sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Dois Irmãos, de Hatoum

A escrita de Hatoum é apaixonante e sua narrativa deliciosa. Por isso, fiquei encantada ao ler Dois Irmãos, romance publicado em 2000 pela Companhia das Letras e que rompeu um silêncio de 11 anos do autor desde a publicação do seu primeiro romance: Relato de um Certo Oriente.

O romance terá uma adaptação para HQ, desenhada pelos irmãos quadrinistas Fábio Moon e Gabriel Bá, que deverá ser publicada em março pelo selo Quadrinhos na Companhia, da Companhia das Letras.

Premiado com o Jabuti de melhor romance (3º lugar na categoria Romance), Dois Irmãos narra a tempestuosa relação entre os irmãos gêmeos, Yaqub e Omar, descendentes de uma família de origem libanesa, que vive em Manaus, filhos de Zana e Halim e irmãos de Rânia. A narrativa se alterna entre passado e presente, sem uma cronologia definida que, aos poucos, vai revelando ao leitor a história dos personagens, seus conflitos, amarguras, ódios e anseios.

Yaqub nasceu minutos antes, por isso Omar é considerado como o “Caçula” e por ter tido um problema de saúde, é tratado com mais desvelo pela mãe. Os dois têm personalidades diferentes: enquanto o primeiro é mais reservado, o segundo mostra ser mais atirado. O conflito acontece quando, na adolescência, por causa de uma garota, Omar fere o rosto de Yaqub, deixando neste uma cicatriz. Seus pais, temendo as consequências do ato, resolvem mandar o mais velho para o Líbano por algum tempo.

Yaqub se ressente desse afastamento da família e ao regressar, anos depois, mostra-se ainda mais reservado e distante. Começa a estudar e se revela um excelente matemático. O “Caçula”, contudo, acobertado pela mãe, vive de farras, boemia e malandragem, acirrando ainda mais o ódio entre os irmãos, um sentimento que vai permear a narrativa até o seu final.

A história é contada sob os olhos de Nael, filho da empregada da casa, Domingas, mas de paternidade desconhecida, só revelada no decorrer da trama. É Nael quem presencia as histórias e ouve os relatos e confissões do pai dos gêmeos, sobretudo a paixão deste pela mulher Zana, que começou com um gazal.

Gazal é um poema lírico e leve de forma fixa de origem árabe, de cunho amoroso e místico, que surgiu no final do séc VII. Conforme o dicionário Aurélio, gazal, ou gazel, é uma palavra de origem árabe que significa requebro, galanteio, poesia erótica.

O livro é bastante envolvente e Milton Hatoum, que além de escritor é tradutor e professor, descendente de libaneses nascido em Manaus, consegue transpor para as páginas todo o clima e as tradições dessas localidades. Uma delícia!

Vale lembrar que Dois Irmãos está sendo adaptado também para o cinema , com direção de Luiz Fernando Carvalho e roteiro assinado por Maria Camargo. É esperar para ver, enquanto isso aproveite para ler o livro e confira a HQ dos quadrinistas gêmeos que chega às livrarias em março.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O passageiro do fim do dia

Sem divisões, sem capítulos. Uma escrita contínua e ininterrupta que, à primeira vista pode assustar e desanimar, mas que ao se aventurar descobrimos ser uma leitura de um fôlego só. É assim O passageiro do fim dia, romance de ficção do escritor e tradutor Rubens Figueiredo, publicado pela Companhia das Letras, que foi vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2011 na categoria Melhor Livro do Ano, e do Prêmio Portugal Telecom no mesmo ano.

O romance se constitui em um percurso, literal e filosoficamente falando. É sexta-feira, fim do expediente. O jovem Pedro, protagonista do livro, sai do trabalho e segue em direção à casa da namorada Rosane, no distante bairro pobre do Tirol, onde costuma passar o final de semana. A história se desenvolve nessa viagem: no ponto do ônibus, enquanto Pedro espera o coletivo, a chegada deste, passando pelo (longo) trajeto até o desembarque. Enquanto isso...

... A sombra da fila, estendida quase ao máximo sobre a calçada, era a única sombra. A demora do ônibus, o bafo de urina e de lixo, a calçada feita de buracos e poças, o asfalto ardente com borrões azuis de óleo, quase a ponto de fumegar – Pedro já estava até habituado. Não são os mimados, mas sim os adaptados que vão sobreviver.

O que se tem são impressões de um jovem extremamente observador e imaginativo, frente a um sistema público de transporte precário e um trânsito caótico. Para aliviar as tensões, Pedro carrega em sua mochila o radinho e fone de ouvido e um livro sobre Darwin, que lê e reflete durante a viagem. Em outras ocasiões, observa os passageiros lembra da namorada e de sua história no Tirol e repara na vida que se apresenta nas ruas, vista fugazmente pelas janelas do ônibus:

Nos vultos espaçosos de crianças, adolescentes ou adultos em volta do fogo em seus movimentos vagarosos, sem atenção sem propósito, mas insistentes, como se não conseguissem afastar-se dali, Pedro começou a notar os traços de uma espécie de culto noturno ancestral. Traços de uma adoração espontânea e desinteressada. Coisa rápida, a mais simples possível, sem alcance além daqueles minutos e daqueles poucos metros. Tratava-se, quem sabe, de uma espécie de identificação, de uma assimilação momentânea, entre eles e o fogo.
Em O passageiro do fim do dia Rubens Figueiredo encanta com alta literatura, mas só àqueles que não conhecem sua trajetória. Conheci ele como tradutor, vendo seu nome em inúmeras obras russas, como Guerra e Paz, Ana Karênina ou Kachtanka, entre outras, para depois vislumbrar seus trabalhos como escritor consagrado, tenho já ganho dois prêmios Jabuti. E cheguei a vê-lo pessoalmente, em Paraty (RJ), onde pude observar sua timidez, mas me encantar com suas colocações e gentilezas. 

