneira como o livro foi lido e quais os sentimentos, as impressões, os afetos despertados durante aquela leitura. Primeiramente são discutidas ideias e, numa segunda etapa, questões mais filosóficas do livro. É bem interessante. Pena que não pude mais continuar por problemas de horários.

Não queria me estender tanto, mas achei que o assunto merecia uma reflexão maior. O livro e a sua leitura não se restringem apenas a um grupo de intelectuais da área de Humanas. eles são universais e abertos a todo aquele que se dispuser a dedicar parte de seu tempo e de sua vida a essa grande aventura que é a literatura.

Acho que no final, o título caiu bem, mesmo porque aquele médico ortopedista citou ele.
Se quiser saber mais sobre as atividades do Laboratório de Huamnidades, acesse

* A imagem acima é reprodução da matéria sobre o Laboratório de Humanidades, que fiz para a revista Saúde Paulista, da Unifesp, em dez./2007.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Homens literários

Quinta-feira. Feriado Corpus Christi. Estava no metrô, rumo à Vila Mariana, para checar as provas da revista que faço e que chegariam da gráfica até o meu trabalho. Pois é, vida de jornalista é assim mesmo. Não tem feriado, final de semana, horário. Quando se trata de fechamento ou cobertura a gente tem de estar disponível. Esta é a nossa sina.

Enfim... estava sentada naqueles bancos laterais do trem e totalmente distraída, quando minha atenção se voltou para uma figura elegante, esbelta, esguia à minha frente. Em pé, meio de perfil, meio de costas, um rapaz segurava com uma das mãos aquele gancho de metal prateado que fica no teto do vagão (não sei como se chama), enquanto na outra mão encontrava-se um livro aberto sendo devorado pelos seus olhos.

Olhei de relance, depois mais demoradamente. Não consegui ver direito o rosto do rapaz, que usava um óculos de aro preto, mas sinceramente, estava prestando mais atenção ao conjunto todo. Alto, muito alto, ele não era gordo nem magro, estava no ponto, como se costuma dizer. Vestia um suéter e uma calça jeans cinza, completados por um par de tênis preto. Os cabelos eram curtos, castanhos e sua atenção estava toda voltada para o livro, de forma que ele não percebeu que eu o examinava detalhadamente.

E, quanto mais via, mais eu queria olhar, pensando dentro de mim: "Meu Deus, que homem é este? De onde surgiu?". Ele era extremamente comum, devia ter provavelmente uns 27 anos, um pouco mais talvez, mas o todo era harmonioso, até que me surpreendi com a lembrança: "Já sei, ele se parece com o Brendan Fraser, um pouco mais novo, é verdade. Mas é o Brendan Fraser".

Essa lembrança talvez tenha a ver com uma leitura recente que fiz de Coração de Tinta, o livro de Cornelia Funke que foi adaptado para o cinema com o mesmo título e estrelado por Brendan Fraser. Acho que a figura do ator ainda deve estar povoando a minha mente, por isso a analogia. Pode ser isso, mas sei que quanto mais olhava para ele, mais achava que se parecia com o ator.

Enquanto matutava tudo isso na cabeça, o rapaz se moveu lentamente até a porta, contrária ao lado onde eu estava, de forma que ainda não conseguia ver seu rosto totalmente, apenas parte dele. Foi quando resolvi olhar para o livro que ele lia atentamente e saber qual título era. Mas quando chegou à estação Ana Rosa, ele fechou o exemplar, a capa ficou virada para o interior da sua mão e eu não pude ler, apenas percebi que era um livro grosso, de capa vermelha e pensei naqueles que conhecia com essas características: Anjos e Demônios, O Código da Vinci, Marley & Eu... bom, não parecia nenhum deles.

