sexta-feira, 20 de julho de 2012

Para celebrar o Dia do Amigo

Neste Dia do Amigo, um texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, tirado de O livro dos abraços.

A todos, Feliz Dia do Amigo


 Celebração da amizade/2
 Juan Gelman me contou que uma senhora brigou a guarda-chuvadas, numa avenida de Paris, contra uma brigada inteira de funcionários municipais. Os funcionários estavam caçando pombos quando ela emergiu de um incrível Ford bigode, um carro de museu, daqueles que funcionavam a manivela; e brandindo seu guarda-chuva, lançou-se ao ataque.
Agitando os braços abriu caminho, e seu guarda-chuva justiceiro arrebentou as redes onde os pombos tinham sido aprisionados. Então, enquanto os pombos fugiam em alvoroço branco, a senhora avançou a guarda-chuvadas contra os funcionários.
Os funcionários só atinaram em se proteger, como puderam, com os braços, e balbuciavam protestos que ela não ouvia: mais respeito, minha senhora, faça-me o favor, estamos trabalhando, são ordens superiores, senhora, por que não vai bater no prefeito?, senhora, que bicho picou a senhora?, esta mulher endoidou...
Quando a indignada senhora cansou o braço, e apoiou-se numa parede para tomar fôlego, os funcionários exigiram uma explicação.
Depois de um longo silencio, ela disse:
— Meu filho morreu.
Os funcionários disseram que lamentavam muito, mas que eles não tinham culpa. Também disseram que naquela manhã tinham muito o que fazer, a senhora compreende...
— Meu filho morreu — repetiu ela.
E os funcionários: sim, claro, mas que eles estavam ganhando a vida, que existem milhões de pombos soltos por Paris, que os pombos são a ruína desta cidade...
— Cretinos — fulminou a senhora.
E longe dos funcionários, longe de tudo, disse:
— Meu filho morreu e se transformou em pombo.
Os funcionários calaram e ficaram pensando um tempão. Finalmente, apontando os pombos que andavam pelos céus e telhados e calcadas, propuseram:
— Senhora: por que não leva seu filho embora e deixa a gente trabalhar?
Ela ajeitou o chapéu preto:
— Ah! Não! De jeito nenhum!
Olhou através dos funcionários, como se fossem de vidro, e disse muito serena:
— Eu não sei qual dos pombos é meu filho. E se soubesse, também não ia levá-lo embora. Que direito tenho eu de separá-lo de seus amigos?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O meu pós-Flip


Ainda sob os efeitos da Flip 2012 custo a escrever sobre a festa. Acho que o ato seria como encerrar o evento, virar a página e encarar novas perspectivas..., mas é preciso fazê-lo, para seguir em frente, afinal, o mundo literário gira, não para, e logo uma nova Flip surgirá no horizonte.

Esta foi a festa em que mais mesas participei, e nas quais presenciei encontros fantásticos, ouvi belas dissertações sobre o universo da literatura, vi autores como astros, outros descendo do pedestal; muitos como seres iguais a nós mesmos, tornando-se próximos, amigos, autografando livros, posando para fotos...

As homenagens a Carlos Drummond de Andrade foram lindas, com mesas discutindo e comentando sua obra. E o legal é que antes de cada apresentação era feita uma leitura de um poema de Drummond, tornando assim a comemoração mais completa. A Companhia das Letras levou até uma réplica da famosa estátua do poeta sentado no banco, onde os participantes podiam tirar uma foto ao lado de Drummond.


Revi João Ubaldo Ribeiro, José Luis Peixoto, Luís Fernando Veríssimo e Ruy Castro, e vi e ouvi pela primeira vez Walcyr Carrasco, Alejandro Zambra, Enrique Vila-Matas, Angela Lago, Teju Cole, Paloma Vidal, Jonathan Franzen, Ian McEwan, Jennifer Egan, Laerte, Angeli, Rubens Figueiredo e Francisco Dantas. Foram mesas divertidas e muito proveitosas, como a do bate-papo na Casa Folha com Ruy Castro, que deu uma verdadeira aula de jornalismo aos presentes. Mas gostaria de destacar dois bons momentos, entre tantos, dessa festa que vou levar para sempre na memória:
Em 2010, quando estive na festa pela terceira vez, tive a boa surpresa de ouvir a escritora iraniana, Azar Nafisi, autora de Lendo Lolita em Teerã, cantar um trecho da canção “Cecilia”, de Simon and Garfunkel, quando leu o meu nome para fazer a dedicatória e autografar o meu exemplar.

