quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Realidade e fantasia

Não deu para resistir: já fiz minha primeira aquisição de livros este ano. E não deixei por menos, foram dois, num espaço de uma semana entre um e outro. Ambos adquiridos em sebos, quem diria..., para quem já confessou aqui não ser fã desse tipo de estabelecimento, até que estou surpreendendo, a mim mesma, é claro!
Também, pudera, os preços estavam convidativos e os livros praticamente novos, para não dizer novos, e depois, eu primeiro pesquiso na internet e se a loja estiver localizada em São Paulo e for de fácil acesso, vou pessoalmente buscar, o que significa que não fico circulando pelo local. Entro, peço o livro, pago e vou embora, feliz da vida, com mais uma preciosidade nas minhas mãos.
O primeiro que comprei foi O ano do pensamento mágico, da escritora americana Joan Didion, que eu desejava desde o ano passado, quando os professores da pós falaram sobre ele. Na época, até uma peça de teatro sobre o livro estava sendo encenada em São Paulo. Não consegui assistir, mas o livro, com certeza, não escaparia do meu alcance. Até que nem demorou muito, se for considerar que na minha lista de livros a comprar há itens que esperam ser riscados há tempos.

O ano do pensamento mágico trata-se de um ensaio pessoal, no qual a autora narra o período de um ano que se seguiu à morte de seu marido, o também escritor John Gregory Dunne, e a longa doença de sua filha única. Não quero falar muito mais, deixarei para comentar depois, quando concluir a leitura.

O outro livro foi Stardust, do escritor inglês Neil Gaiman, com ilustrações de Charles Vess. Ao contrário do outro, fazia tempo que namorava esse livro e, também, diferentemente de "O ano..." cheguei a assistir ao filme adaptado da obra para o cinema em 2007, o que só fez aumentar ainda mais minha vontade em adquiri-lo. No entanto, só agora pude fazer, mesmo porque o preço estava bem camarada.

A história é belíssima e encantadora. É, na verdade, um magnífico conto de fadas (para adultos? pode ser), que mistura fantasia, aventura, suspense e romance, com trama envolvente e poética, magistralmente escrita por Gaiman, o mestre dos sonhos – e dos meus sonhos em particular. As ilustrações são maravilhosas, completando lindamente a narrativa.

A trama gira em torno de Tristan Thorn, um garoto de uma pequena cidade, que se apaixona pela menina mais bonita da região. Para provar o seu amor, a menina pede que Tristan traga uma estrela cadente que acabara de cair. Mas há um porém: essa estrela não caiu no mundo em que eles vivem, mas sim no mundo de fadas. Tristan terá então a tarefa de adentrar nesse lugar e enfrentar uma série de obstáculos para apanhar a estrela para sua amada.

Ler é tão bom, não? Faz a gente viajar por mundos que passam pelo real e pelo imaginário, próximos ou distantes, atingíveis e inatingíveis, mas sempre com o mesmo encanto e fascínio, e o que é melhor, prendendo a nossa atenção do início ao fim.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Crime e Castigo

Um tempo atrás comentei neste blog minha mania de ler no metrô e que, por causa disso, mesmo quando estou à toa dentro do vagão, sem pensar em nada, me vem à cabeça cenas, passagens e personagens de algumas leituras que fiz. Pois é, isso continua acontecendo, mas percebi que ultimamente uma dessas leituras tem sido bastante recorrente, acho até que pela intensidade da narrativa, cuja força ainda consigo sentir dentro de mim.

Seja como for, as lembranças de Crime e Castigo, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, sempre me acompanham nas viagens pelo metrô de São Paulo.

O livro, publicado em 1866, narra a história de Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem estudante de Direito que se sente marginalizado pela falta de dinheiro. No decorrer da trama comete dois assassinatos e se vê perseguido pela incapacidade de continuar sua vida após os crimes.