Li o livro em 2013 e lembrei dele por ocasião do aniversário de São Paulo, neste ano, em razão das dificuldades de transporte coletivo e do caos do trânsito, típicos de cidade grande. Fica a dica de um escritor indispensável.

(Publicado originalmente em 14/4/2013 em http://cubo3.com.br/2013/04/14/o-passageiro-do-fim-do-dia/)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Comemorações literárias em 2015

Depois de um período de “molho” e de “balanço” retomo os posts do blog (já estava com saudades) para mais uma jornada de comentários, histórias e observações de leituras e acontecimentos do mundo da literatura. Assim, como já é de praxe, inicio falando de algumas comemorações literárias que ocorrerão neste ano.


2015 é um ano citado na literatura: é o período em que se passa o conto Runaround, de Isaac Asimov. Na trama, dois dos seus personagens mais recorrentes, Gregory Powell e Michael Donovan, são os únicos humanos em Mercúrio. O conto foi escrito em 1941 e publicado pela primeira vez em 1942. Uma boa oportunidade para ler... ou reler. Ele faz parte da coletânea de contos publicados em Eu, Robô.

O ano oferece ainda mais chances para se aventurar e conhecer, ou revisitar, obras de peso da literatura mundial. Em 2015, alguns romances e novelas comemoram 100 anos de publicação, como é o caso de Triste Fim de Policarpo Quaresma, do escritor brasileiro Afonso Henriques Lima Barreto.

O obra de Lima Barreto é um romance do período do Pré-Modernismo. Policarpo Quaresma é um fanático major nacionalista, ingênuo e idealista, cuja vida tragicômica retrata as estruturas sociais e políticas brasileiras durante a Primeira República e o governo de Floriano Peixoto.

A Viagem (The Voyage Out) é outro romance que chega ao seu centenário. É o primeiro romance publicado por Virginia Woolf e foi escrito num período de extrema fragilidade da autora. O tema da obra enfoca o rito de passagem para a maioridade, no qual Rachel Vinrace, a protagonista, parte para a América do Sul, numa viagem de autodescoberta.

Considerada como novela, A Metamorfose, de Franz Kafka, também completa 100 anos em 2015. É uma das obras mais importantes de toda a história da literatura, em que o famoso caixeiro-viajante, Gregor Samsa, se transforma em um inseto monstruoso, mostrando o trágico, grotesco e cruel da condição humana.

Vale ainda lembrar outros romances centenários, como O arco-íris, do escritor inglês D. H. Lawrence; Servidão Humana, do britânico Somerset Maugham; O Espantalho de Oz, da obra “O mágico de Oz”, de Frank Baum; e Los de Abajo, do mexicano Mariano Azuela.


E falando em centenários, 2015 marca ainda os 100 anos de nascimento de importantes escritores, como o brasileiro José J. Veiga. Nascido em 2 de fevereiro, J. J. Veiga foi escritor do realismo fantástico. Entre suas obras estão Os Cavalinhos de Platiplanto, A Hora dos Ruminantes e A Máquina Extraviada.

Em 10 de junho, Saul Bellow, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1976, deverá ser lembrado pelo seu centenário. Escritor judeu, nasceu no Canadá e se naturalizou cidadão estadunidense, Bellow é autor de As Aventuras de Augie March e Herzog, entre outros.

Em outubro é a vez de lembrar dois expoentes da literatura: Antônio Houaiss, tradutor, crítico literário, filólogo, lexicógrafo e ensaísta brasileiro, que nasceu em 15 de outubro, e Arthur Miller, dramaturgo norte-americano, cujo centenário será no dia 17. O primeiro é muito conhecido pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, e o segundo pelas peças Morte de um Caixeiro Viajante e As Bruxas de Salém.

Já em 12 de novembro será comemorado o centenário de nascimento de Roland Barthes, crítico literário, sociólogo, filósofo e semiólogo francês. Barthes usava a análise semiótica em revistas e propagandas, dividindo o processo de significação em dois momentos: denotativo (percepção simples, superficial) e conotativo (sistemas de códigos).

Finalmente em 27 de novembro, Adonias Filho, jornalista, crítico, ensaísta e romancista brasileiro faria 100 anos. É autor de obras como Renascimento do Homem e Luanda Beira Bahia, entre outras.


Vale lembrar que há cem anos Fernando Pessoa “matava” Alberto Caeiro, o mais ingênuo dos heterônimos criados por ele (há ainda Álvaro de Campos e Ricardo Reis) e também do próprio autor. Caieiro era um poeta ligado à natureza, que despreza todo tipo de pensamento filosófico por considerar que este obstrui a visão. Era um antimetafísico.

E, para encerrar as festividades literárias em 2015, no dia 23 de abril, quando se comemora o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, a cidade sul-coreana de Incheon receberá o título de Capital Mundial do Livro 2015, ostentando-o e realizando uma série de atividades voltadas à literatura até 2016.

Bons ventos literários para este ano.