Em 2012 foi a vez do chileno Alejandro Zambra, autor do belíssimo Bonsai, lembrar a canção, fazendo uma dedicatória no livro, destacando uma frase da música para mim. São momentos como esses que fazem toda a diferença na Flip, uma festa que chega a sua 10ª edição mais ampla e dinâmica, sem contudo perder o charme característico daquela primeira versão.

O destaque, porém, aconteceu no domingo, no último dia da Flip, na mesa A imaginação engajada, entre os escritores Rubens Figueiredo e Francisco Dantas. A minha intenção era ver Rubens Figueiredo, que conhecia das traduções de Leon Tolstói, sendo a mais recente Guerra e Paz, publicada pela Cosac Naify, e premiada pela APCA como a melhor tradução de 2011, e que tinha despertado meu interesse pelo seu romance de ficção O passageiro do fim do dia. Ele não me decepcionou, mas foi Francisco Dantas quem chamou mais a minha atenção.

Sergipano, Dantas (à dir. na foto), que se iniciou na literatura aos 50 anos com a publicação de Coivara da memória, esbanjou simplicidade, bom humor e carisma ao apresentar um calhamaço de anotações que se iniciava com agradecimentos à organização e a boa acolhida em Paraty. Arrancou risos e aplausos da plateia com seus causos e se declarou fã de Faulkner e Onetti.
Ao ouvir Dantas, lembrei-me de que já tinha lido a seu respeito no livro de perfis do jornalista e escritor Sérgio Vilas-Boas e que, na época, fiquei interessada pelo autor, mas não havia ligado o seu nome ao convidado que participaria daquela mesa. Foi uma feliz coincidência e, com certeza, uma das melhores surpresas que tive na Flip 2012.
No meio da mesa já pensava em sair rápido dali e ir correndo à Livraria da Vila para adquirir um de seus livros e pegar o autógrafo, só não sabia qual. Mas a indecisão não demorou muito, pois Os desvalidos, romance nos moldes da literatura de Graciliano Ramos e de João Guimarães Rosa e que tem o foco na cultura popular nordestina, conquistou meu coração.
A história fala dos pobres-diabos, dos rejeitados que sobrevivem na periferia entre o início do capitalismo da década de 1930 e o ancestral mundo dos latifúndios. A vida sob o cangaço, a miséria e o esquecimento dão a tônica do romance por meio de personagens como Coriolano, Tio Filipe e Lampião. O livro foi lançado originalmente em 1993 e agora relançado pela Alfaguara.
Agora estou ansiosa para ler e tenho de achar um meio de encaixar mais esta leitura entre tantas que tenho e quero fazer. Afinal, Francisco Dantas foi, sem dúvida, um dos destaques da 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Minha 5ª festa na 10ª Flip

Desde 2008, o mês de julho ganhou um significado bastante especial para mim. É um período mais do que esperado, eu diria até que reverenciado, sagrado mesmo, e não é só porque saio de férias do trabalho, mas sim porque é neste mês que acontece a Festa Literária Internacional de Paraty, destino certo e inevitável do meu mais que merecido descanso profissional.
Assim, não consigo mais dissociar uma coisa da outra, ou seja, férias de Paraty. Eu até já tentei mudar o mês ou o rumo, mas sempre acabo me rendendo aos encantos desse espaço de tempo e, é claro, de Paraty e de sua festa literária.

