quarta-feira, 30 de abril de 2014

O amante

Quando comecei a ler O amante (L`Amant), obra de Marguerite Duras, era 3 de abril, dia do meu aniversário. E, de cara, me deparei com um começo arrasador, que aludia à data em questão:

Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: “Eu a conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado.

Nada mais propício para se ler no dia do aniversário, data em que estamos mais suscetíveis – e sensíveis - à passagem do tempo, constatando em nosso corpo as marcas e os desgastes dos anos. Foi como um alento, uma massagem no ego, um bálsamo reconfortante que li essas frases, pensando no conforto que a boa literatura proporciona nos momentos mais cruciais da nossa vida.

Já no dia seguinte, outra data também seria lembrada, esta bem mais significativa e universal: os 100 anos do nascimento da escritora, que nasceu em Gia Dinh, na Indochina (hoje Vietnam), onde passou a infância e a adolescência, e cuja paisagem teve influência fundamental na sua vida e obra.

Criada pela mãe (o pai morreu quando tinha quatro anos), ao lado de seus dois irmãos, Marguerite teve, na adolescência (tinha 15 anos), um caso com um homem chinês rico, 12 anos mais velho, uma história intensa e decisiva que se tornou o cerne para o livro O amante. Na trama, ela ainda fala da difícil relação com a mãe, do amor ao irmão mais novo e das diferenças com o irmão mais velho, além das dificuldades enfrentadas no dia a dia.

O livro foi publicado em 1984 e traz a narrativa numa espécie de flashes, com alternância de vozes, ora na primeira pessoa, ora na terceira. Em suas memórias, se é que podemos chamar assim, Marguerite se mostra resignada com o rumo de sua vida, não se queixa, não lamenta... é como se tudo fosse parte imprescindível da existência, mas sem perder a poesia, como na entrega ao seu amante:

A pele é de uma doçura suntuosa. O corpo. O corpo é magro, sem força, sem músculos, podia ser o corpo de um doente, de um convalescente, ele é imberbe, sua única virilidade é a do sexo, é muito fraco, parece estar à mercê de um insulto, parece sofrer. Ela não olha para o rosto. Não olha. Só o toca. Toca a doçura do sexo, da pele, acaricia a cor dourada, a novidade desconhecida. Ele geme, chora. Dormindo por um amor abominável.
E chorando ela realiza o ato. A princípio, a dor. E depois a dor se transforma, é arrancada lentamente, transportada para o prazer. O mar, sem forma, simplesmente incomparável.

Além de escritora, Marguerite foi diretora e realizadora de filmes. Seu livro, O amante, chegou a ser adaptado para o cinema, em 1991, por Jean-Jacques Annaud (roteiro em conjunto com Gérard Brach), assim como outras obras de sua autoria. Ela é também conhecida como a roteirista do filme Hiroshima, meu amor, dirigido por Alain Resnais.

Consta que Marguerite não gostou da adaptação de O amante, escrevendo posteriormente outro livro, com o título de O amante da China do Norte. Este ainda não li, mas acho que vale a pena para constatar as diferenças. A conferir. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Como você escolhe seus livros?

A Eva Maia, do Falando Livros, me marcou em um BOOK TAG bem instigante: “Como você escolhe seus livros?”. Ela consiste em relacionar cinco coisas que você faz ou leva em consideração na hora de escolher um livro para ler.
 
Pensar sobre isso não foi fácil, mas foi bom, pra também me conhecer melhor. Cada um tem sua motivação, por isso, o que serve para mim, pode não fazer nenhum sentido para outro, porque a escolha de um livro é muito pessoal e só o leitor sabe as razões que o levam a optar por uma ou outra obra na hora de ler.
Bom, então vamos às minhas motivações:
1 – Indicação
 
O primeiro impulso que me leva a escolher um livro é a indicação, seja de um amigo que leu e gostou, da crítica na internet ou em revistas literárias, ou ainda de um professor. Não importa. Basta que me deem uma sinopse da história e digam suas impressões que isso já é suficiente para me fazer interessar por um livro. Claro, às vezes posso não gostar, como aconteceu recentemente com O livro dos prazeres proibidos, de Federico Andahazi, que li depois de obter algumas informações favoráveis sobre a obra na internet. Prometia muito, mas me decepcionei com a leitura. Por outro lado, e na maioria das vezes, acabo gostando, como foi o caso de A Visita Cruel do Tempo, de Jennifer Egan, indicado por uma amiga. Simplesmente amei!
2 – Clássicos

 
Desde que me entendo como leitora venho buscando ler os clássicos, aqueles livros de apelo universal, capazes de tocar pessoas de diferentes culturas, que resistem ao tempo, sendo permanentemente atuais. A minha listinha nesse item ainda é grande, mas sempre que há uma brecha encaixo um clássico entre minhas leituras. Sei que não vou dar conta de todos, mas espero ler uma boa parte deles. Estou de olho em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa; Ulysses, de James Joyce; O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo; e Guerra e Paz, de Leon Tolstói... só para citar alguns.
 