Crime e Castigo é um romance denso, profundo, perturbador, um verdadeiro ensaio psicológico da alma humana, tendo por base um visão sobre religião e existencialismo com foco predominante no tema de alcançar a salvação pelo sofrimento, lembrando ainda de questões como socialismo e niilismo.

O livro ganhou adaptações para o cinema. A primeira – Crime and Punishment –, em 1998, com direção de Joseph Sargent, tendo no elenco Ben Kingsley, Patrick Dempsey e Julie Delpy. em 2004 foi a vez do brasileiro Nina entrar no circuito, dirigido por Heitor Dhalia e protagonizado pelos atores Guta Stresser, Wagner Moura, Lázaro Ramos e Matheus Nachtergaele. E, em 2005, chegou às telas Match Point, dirigido por Woody Allen e estrelado por Jonathan Rhys Meyers, Emily Mortimer e Scarlett Johansson.

Confesso que não assisti a nenhum deles, então não posso falar sobre esses filmes, mas pelo que li, a crítica foi bastante favorável, sobretudo a Match Point.

Em compensação, li Crime e Castigo duas vezes há um bom tempo, depois de um outro livro do autor, também lido duas vezes: Os Irmãos Karamazóv, um dos meus romances preferidos. A leitura duplicada dos livros de Dostoiévski não pode ter sido mera coincidência, só agora me dou conta disso. Acho que ela fica tão enraizada nas nossas entranhas que sentimos vontade de voltar a narrativa para vivenciar toda a trama novamente.

Do autor ainda li Sonho de um homem ridículo, mas ao contrário dos outros dois, o li apenas uma vez, mas já estou morrendo de vontade de fazer uma releitura desse livro, cuja narrativa é permeada de reflexões filosóficas, bem ao estilo Dostoiévski.

Enquanto não me aventuro, continuo seguindo pelo metrô com minhas lembranças recorrentes de Crime e Castigo. Acho que a extraordinária história que o autor nos apresenta é o mote para fazer com que minha mente esteja em constante movimento. Penso que isso talvez tenha mais ou menos a ver com aquilo que Dostoiévski quis dizer em uma das passagens do livro:

"Os indivíduos se dividem em duas categorias: os ordinários e os extraordinários. Os ordinários são pessoas corretas, que vivem da obediência e gostam de ser obedientes. Já os extraordinários são os que criam uma coisa nova, todos os que infringem a velha lei, os destruidores. Os primeiros conservam o mundo como ele é. Os outros movem o mundo para um objetivo..."

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Leituras científicas

Prótese implantossuportada, estreptococos do grupo mutans, braquetes autoligáveis. Enxerto ósseo bovino, sangramento à sondagem, ligas de titânio molibdênio. Estas são as palavras que mais frequentemente tenho visto nos últimos dias. E não poderia ser diferente, porque, trabalhando como redatora de revistas científicas, na área da Odontologia, é natural que aquelas palavras estejam presentes no meu dia a dia. O problema é que elas se acumularam de uma só vez na minha rotina, e não só na escrita, mas na leitura também.

Cada palavra contida naqueles dois grupos corresponde a uma publicação específica. A primeira é da área da Implantodontia; a segunda da Periodontia; e a terceira da Ortodontia. Sempre faço uma revista de cada vez, mas neste início do ano, as três tiveram seu fechamento antecipado e igualado por conta do Ciosp, o Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, que acontecerá no final deste mês, e as revistas tem de estar prontas para circularem no encontro.

Até aí tudo bem. Não foi muito diferente o ano passado, mas o "xis" da questão é que a revisora das revistas está com problemas de saúde e, por conta disso, faltou bastante no trabalho, até que acabou saindo de férias no início desta semana. Conclusão: além de fazer o meu trabalho, também acumulei o dela, e olha que não é pouca coisa não. Por isso, minha rotina tem sido ler – com algumas folgas para escrever matérias e entrevistas que estão dando crias na minha mesa – o conteúdo científico das revistas, cuja média de páginas está em torno de 120, 150.