Acho que é mais ou menos aquilo que o jornalista Ángel Gurría-Quintana, especialista em literatura em Cambridge e colaborador assíduo do jornal The Financial Times escreveu em abril no blog da Flip: “Não é fácil explicar para qualquer um que nunca tenha ido para a Festa que este evento não tem comparação com qualquer outro existente até então. Poderia descrever o encanto dos debates, claro – mas como passar aquela sensação de estar no meio da Mata Atlântica e da bela cidade colonial?”
É, de fato, não dá pra explicar, só quem esteve lá, uma vez que seja, sabe o que estamos falando, e da vontade em participar, sempre, desse congraçamento literário. Detalhe, Gurría-Quintana esteve em todas as edições da Flip, desde 2004, porque, segundo ele, a festa mudou, definitivamente, seu calendário. Eu arriscaria dizer que o meu também.
Minha natureza, embora seja jornalista, é mais introspectiva, mais na minha, calada, só observando. Mas se tem um lugar onde consigo me sentir em casa, à vontade, aberta e falante, este lugar é Paraty. Comprovei isso em 2008 quando estive lá, pela primeira vez, para participar da Flip, um sonho antigo.
Naquele ano, ver e ouvir o escritor inglês Neil Gaiman, criador de Sandman, ter um livro dele autografado e receber seus cumprimentos afetuosos é algo que não tem comparação, isso depois de quatro longas horas na fila para vê-lo de perto. Considero esse, o meu ponto alto daquela Flip – e acho até que de todas as edições das quais participei –,além, é claro, das muitas amizades que fiz, algumas das quais preservo até hoje.

Por essa boa estreia, em 2009 resolvi repetir a dose. Mais calejada e sem as surpresas de marinheira de primeira viagem, a Flip daquele ano não deixou a desejar e de ter seu encanto. Afinal, o reencontro com amigos da edição anterior e o encontro com novos companheiros de festa, já eram motivos suficientes para tornar a participação muito especial.
Mas ainda teve mais, claro, com as presenças de Gay Talese, o mestre do jornalismo literário; Chico Buarque, que dispensa comentários, com direito até uma passada de mão... (pelo seu ombro!); Fábio Moon e Gabriel Bá, os premiados quadrinistas brasileiros; e, o melhor de tudo, a mesa inesquecível com o escritor português António Lobo Antunes que, ao lado de Humberto Werneck, deu um show à parte, divertindo e encantando a plateia.
Já em 2010 foi a vez de me deslumbrar com Isabel Allende, a escritora chilena, autora de livros como A casa dos espíritos; Salman Rushdie, o escritor indiano, que trouxe seu filho Mica, para lançar o livro Luka e o fogo da vida, inspirado nele; Robert Crumb, o quadrinista underground; Azar Nafisi, a escritor iraniana, autora de Lendo Lolita em Teerã; enfim, um time de primeira, completado pela presença de escritores brasileiros como o poeta Ferreira Gullar e o saudoso Moacyr Scliar.
No ano seguinte por pouco não fui à Flip, pois as minhas férias precisaram ser adiadas, mas ainda assim dei um jeitinho de ir, pelo menos no final de semana. Afinal, era tempo mais do suficiente para ver, conseguir o autógrafo e ainda tirar uma foto ao lado de Joe Sacco, o jornalista e quadrinista maltês, que faz reportagens em quadrinhos, como Palestina.  E, da mesma forma, do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro.
Para 2012, as minhas expectativas são muitas, pois o homenageado desta edição, que é a 10ª é o poeta Carlos Drummond de Andrade. Além disso, estou ansiosa para ver, ouvir e tentar chegar perto para o autógrafo de Jonathan Franzen, autor de livros como As correções, que estou lendo; Jennifer Egan, a autora do premiado A visita cruel do tempo; Alejandro Zambra, jovem escritor chileno de Bonsai; Enrique Vila-Matas, escritor espanhol, cujo livro Bartleby e companhia, li recentemente; e Rubens Figueiredo, autor brasileiro, que escreveu títulos como O passageiro do fim do dia.
Com certeza, são mais emoções por vir e boas, muito boas lembranças para guardar.