3 – Autores
Ter um autor ou autora da preferência também influencia nas minhas escolhas literárias. Quando você se apaixona por um escritor(a), pelo seu estilo, pela sua prosa, é meio caminho andado para prosseguir e devorar sua obra. Acabei de ler Beatriz, de Cristovão Tezza, um autor que queria voltar desde que li O Filho Eterno e Um Erro Emocional. Ele tem uma escrita primorosa e envolvente, que fascina, fazendo com que eu deseje ler seus outros livros.
 
4 – Gênero literário
O gênero literário também pesa na minha escolha de um livro. Mas na verdade procuro diversificar, não lendo apenas um estilo, misturando biografias com fantasia; livro-reportagem com ficção; policial com romances de época, e assim vou variando. Da mesma forma os escritores, geralmente não leio o (a) mesmo (a) autor (a) seguidamente, mesmo gostando muito. Volto tempos depois, procurando sempre acrescentar novos autores às minhas leituras. No momento lendo pela primeira vez John Steinbeck, com Ratos e Homens, por sinal um clássico!
 
5 – Temática
Defino por temática aqueles livros que falam sobre um assunto do meu interesse, mas sob outra ótica. Como exemplo, livros que falam sobre livros. Já li alguns, como Ex-libris Confissões de Uma Leitora Comum, de Anne Fadiman, e tenho outros tantos aguardando sua vez, como O Ano da Leitura Mágica, de Nina Sankovitch.
 
Bom, acho que é isso.
E você, o que leva em consideração na hora de escolher um livro?

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Adeus, Gabo!



Quando em agosto de 2009 iniciei este blog, começava a ler Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez. E este foi meu primeiro post, um breve comentário sobre o início e as expectativas da leitura veja aqui.
 
Hoje, quando a notícia da morte de Gabo chegou ao mundo, não pude deixar de lembrar isso. E me entristecer pela partida desse grande escritor, que trouxe até nós um mundo fantástico, povoado de personagens inesquecíveis, que tão bem retratam a América Latina.
 
Com a morte de García Marquez o mundo ficou menos bonito, com certeza, mas seus sonhos vão continuar nos movendo por meio da sua obra, dos seus livros, das suas histórias, das suas palavras.
 
No fim, é como o próprio Gabo dizia "a vida não é o que se viveu, mas sim o que se lembra, e como se lembra de contar isso."
 
Você fará falta. Macondo está de luto. Todos estamos de luto.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

3/4 em O Mapa do Tempo

Um dos bons motivos para se participar de um Clube de Leitura é a possibilidade de lermos obras que não leríamos, seja por falta de conhecimento, seja por puro preconceito literário. Tá certo, nem sempre os livros indicados pelo clube são do nosso agrado, mas na maioria das vezes eles nos agradam e, em alguns casos, nos surpreendem de uma tal maneira que nos sentimos satisfeitos.
 
Foi o caso de O Mapa do Tempo, de Palma, Félix J, publicado pela Intrínseca em 2010. Indicado em uma das leituras que fiz para um dos clubes que frequento, confesso que torci o nariz e tive má vontade para com o livro. Qual não foi minha surpresa quando me vi envolvida em uma trama fascinante, que prendeu minha atenção do início ao fim. Isso sem falar em um trecho da narrativa que me chamou bastante a atenção, cuja data vem bem a calhar com o dia de hoje:
 
... Nela aparecia uma fotografia dos seres que estavam logo abaixo. A manchete falava do irrefreável avanço do exército de autômatos e acabava pedindo aos leitores que não perdessem a fé na resistência humana, liderada pelo bravo capitão Derek Schackleton. Porém, o que mais os surpreendeu foi a data do jornal. O exemplar a que pertencia aquela folha extraviada havia sido impresso em 3 de abril do ano 2000.
 
O ano não importa, mas o dia e o mês não podiam passar desapercebidos por mim, justamente porque é a data do meu aniversário, uma coincidência que achei bacana. Já no livro, a surpresa dos personagens com a data do jornal se refere à passagem do tempo, uma vez que eles pertenciam ao século XIX.
 
