terça-feira, 27 de agosto de 2013

A vida privada das árvores (*)

Depois que a escrita de Alejandro Zambra finalmente chegou ao Brasil, com o aclamado Bonsai, publicado pela Cosac Naify em 2012, a espera por outros livros do escritor chileno tornou-se proeminente. E, em menos de um ano, também pelo selo da Cosac Naify, A vida privada das árvores foi lançado com grande expectativa pelos leitores.
 
O que se observa nesta obra, a exemplo da anterior, é a mão certeira de Zambra em narrar uma história concisa, enxuta, sob medida e, ainda assim, abrangente. O escritor, mestre na arte da autoedição, releitura, poda e corte, faz de A vida privada das árvores uma narrativa em que presente, passado e futuro se fundem por meio da vivência, das lembranças e das projeções “imaginárias” do que está por vir.
O protagonista é Julián, batizado dessa forma por um erro no cartório, uma vez que seus pais queriam que seu nome fosse Júlio. Sua história é contada durante uma longa noite de espera, que se arrasta até o amanhecer, por meio de um texto ágil e dinâmico. A espera é por Verónica, sua esposa, que está fora na aula de pintura e, enquanto a aguarda, Julián, que é professor nos dias de semana e escritor aos domingos, entretém a enteada Daniela com histórias sobre “a vida privada das árvores”. Dentre estas, a conversa entre o álamo e o baobá sobre fotossíntese, esquilos ou numerosas vantagens de serem árvores e não pessoas ou animais, ou ainda pior, pedaços de cimento.
Como em Bonsai, Zambra adianta o final da trama, sem que isso estrague o prazer da leitura, pois o que importa é o desenrolar da história. E ela terminará com a chegada de Verónica – ou até Julián perceber que ela não voltará, pois, diferente das outras vezes, a espera é longa, e Verónica custa a chegar. Entre os cuidados com a pequena Daniela, Julián escreve e começa a relembrar momentos de sua vida, a primeira companheira, Karla, a separação e o encontro com a atual, tecendo comparações e prevendo uma possível desculpa pela demora de Verónica:

Verónica é uma mulher que não chega, Karla é uma mulher que não estava.
A mãe de Karla é uma mulher que foi embora e que voltou quando ninguém a esperava.
Karla é uma mulher que não estive.
Karla é uma mulher que esteve, mas não esteve. Saiu, foi procurar sua mãe, do mesmo modo que outros saem para caçar.
Saiu, foi comprar cigarros. Karla não esteve, não estava: saiu para comprar cigarros, foi procurar a mãe, foi à caça.
O pneu de Verónica furou. Ela sabe que não posso ir procurá-la. Não posso deixar a menina sozinha. Verónica vai trocar o pneu.
Verónica é uma mulher no meio da avenida trocando um pneu. Centenas de carros passam a cada minuto, mas ninguém se detém para ajudá-la. É isso que está acontecendo, pensa Julián, que resolve se apegar à imagem de Verónica perdida, trocando um pneu, sozinha, numa avenida distante.
A noite vai avançando e Julián se mostra imobilizado, aliás, como sempre esteve – e talvez estará - em sua vida, preferindo esperar e imaginar o que virá a seguir. Assim, avança em seu pensamento e vislumbra o futuro da enteada Daniela, um futuro em que ele não estará presente, nem Verónica, apenas o pai biológico da menina e um possível marido. Nesse futuro, sua presença é apenas marcada pelo livro que escreve, um livro – e aqui um paralelo com Bonsai – que escreve há tempos, trabalhando nele incessantemente, cortando aqui, arrumando lá, suprimindo trechos, relendo, fazendo podas até reduzi-lo a poucas páginas.

Dividido em duas partes, A vida privada das árvores é um livro prazeroso de se ler e traz uma história atual e envolvente, próprias de um romance de fôlego. Recomendo!

