Depois que a escrita de
Alejandro Zambra finalmente chegou ao Brasil, com o aclamado Bonsai, publicado pela Cosac Naify em
2012, a espera por outros livros do escritor chileno tornou-se proeminente. E,
em menos de um ano, também pelo selo da Cosac Naify, A vida privada das árvores foi lançado com grande expectativa pelos
leitores.
O que se observa nesta
obra, a exemplo da anterior, é a mão certeira de Zambra em narrar uma história
concisa, enxuta, sob medida e, ainda assim, abrangente. O escritor, mestre na
arte da autoedição, releitura, poda e corte, faz de A vida privada das árvores uma narrativa em que presente, passado e
futuro se fundem por meio da vivência, das lembranças e das projeções
“imaginárias” do que está por vir.
O protagonista é
Julián, batizado dessa forma por um erro no cartório, uma vez que seus pais
queriam que seu nome fosse Júlio. Sua história é contada durante uma longa
noite de espera, que se arrasta até o amanhecer, por meio de um texto ágil e
dinâmico. A espera é por Verónica, sua esposa, que está fora na aula de pintura
e, enquanto a aguarda, Julián, que é professor nos dias de semana e escritor
aos domingos, entretém a enteada Daniela com histórias sobre “a vida privada
das árvores”. Dentre estas, a conversa entre o álamo e o baobá sobre fotossíntese,
esquilos ou numerosas vantagens de serem árvores e não pessoas ou animais, ou ainda
pior, pedaços de cimento.
Como em Bonsai, Zambra adianta o final da trama,
sem que isso estrague o prazer da leitura, pois o que importa é o desenrolar da
história. E ela terminará com a chegada de Verónica – ou até Julián perceber
que ela não voltará, pois, diferente das outras vezes, a espera é longa, e
Verónica custa a chegar. Entre os cuidados com a pequena Daniela, Julián
escreve e começa a relembrar momentos de sua vida, a primeira companheira,
Karla, a separação e o encontro com a atual, tecendo comparações e prevendo uma
possível desculpa pela demora de Verónica:
Verónica
é uma mulher que não chega, Karla é uma mulher que não estava.
A
mãe de Karla é uma mulher que foi embora e que voltou quando ninguém a
esperava.
Karla
é uma mulher que não estive.
Karla
é uma mulher que esteve, mas não esteve. Saiu, foi procurar sua mãe, do mesmo
modo que outros saem para caçar.
Saiu,
foi comprar cigarros. Karla não esteve, não estava: saiu para comprar cigarros,
foi procurar a mãe, foi à caça.
O
pneu de Verónica furou. Ela sabe que não posso ir procurá-la. Não posso deixar
a menina sozinha. Verónica vai trocar o pneu.
Verónica
é uma mulher no meio da avenida trocando um pneu. Centenas de carros passam a
cada minuto, mas ninguém se detém para ajudá-la. É isso que está acontecendo,
pensa Julián, que resolve se apegar à imagem de Verónica perdida, trocando um
pneu, sozinha, numa avenida distante.
A noite vai avançando e
Julián se mostra imobilizado, aliás, como sempre esteve – e talvez estará - em
sua vida, preferindo esperar e imaginar o que virá a seguir. Assim, avança em
seu pensamento e vislumbra o futuro da enteada Daniela, um futuro em que ele
não estará presente, nem Verónica, apenas o pai biológico da menina e um
possível marido. Nesse futuro, sua presença é apenas marcada pelo livro que
escreve, um livro – e aqui um paralelo com Bonsai
– que escreve há tempos, trabalhando nele incessantemente, cortando aqui,
arrumando lá, suprimindo trechos, relendo, fazendo podas até reduzi-lo a poucas
páginas.
Dividido em duas
partes, A vida privada das árvores é
um livro prazeroso de se ler e traz uma história atual e envolvente, próprias
de um romance de fôlego. Recomendo!
(*) Texto de minha autoria, publicado originalmente no Cubo 3 - www.cubo3.com.br,.
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