Mas coincidências à parte, o livro é um deleite só e faz parte de uma trilogia que envolve os livros de H. G. Wells, mas não são necessariamente uma continuação, mas todas as histórias se passam na época vitoriana. Neste primeiro volume, Félix J. Palma
reuniu personagens como Jack, o Estripador; Júlio Verne; o Homem Elefante; o Homem Invisível; Bram Stoker, o criador de Drácula; e o romancista Henry James, em uma trama que mistura romance e aventura tendo por base A Máquina do Tempo, de Wells. Uma viagem literária e tanto.
 
O Mapa do Tempo se passa em uma época na qual a curiosidade no campo ciência possibilitou ao homem sonhar, imaginar e realizar. O livro divide-se em três partes, com histórias que se interligam por trazerem à tona um assunto fascinante na Londres do século XIX: as viagens no tempo.
 
Na primeira parte, o protagonista é Andrew Harrington, um rapaz que estava amargurado e triste há oito anos, depois que Jack, O Estripador assassinou o grande amor da sua vida: Marie, uma prostituta. Para tirá-lo desse marasmo, seu primo lhe conta sobre H. G. Wells e seu livro A Maquina do Tempo, garantindo a ele que o escritor possuía tal maquina, de forma que ele poderia viajar no tempo e tentar mudar a história de Marie, salvando-a da morte.
 
Recordava tudo de maneira extraordinariamente vívida, como se entre eles não houvesse um abismo de oito anos, e às vezes achava aquelas memórias até mais bonitas que os fatos verdadeiros. Que estranha alquimia fazia essas cópias parecerem mais extraordinárias que o original? A resposta era óbvia: a passagem do tempo, que transforma o borbulhar do presente em um quadro terminado e inalterável chamado passado, uma tela que o homem sempre pinta às cegas, com pinceladas erráticas que só adquirem sentido ao afastar-se dela o suficiente para admirá-la em seu conjunto.
 
Na segunda história aparece Claire Haggerty, uma mulher fora de seu tempo, cujo desejo era viver um grande amor, sem a preocupação de casamento, tão frequente entre as mulheres da época. Parte então para uma viagem realizada pela empresa "Viagens Temporais Murray" ao ano 2000, época em que Londres encontra-se em ruínas, destruída pela guerra entre os homens e os autônomos. É neste cenário que Claire vai encontrar um amor, o capitão Derek Schackleton, o herói do futuro, que quando a vê também fica perturbado:
 
... Lembrava perfeitamente do semblante pálido, as feições um tanto ariscas, os lábios brilhantes e bem-desenhados, o cabelo azeviche, o porte garbosamente frágil, a voz. E se lembrava do olhar. Lembrava-se, sobretudo, da maneira como o olhara, com uma espécie de entusiasmo. Nenhuma mulher jamais olhara assim para ele. Nunca.
 
A terceira parte mostra que A Máquina do Tempo, escrita por Wells atingiu grande sucesso, no entanto o escritor não acreditava ser possível viajar no tempo ou até mesmo criar histórias alternativas. É quando aparece um viajante do tempo com a missão de matá-lo para roubar o manuscrito do romance que acabara de escrever.
 
... E se os viajantes mergulhassem no futuro o suficiente para encontrar a extremidade, o fim do barbante branco. Ou talvez sim. E se os viajantes mergulhassem no futuro o suficiente para encontrar a extremidade, o fim do barbante como o inventor de seu romance havia tentado fazer? Mas existiria tal coisa? O tempo terminaria em algum ponto ou continuaria eternamente? Neste caso, o final devia localizar-se no instante em que o homem se extinguisse e não restasse nenhuma outra espécie no planeta, pois o que era o tempo sem ninguém para medi-lo, sem nada que o acusasse sua passagem? O tempo só se revelava nas folhas secas, nas feridas que cicatrizavam, no caruncho que devorava, na ferrugem que se espalhava, nos corações que se cansavam. Se não houvesse ninguém para mareá-lo, o tempo não era nada, absolutamente nada.
 
O Mapa do Tempo é um livro instigante, que tem como tema principal é o tempo, em todas as suas nuances. Seu autor, Félix J. Palma, é espanhol, cujas principais influências são de autores de língua inglesa, mas com uma forte identificação com o argentino Júlio Cortázar. O segundo volume da trilogia é O Mapa do Céu, já lançado na Europa, mas ainda não publicado no Brasil, e centra-se na invasão marciana, inspirado no livro A Guerra dos Mundos. O terceiro tratará do tema invisibilidade, numa referência ao livro de Wells, O Homem Invisível. Já ansiosa pra ler.