Outro dia cheguei a ler tanto, quase sete horas seguidas, que tudo o que eu queria, no final do expediente, era descansar meus olhos, sumir da agência, sair dali o mais rápido possível, mas advinhem para quê? Ansiava, sim, em ir embora, mas o que eu queria mesmo era chegar no metrô, entrar no trem, sentar e abrir um dos meus livros para ler. Sim, o meu desejo era ler. Só que um outro tipo de leitura, algo mais ameno, mais emocionante, mais edificante.

E, embora cansada, o prazer que senti quando me vi com os olhos postos em um livro foi imenso, ou melhor, revigorante. Esqueci de tudo. De onde estava, do meu trabalho, dos termos técnicos, daquelas palavras esquisitas, chatas e cansativas.

É certo que nem tudo é desagradável no que faço, mesmo porque a gente acaba se acostumando e, além do mais, em alguns textos eu posso mexer, melhorar e dar uma forma mais clara e acessível (este é o trabalho do jornalista), principalmente naqueles que eu mesma faço; em outros, porém, nos artigos científicos propripamente ditos, estes não me cabe alterar. O jeito é esperar pela viagem de metrô, onde outras leituras me aguardam. Estas sim farão minha mente relaxar, ao mesmo tempo que a impulsionam a pensar em outras formas de escrever, dando asas à minha imaginação.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Memória musical

Em Tesouro em caixa de papelão, uma das crônicas do livro Nunca Subestime uma Mulherzinha, Fernanda Takai fala sobre um cantor português bastante extravagante da década de 1980, que morreu ainda jovem. Tempos depois, seu irmão resolveu mostrar a amigos uma caixa cheia de cassetes e fitas de rolos com canções dele, muitas inéditas. Posteriormente, estas foram reunidas em um projeto com outros artistas portugueses e lançadas com muito sucesso.

O acaso foi o bastante para que Fernanda fizesse um paralelo com um fato que lhe aconteceu em 2007. Ao visitar sua mãe, esta lhe mostrou duas caixas repletas de fitas cassetes da família com músicas gravadas entre 1970 e 1990. Essas músicas, selecionadas de acordo com o gosto familiar, eram ouvidas, sobretudo, nas viagens que faziam de carro, ou seja, verdadeiras jóias. Ao ouvi-las naquele momento da desvoberta, sua memória retornava no tempo, fazendo-a reviver as viagens, a paisagem da estrada, as frases dos para-choques dos caminhões à frente.

– A música tem esse efeito mágico de nos transportar pelo tempo. Pelo passado, principalmente. – diz ela no texto.

Não pude deixar de ficar tocada com a crônica. É que ultimamente tenho lembrado muito das músicas que ouvia na minha infância. Talvez seja pelas recentes festas do final do ano, época em que as canções natalinas são reacendidas no imaginário popular e também exaustivamente executadas em apresentações de corais e concertos musicais. Muitas delas eram tocadas na “vitrolinha” de casa, naqueles discos de vinil pequeno.

Meus pais não eram músicos, mas gostavam de ouvir canções e faziam questão de passar esse gosto para mim e para minha irmã. Assim, ouvíamos músicas de vários estilos, que passavam do clássico para o bolero, para o tango e populares, até o religioso. Uma miscelânia que fez com que apreciássemos diversos ritmos.

Com o passar do tempo começamos a ter os nossos próprios gostos e repertórios. De Jovem Guarda a Tropicália e Bossa Nova até Beatles, Carpenters, Queen e o rock nacional dos anos de 1980, aportando na clássica MPB, mas aquelas primeiras músicas ouvidas na infância ficaram, sem dúvida, gravadas dentro de nós, e não tem como esquecê-las, de forma que ouvi-las hoje em dia é dar um passeio pela nossa história, pela história da minha família.