(*) Texto de minha autoria, publicado originalmente no Cubo 3 -  www.cubo3.com.br,.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Leituras de Saramago

Fisicamente, José Saramago não está mais entre nós, mas suas ideias, sonhos e criações podem ser partilhados por meio de seus escritos e das lembranças daqueles que com ele conviveram. Por isso, saber que haveria um encontro em que Pilar del Rio, viúva do escritor, participaria lendo trechos de suas obras, acompanhada de autores como os brasileiros Milton Hatoum e Andréa del Fuego, e o moçambicano Mia Couto, era pra deixar qualquer leitor mais do que empolgado.

 
E não era pra menos, afinal, além da presença de tão destacadas personalidades do mundo literário, os livros em questão – Memorial do convento e Levantado do chão, reeditados agora pela Companhia das Letras – são dois dos mais vigorosos romances de Saramago. Sem falar que para mim, que li o primeiro com sofreguidão e encantamento, e anseio imensamente pela leitura do segundo, o acontecimento era uma oportunidade única da qual não poderia deixar de participar.

Sabia que a empreitada não seria fácil para um evento literário desse porte, ainda mais gratuito, e o pior é que eu não conseguiria sair mais cedo do trabalho para garantir o ingresso. Ainda assim insisti e me arrisquei a ir no dia 13 de agosto último, comprovando, ao chegar, que as minhas suspeitas estavam certas, em razão da longa fila que se formava à frente e que chegava ao interior do Sesc Consolação, local do evento. Depois de o funcionário avisar que não havia mais ingressos, muitas pessoas desistiram, mas fã que é fã nunca desiste até o fim e permaneci na fila junto com outros leitores, vendo, tempo depois, a espera ser recompensada com o ingresso ao teatro. Nem acreditava.

Foi uma noite primorosa, de leituras inesquecíveis, em que vislumbrei Pilar del Rio no palco e, por extensão, a memória de Saramago. Milton Hatoum subiu depois para ler um trecho de Memorial do convento, seguido de Andréa del Fuego que leu também Levantado do chão. Mia Couto, que eu via pela primeira vez, completou as leituras destacando também um trecho da obra.

Memorial do convento foi o quarto livro que li de Saramago, um romance de ficção histórica que começa na idade Média e chega ao século 20. Tem início com a promessa do rei D. João V de construir um Convento em Mafra caso a rainha, Dna. Maria Ana, lhe dê um herdeiro. A graça é concedida e assim começa a construção do convento que se prolonga por todo o livro. Paralelo ao acontecimento, há a história de Baltazar Sete Sóis, que não tinha uma mão, e Blimunda Sete Luas, que consegue enxergar além das pessoas e coisas. Eles se conhecem e se apaixonam em um auto de fé da Inquisição, no qual a mãe de Blimunda está sendo julgada por prática de bruxaria. Ao lado deles há o padre Bartolomeu de Gusmão e sua obsessão em construir a passarola, uma engenhoca que voa graças às vontades reunidas. Para tanto, ele conta com a ajuda de Blimunda e Baltazar.
O romance é uma delícia e foi muito bem definido pelo autor como uma história de “Era uma vez...”

Era uma vez um Rei que fez a promessa
de levantar um convento em Mafra. 
Era uma vez a gente que construiu esse convento. 
Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. 
Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. 
Era uma vez.

Saindo de Mafra, o romance Levantado do chão percorre uma zona do Alentejo caracterizada pelo latifúndio desde o final do século XIX. Nele, Saramago narra a luta de um povo em meio às forças opressoras, como os latifundiários, a ordem e a Igreja.

O livro é considerado como um dos romances fundamentais do escritor, tendo recebido o Prêmio Cidade de Lisboa, em 1980, e o Prêmio Internacional Ennio Flaiano, em 1992.

Segundo Pilar del Rio, trata-se de “um romance que se aproxima de uma reportagem ao mostrar o destino conflituoso das pequenas gentes e das grandes fomes que assolaram a região alentejana, devido à resistência ao regime que antecedeu a Revolução dos Cravos”.