Ao parar na estação, enfim a porta se abriu e ele se foi, deixando uma desolação no ar, privando-me da sua bela presença e, ainda por cima, deixando-me curiosa para saber que tipo de leitura seduz um homem com ele.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Lembranças literárias

Sempre costumo dizer que a hora do almoço é a melhor hora do dia quando se está trabalhando. É que atuei muito tempo em uma empresa em que o ar-condicionado era colocado no mínimo no verão, fazendo com que as pessoas ficassem congeladas lá dentro. Então, eu ansiava pelo horário de almoço para poder sair e me aquecer ao sol do meio-dia.

Hoje, graças a Deus, na empresa onde trabalho o ar pode ser controlado e, depois, estamos em uma época mais fria, de forma que o esfriamento do ambiente não se faz necessário. Mas, mesmo assim, continuo ansiando pela hora do almoço, seja pela fome, seja para trocar ideias com colegas de trabalho.

Particularmente hoje, a conversa no restaurante me levou até à minha infância. É que, conversando com Cris sobre a filha dela, a pequena Carolina, de oito anos, indaguei se a menina gostava de ler.
– Nossa, e muito – Ela respondeu. Sempre antes de dormir Carolina pega um livro para ler. E olha que não é um livrinho, desses pequenos e ilustrados, é livro com histórias e conteúdos.
Puxa, que legal – respondi.
É, eu acho bom, por isso sempre compro livros para ela. Digo para não me pedir brinquedo, mas se for livro eu compro mesmo.
– E o que ela lê?
– Ela já leu Harry Potter e gosta de clássicos infantis, Calvin & Haroldo e de Diário de um Banana. Mas também lê Ruth Rocha na escola.

Fiquei pensando nisso depois. Se Carolina, ainda tão pequena, já desponta ser uma grande leitora, todo um universo se abrirá para ela em pouco tempo. E lembrei que eu comecei muito tarde, mas não por falta de incentivo. Meu pai sempre estava lendo, comprava livros e enchia nossa casa de informação. Tínhamos aquela coleção de Clássicos Disney e tudo o mais. Mas lembro que livro mesmo eu só comecei a ler aos 11 anos, quando estava na 5ª série. Foi uma leitura obrigátória – A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Depois dessa, outras surgiram, geralmente por conta da escola, como O Principe Feliz e outros contos, de Oscar Wilde, e A Tulipa Negra, de Alexandre Dumas.

Por essa época, em uma das férias que passei em Piracicaba, onde morava um tio e amigos, li Tistu, o Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon, um romance infanto-juvenil que conta a história de um menino que ao tocar com seus dedos em algum lugar, tudo ficava verde e alegre. Foi uma leitura prazerosa, que me prendeu do início ao fim, tal o encantamento que senti com a narrativa.

Mas foi somente aos 15 anos, quando Fogo Morto, de José Lins do Rego me foi recomendado, é que minha veia literária pulsou mais forte. O romance é a obra-prima do autor e conta, de forma lírica e com linguagem regionalista a decadência dos engenhos de cana-de-áçúcar. A obra traz a história de três personagens: Mestre José Amaro, Coronel Lula de Holanda e Capitão Vitorino, uma espécie de Dom Quixote, considerado como o personagem mais bem construído da literatura brasileira.

Na época, essas histórias regionalistas, que falava de recantos longínquos do país, me fascinavam muito – e ainda fascinam. Depois dele li Menino de Engenho, Doidinho, Banguê, Usina e O Moleque Ricardo, todos de José Lins do Rego, e ainda Vidas Secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Música ao Longe, de Rachel de Queiroz, todos na mesma linha. E não parei mais.

Aos poucos vou colocando a leitura em dia, lendo uma variedade de gêneros, tentando recuperar o tempo em que o objeto livro ainda não havia fincado suas garras na minha pele, se misturando ao meu sangue e alimentando a minha alma. Por isso, vez por outra me pego em uma leitura infanto-juvenil e dos clássicos, que me encantam sempre.

Só espero que as novas gerações comecem cedo, se aventurem o quanto antes pelas páginas dos livros, ampliem sua imaginação, aprendam com as múltiplas leituras, tornem-se críticas e, assim, possam transformar a vida e o mundo.