Mais tarde minha irmã se casou e teve dois filhos, aos quais fiz questão de passar a nossa memória musical. Lembro dos finais de semana em casa, quando meu aparelho de som não parava de tocar CDs de vários estilos, contemplando ainda um pouco do gosto de cada um. Fazíamos um pot-pourri bastante eclético que embalava as tardes e nos divertia muito.

Hoje, meus sobrinhos já são adultos e, é claro, têm as suas preferências musicais, só ouvindo o que gostam, sem espaço para nostalgia. Mas, quem sabe um dia, eles acabem se lembrando daquelas primeiras músicas escutadas na infância, fazendo reviver assim a memória musical da família, que também é a deles.

É mais ou menos como Fernanda termina a crônica em referência a caixa com o achado musical:

– Um dia quero que minha filha também encontre um tesouro assim.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Extraordinária vida real

Embora eu goste de ler, meu ritmo de leitura é um pouco lento e é sempre feito com um livro de cada vez. Da mesma forma, embarcar em outra leitura logo após ter terminado uma, também é um processo que faço aos poucos. Isso porque é muito difícil, para mim, sair de vez daquelas páginas nas quais estava submersa. Elas ainda ficam muito vivas na minha mente para que eu possa adentrar assim em outras linhas, em outros mundos.

Por isso, as histórias contidas em O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real, da jornalista Eliane Brum, que terminei de ler no final do ano passado, ainda estão muito fortes na minha memória. Guardadas as devidas proporções, acho que me aproximo um pouco daquilo que a própria autora sente quando mergulha, literalmente, de corpo e alma, em uma reportagem.

Há um comentário no livro, sobre a matéria O Povo do Meio, que Eliane fez para contar a história de um punhado de brasileiros, ignorados pelo próprio País, vivendo em uma região da Amazônia, que traduz perfeitamente isso:

Nunca vou esquecer do corpo de passarinho do seu Herculano, um rastro de gente no mundo, resistindo em cima da sua floresta, agarrado à beira do único mundo que conhece. A gente não mergulha no mundo do outro impunemente. E depois vai embora como se nada tivesse acontecido. Toda viagem é sem volta. E eu ainda estou chegando.

O Olho da Rua contém dez reportagens que Eliane fez nos últimos anos para a revista Época - cinco delas urbanas, quatro na Amazônia e uma sobre uma experiência corporal da própria autora. Mas o melhor do livro não são só as reportagens, embora só elas já valessem a leitura, há ainda, para cada matéria, uma reflexão bastante sincera da autora, uma espécie de making of, de como foi o processo de reportagem, as dificuldades que enfrentou, as escolhas feitas, os erros e os acertos cometidos. Contadas assim, as histórias, de tão reais, às vezes parecem inventadas. E, além de tudo, são magnificamente ilustradas por imagens feitas por fotógrafos-repórteres.

Eliane Brum é uma jornalista que ainda mantém aquele hábito saudável, mas tão em desuso hoje nas redações de jornais e revistas: o de estar na rua, acompanhando de perto o dia a dia das pessoas que fazem a história real. Tímida, de poucas palavras, ela consegue transmitir um elo de confiança com seus personagens por um único e simples detalhe: saber ouvir o que elas têm a dizer.

Como repórter – e como gente –, eu sempre achei que mais importante do que saber perguntar é saber escutar a resposta.
Porque só tem graça ser repórter quando nos entregamos à reportagem e deixamos que ela nos transforme. Se um dia eu voltar a mesma de uma viagem para o Amapá ou para a periferia de São Paulo, abandono a profissão. Ser repórter é renascer e se recriar a cada reportagem. De preferência por parto natural.