Dois momentos. Duas histórias. Duas obras fundamentais de José Saramago que agora contam com o selo da Companhia das Letras, editora que passa assim a reunir toda a obra do escritor.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Doenças literárias

Depois de um período sem escrever – estava de férias do trabalho e resolvi ficar um pouco afastada da internet também – volto às postagens do blog mais do que na hora. Ainda um pouco enferrujada e só para descontrair, enumero aqui as minhas doenças literárias, a exemplo de um post legal que vi – li – há algum tempo na internet.
 
 Vamos a elas:
 
1. Diabetes – Um livro muito doce: Marcelino Pedregulho, de Sempé.
A história da amizade entre Marcelino Pedregulho e Renê Rocha, nascida das diferenças, enternece e encanta, marcada ainda pelos delicados traços de Sempé. É muito doce – e linda.
 
2. Catapora – Um livro que você leu e não lerá de novo: As Valkírias, de Paulo Coelho.
O primeiro livro que li de Paulo Coelho foi O Alquimista e confesso que gostei, na época. Em seguida escolhi para devorar As Valkírias, mas a experiência não caiu muito bem. Achei o livro estranho, confuso, indigesto. E me fez mal. Xô!
 
3. Ciclo Menstrual – Livro que você relê constantemente: Coração de Vidro, de José Mauro de Vasconcelos.
Embora tenha livros que adoraria retomar, várias vezes, não faço muito isso hoje em dia. A lista que tenho de livros a ler é grande, então dou prioridade aos que ainda não li. Mas este foi um livro que li e reli muitas vezes, e há um bom tempo. A história da fazenda e seus animais que nem sempre são valorizados pelo homem tocava o meu coração. Chorava todas as vezes que lia. Hoje, não sei se conseguiria ler novamente, pois embora lindo é muito triste.
 
4. Gripe – Um livro que se espalhou como vírus: Harry Potter, de J. K. Rolling.
E aqui falo da saga do bruxinho e seu mundo mágico, que impulsionou ainda mais as minhas leituras. Li com avidez, com encantamento, com emoção, sem parar, de uma tacada só. Amo demais!
 
5. Asmas – Um livro que tirou seu fôlego: Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.
Saramago sabe das coisas. O livro que fala sobre uma estranha cegueira, a branca, que acomete uma população, é um dos melhores livros que li, me hipnotizou do início ao fim. Foi uma leitura bastante prazerosa, da qual não via a hora de terminar, mas, ao mesmo tempo não queria sair. Aliás, quando acabei de ler, foi difícil emplacar outro livro.
 
6. Insônia – Livro que tirou o sono: O Homem Lento, de J. M. Coetzee.
Este livro, que conta a história de Paul Rayment, um fotógrafo aposentado, de 60 anos, que sofre um acidente de bicicleta e perde a perna, foi uma das mais belas surpresas literárias de 2012. O livro se impregnou de tal forma na minha vida que pensava nele dia e noite e também me deixou de mãos atadas para começar outra leitura.
 
7. Amnésia – Um livro que você não se lembra muito bem: Para sentir e esquecer, de Taylor Caldwell.
Parece até proposital, mas como o próprio título do livro diz esta foi uma leitura que senti e esqueci, por mais que me esforce para lembrar. Faz um bom tempo que li este livro e, sinceramente, não sei do que se trata, mas recordo que gostei muito na época.
 
8. Má nutrição – Um livro que faltou conteúdo para reflexão: As Valkírias, de Paulo Coelho.
É difícil um livro não suscitar reflexões, por mínimas que sejam, mas este, sinceramente, acho que não me acrescentou nada, pelas mesmas razões apresentadas no item “Catapora”.
 
9. Doenças de Viagem – Livro que leva para outra época / Lugar / Mundo: O Hobbit, de J.R.R. Tolkien.
A aventura de Bilbo Bolseiro foi minha primeira incursão pelo mundo de Tolkien e me alcançou em cheio. A história transportou-me para um mundo de fantasia do qual nem pensava existir e me ajudou, num momento crítico da vida, a sonhar com um futuro melhor.
 
Bom, talvez existam outras doenças, mas por ora vou ficar nessas. Mais para frente faço uma nova postagem, dessa vez falando sobre os meus “Pecados Literários”. Até lá!