Isso me faz lembrar de um fato que aconteceu comigo, quando trabalhei em uma agência de house organ. Não me recordo como, nem porque, de repente me vi sentada na cozinha da empresa com o dono da casa onde a empresa funcionava. Ele começou a me contar sobre sua vida, falou com saudades da esposa, lembrou o tempo em que morava naquele prédio e das histórias vividas nele. Depois parou, me olhou e disse, envergonhado:
– Não sei porque estou lhe contando todas essas coisas.
Sorri meio sem jeito, mas respondi calmamente:
– Porque estou lhe ouvindo.

A primeira vez que vi Eliane Brum foi em 2007, no 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, realizado pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no Memorial da América Latina, em São Paulo. Fui a um dos debates para ver o jornalista Caco Barcellos, que dividiria a mesa com Domingos Meirelles e Eliane Brum. Eu não a conhecia, mas havia ouvido falar sobre ela, e me entusiasmei a comprar o seu livro A Vida que Ninguém Vê, uma coletânea de histórias reais sobre a vida de pessoas comuns.
Na palestra, Caco foi para mim uma decepção, se bem que não deixei de gostar dele. É que além de chegar atrasado por causa do trânsito (se não me engano), pouco falou. É como se não tivesse nada a dizer. Eliane, ao contrário, apesar da sua grande timidez, que a fez levar um texto pronto e lido na hora, não só agradou como encantou a todos. E reinou absoluta naquele debate. Fiquei fascinada e ainda de quebra consegui que ela autografasse o seu livro para mim. Depois disso, passei a acompanhar sua trajetória.

O Olho da Rua é seu terceiro livro. Os outros dois são Coluna Prestes – O Avesso da Lenda, no qual refez a marcha do exército rebelde pelo país, entrevistando diversas testemunhas. E o segundo é o A vida que ninguém vê, que comentei acima.
Ela já se aventurou também na área de cinema, com o documentário Uma história severina, como co-diretora e co-roteirista. Nele, a jornalista acompanha a trajetória de uma nordestina que teve o destino alterado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Ler as reportagens de O Olho da Rua para mim foi um misto de prazer e de dor. Fiquei encantada, mergulhei fundo nas histórias e nas vidas dos personagens retratados, ri e chorei diversas vezes. É difícil apontar qual seja melhor. Em O homem-estatística, ela convive por uma semana com um chefe de família desempregado, na casa deste. É interessante descobrir, na reflexão que faz, a forma como ela escolheu esse personagem:

Decidi encontrar meu personagem no momento que eu achava mais dramático, o da queda. Não no primeiro dia de desemprego, quando se misturam choque e expectativa de encontrar um novo lugar no dia seguinte. Nem naquela fase em que já se bateu em tantas portas que não abriram que a espinha se esfarelou. Eu buscava o momento em que se iniciava a perda de padrão de vida, lugar na família e esperança. Esse é o momento em que o homem está só no parapeito do mundo.

Nos reconhecemos. Eu era a repórter em busca de um personagem. Ele era o personagem em busca de alguém que contasse sua história. Toda reportagem é um encontro. É algo especial – e a gente sabe quando acontece. Por isso não acredito em história arrancada. Quando me perguntam qual é a minha “técnica” de entrevista, nunca sei o que dizer. Não conheço nem me interesso pelas técnicas de colegas que se orgulham de “arrancar” respostas, confissões das pessoas.


Eu não arranco nada. Só me comprometo a ouvir, a escutar de verdade, sem preconceitos. E se as pessoas me contam suas histórias é porque quiseram contar, porque me deram algo precioso: sua confiança. E é o respeito pelo privilégio de entrar em suas casas e ouvir a narrativa de suas vidas que me carrega por toda a reportagem, até a publicação. E depois dela.

Gostei ainda de A Casa de Velhos, em que conta as histórias e o dia a dia em uma casa de repouso, ou melhor dizendo em um asilo; de O inimigo sou eu, em que narra a experiência (até mesmo corporal) com a meditação vipassana, pela qual se submeteu por dez dias; de a Mulher que Alimentava, na qual testemunha os últimos 115 dias de vida de uma merendeira de escola; e dos testemunhos das mães em Expectativa de vida: vinte anos, que perdem os filhos na guerra do tráficos nas favelas.

Ao iniciar sua narrativa de morte, Eva avisa: “Fiquei fria, não choro mais, não sinto mais nada. Nada, nada, nada”. Então começa a chorar e não para mais até o ponto final. A história de sua vida sai encharcada. Zeus, na mitologia grega, compadeceu-se do pranto de Níobe, cujos sete filhos e sete filhas foram mortos. Na lenda ele transformou aquela mãe numa rocha que verte água. Foi a forma encontrada pelos antigos para representar a dor sem nome. Mães que perdem filhos assassinados são pedras que choram.

Para falar desse livro e de Eliane Brum acho que o espaço é insuficiente. Só mesmo lendo seus livros e suas reportagens para entender o que estou tentando dizer. São repórteres como ela que ainda fazem do Jornalismo uma das melhores profissões do mundo, ou seja aquela com o poder de trazer ao conhecimento e à compreensão vidas e histórias extraordinárias. Por isso mesmo, difíceis de esquecer.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Como dizia o poeta

Ainda em clima de Ano-Novo, deixo aqui, após esta primeira semana de janeiro, um poema de Carlos Drummond de Andrade para refletirmos no quanto de bom a vida nos oferece, mas que muitas vezes nem percebemos, preocupados que estamos com os sonhos e os fatos que não aconteceram ou não realizamos.

Que em 2010 possamos achar um equilíbrio entre o prazer e a dor, lembrando ainda da oração do teólogo Reinhold Niebuhr que diz: “Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras.”

Viver não dói
Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana, que gerou
em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos
de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos,
por todos os filhos que gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque
nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres
que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que
poderíamos estar confidenciando a ela
nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós,
impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos
e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo,
mais me convenço de que
o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um antídoto perfeito

A leitura é mesmo algo surpreendente.
Ela acalma, emociona, diverte, anima.
Pode entreter, levar a mente para outros mundos, confortar nos momentos difíceis, trazer conhecimento, alargar horizontes.
E o que é melhor, sem que a pessoa saia do lugar onde está, esteja aonde estiver, até mesmo no tumulto de um terminal rodoviário, abarrotado de pessoas em um final de ano, a espera do ônibus para o litoral paulista.

O dia? 30 de dezembro de 2009.
Eu, minha irmã e meu sobrinho chegamos às 19h35 no terminal do Jabaquara, em São Paulo. Ali embarcaríamos para a Praia Grande, o nosso destino da passagem do final de ano. O horário do ônibus estava marcado para às 21h15, mas pela quantidade de pessoas que circulavam pelo terminal já dava pra ter uma ideia da dificuldade que seria para chegar até a plataforma de embarque que, vista de cima, mais parecia um formigueiro em expansão.

Só que para alcançar o local exato, mal dava pra passar pelas pessoas que ali se instalaram, mesmo que o horário de saída delas não fosse aquele. Mas era compreensível, porque logo constatamos que os ônibus estavam com o embarque atrasado e deveríamos também encontrar um lugar para se encostar e esperar.

A tarefa não era fácil, mas rapidamente minha irmã conseguiu achar um espaçozinho no banco de pedra perto das grades que limitavam a plataforma. Eu e meu sobrinho tivemos de agüentar mais um pouco em pé, até que por fim eu também consegui sentar e depois ele.

Há tempos esperava por esse momento, quero dizer, o de passar o final de ano na praia. Seria a primeira vez e a expectativa era enorme. Sempre ouvi dizer – e vi pela televisão – que o espetáculo de fogos na areia com o mar ao fundo era uma das coisas mais bonitas para presenciar, e a vontade de estar em meio àquela multidão era imensa. Mas não sei porquê eu não me sentia muito animada, estava meio apática, introspectiva e tensa. Só sabia que não era pela dificuldade de embarque, o meu humor não estava bom muito antes de chegar ao terminal.

O tempo foi passando e logo chegou o do nosso embarque, mas o atraso nos horários fez com que tivéssemos de aguentar mais um tanto, aumentando ainda mais o meu desânimo.

Foi quando lembrei que na minha bolsa estava um livro que eu havia escolhido para levar à praia e ler quando achasse necessário: Nunca Subestime uma Mulherzinha, de Fernanda Takai, aquele que eu havia adquirido em outubro do ano passado, mas que deixei para ler depois. Escolhi levar este livro porque era uma leitura mais leve, rápida, com crônicas e histórias curtas do cotidiano e memórias da infância da cantora, perfeito para ler naqueles dias de praia. E foi mais que perfeito para aquele momento em que me encontrava. Toda a algazarra, falatório, euforia, barulho de ônibus e tudo o mais foi esquecido quando me debrucei sobre as páginas do livro. Entrei em outro mundo. E mais, me senti melhor comigo mesma.

As horas foram avançando e quando dei por mim já eram quase 23 horas. Do outro lado minha irmã me acenava para que eu andasse logo porque o nosso ônibus já estava encostando na plataforma e precisaríamos chegar mais perto do ponto de embarque.

Contrariada, mas mais aliviada, fechei o livro e me preparei para tentar passar pelas pessoas que ainda atravancavam a plataforma. Chegar até o local exato para subir no ônibus não foi nada fácil, tive de dar alguns empurrões, não sem antes pedir licença, apertar aqui, alargar dali, mas com certeza já me sentia bem melhor.

Quando entrei no ônibus e me vi sentada no banco marcado, percebi que a leitura agiu como um perfeito antídoto sobre o meu humor, neutralizando venenos e fazendo com que a paz interior voltasse a reinar no meu coração.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Pra não fugir das listas


De volta à blogosfera, quero agradecer as mensagens enviadas enquanto estava de férias e desejar que 2010 seja um ano maravilhoso e bastante produtivo, em todos os sentidos, mas em especial no mundo literário. Que os livros e as leituras façam cada vez mais parte das nossas vidas, transformando nosso interior e levando nossas mentes para outros mundos e esferas.
E, pensando nisso, acabei de fazer minha listinha (mais uma) das 10 leituras mais prazerosas de 2009. Se quiser comentar a sua, fique à vontade.

Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez
Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons
O Olho da Rua, de Eliane Brum
As Armas Secretas, de Julio Cortázar
Che – Uma Biografia, de Kim Yong-Hwe
Os Contos de Beedle – o Bardo, de J.K. Rowling
10 Pãezinhos – A Crítica, de Fábio Moon e Gabriel Bá
Leite Derramado, de Chico Buarque
Perfis, de Sergio Vilas Boas
A Arte de Escrever, de Arthur Schopenhauer

Já para 2010 são tantos livros que quero ler que listá-los aqui seria uma injustiça, mesmo porque posso mudar de rumo durante o ano, ler outros que não estavam nos planos. As listas existem, adoro elas, porque nos ajudam a organizar a bagunça e dar uma direção para aquilo que queremos fazer, mas sem rigidez. Há pedras pelo meio do caminho, como diria Carlos Drummond de Andrade, que devem ser contornadas, mas que também servem para consertar rotas e nos levar para outra direção. Só não quero deixar de ler, este ano, pelo menos estes 10 livros:

O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion
A Força da Vida, de Will Eisner
Trégua, de Mario Benedetti
A Mulher que Matou o Peixe, de Clarice Lispector
Relato de um Náufrago, de Gabriel Garcia Márquez
O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza
O Livro Amarelo do Terminal, de Vanessa Bárbara
Os Leões de Bagdá, de Brian K. Vaughan e Niko Henrichon
Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro, de Daniel Piza
Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés