sábado, 30 de dezembro de 2017

Retrospectiva Literária 2017

Em 2017 as leituras foram intensas e diversificadas. Contudo, procurei ler mais escritoras mulheres e acho que o resultado foi bom e surpreendente, embora tenha deixado de lado alguns autores que gostaria de ter lido. Esses ficarão para 2018... seja como for, gostei da maioria dos livros que me acompanharam e marcaram minha história nesse 2017 que chega ao fim.

Vamos então a Retrospectiva Literária deste ano.

A fantasia que me encantou:

A Raposa Sombria – uma lenda islandesa, de Sjön

Foi o meu primeiro contato com a literatura islandesa e a obra do autor. Achei fascinante essa fábula, que mistura o rigoroso inverno islandês a uma enigmática raposa. Uma jornada de transformações muito envolvente.

O clássico que me marcou:

O Capote, de Nikolai Gogol

Trata-se de um conto de extraordinária beleza, que mistura fantasia e realidade, sobre a arte da sobrevivência.

O livro que me fez refletir:

Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende

Romance surpreendente que me fez imergir na escrita de Maria Valéria Rezende. A jornada de Alice, uma professora que vê sua rotina alterada e passa a perambular pela periferia de Porto Alegre, suscitou reflexões e reconhecimento de mim mesma diante da história da protagonista. Identificação e alento foi o que senti.

O livro que me fez chorar:

O Xará, de Jhumpa Lahiri

Com uma escrita delicada e ao mesmo tempo profunda, Jhumpa envolve o leitor nesse romance em que Gógol, o protagonista, acha-se perdido entre duas culturas: a dos Estados Unidos, onde nasceu e vive, e a que veio da Índia, trazida pelos seus pais indianos. Tocante, emocionante, lindo. Amei e chorei muito.

O livro que me decepcionou:

O Pau, de Fernanda Young

Não que eu esperasse muito, mas tive boa vontade em ler esse livro, só que... Na verdade nem me decepcionei, eu simplesmente achei o livro muito ruim. Sem comentários. Não vale a pena.

O livro que me surpreendeu:

Androides Sonham com Ovelhas Elétricas, de Philip K. Dick

Não é que duvidasse do talento de Philip K. Dick, mas como amo – e amo -  “O caçador de androides”, filme baseado nesse livro, é sempre um temor encontrar diferenças que ofusquem uma ou outra obra... enfim, as diferenças existem, mas o amor continua pelo filme e redobrou com o livro. Eu simplesmente adorei a leitura, descobri novas vertentes e me deleitei com as semelhanças. Muito, mas muito bom.

O livro que devorei:

O Voo da Guará Vermelha, de Maria Valéria Rezende

Devorar nem tanto, não no sentido de ler rápido, mas devorar em saborear, em me deleitar com o livro. História fascinante, dolorida, linda, emocionante, delicada. A trajetória do pedreiro Rosálio, que sonha em aprender a ler, e que vai ao de encontro de Irene, uma prostituta, que lhe ensina o caminho das letras, é pura poesia. Encantamento!

O livro que comecei, mas não terminei:

Esse Cabelo, de Djalmilia Pereira de Almeida

Autora angolana com uma temática bem interessante, mas o estilo é difícil, a leitura não fluiu e não consegui entender muitas passagens. Tive de parar. Espero retomar mais para frente, com mais calma.

A capa mais bonita:

O Marechal de Costas, de José Luiz Passos

Belíssima. E o livro é muito bom.

O primeiro livro que li no ano:

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, de J. K. Rowling, John Tiffany e Jack Thorne

Foi o livro que ganhei no amigo secreto, sempre começo o ano com o livro que ganhei no final do ano. Ah, gostei da história. Tem um ar de nostalgia no reencontro com personagens e universo queridos.

O último livro que terminei:

A Amiga Genial, de Elena Ferrante

O livro ficou na lista o ano inteiro e eu não poderia terminar 2017 sem, ao menos, começá-lo. Leitura deliciosa, que lembra muito a infância.

O livro que li por indicação:

Yuxin, de Ana Miranda

Não foi bem uma indicação, mas foi. Ganhei o livro no meu aniversário do ano passado, mas acabei lendo só em 2017. Romance ambientado na floresta amazônica, com linguagem ousada e muito interessante. A escrita tem som e chega ao coração. Acompanhado de CD com passagens e sons do livro. Muuuuuito bom.

A frase que não saiu da minha cabeça:

“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.”, em O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago.

O (a) personagem do ano:

Rosálio, de O Voo da Guará Vermelha. Muito lindo.

O melhor livro nacional:

O Voo da Guará Vermelha, de Maria Valéria Rezende.

O melhor livro que li em 2017:

O Voo da Guará Vermelha, de Maria Valéria Rezende.

Li em 2017... 33 livros

A minha meta literária para 2018 é:
                                                                               
Diversificar gêneros literários, prosseguir na leitura de escritoras mulheres, concluir sagas e ler mais José Saramago.

Top Cinco:

O Voo da Guará Vermelha, de Maria Valéria Rezende
Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende
O Xará, de Jhumpa Lahiri
Jerusalém, de Gonçalo Tavares
Réquiem – Uma Alucinação, de Antonio Tabucci

Menção Honrosa para:

A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón
A Mulher Desiludida, de Simone de Beauvoir
Clara dos Anjos, de Lima Barreto

E que venham mais e belas leituras em 2018. Feliz Ano Novo a todos!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Joyce, 135; Ulysses, 95

Há exatos 135 anos nascia James Joyce, um dos escritores mais controversos e esquisitos do século XX, mas também universais e eternos. Talvez tenha sido essa aura de estranheza em sua vida e obra que me inspirou a conhecê-los. Seja como for, o fato é que James Joyce sempre me intrigou, e seu livro Ulysses um desafio tão grande que um dia eu teria de vencer, fosse do jeito que fosse.

Porém, com tantos livros pela frente, Ulysses foi ficando cada vez mais para trás. O compromisso, entretanto, não foi esquecido, até que há três anos decidi me preparar para a leitura, começando primeiramente pelas outras obras do autor irlandês que antecipavam a chegada de Ulysses. Iniciei-me com Retrato do Artista quando Jovem, cujo personagem principal é Stephen Dedalus. Este, aliás, retorna aos holofotes na obra máxima de Joyce, dividindo as cenas com Leopold Bloom, o protagonista de Ulysses. Depois foi a vez de Dublinenses, livro de contos que traz um panorama da Dublin da época do escritor. É interessante lembrar que alguns personagens desse livro reaparecem em Ulysses.


Após essas incursões era chegada a hora de mergulhar em Ulysses, mas qual a melhor maneira de compreender a obra e me prender às mais de mil páginas do que estando lá, em Dublin, na Irlanda, no cenário onde ela se passa? Foi então que planejei a viagem em 2015 e embarquei para a Irlanda em 2016. O objetivo principal era conhecer a cidade e me iniciar na leitura de Ulysses, percorrendo as principais ruas e lugares por onde Leopold Bloom passa, e por tabela, James Joyce.

Confesso que ainda assim não foi fácil engatar a leitura. Alguns contratempos no início da minha estadia em Dublin desviaram minha atenção e concentração, que só se ajustaram depois de conhecer a Torre Martello, em Sandycove. O local, conhecido bem por Joyce, já que ele morou ali, é hoje um museu dedicado ao escritor e é o cenário da abertura da obra. Conhecer o lugar fez toda a diferença para entrar na história e entender trechos como esta pequena joia, que é pura poesia:

Sombras vegetavam silentes na paz da manhã flutuantes da escada ao mar para onde olhava. Na praia e mais além embranquecia o espelho d´água, pisado por pés lépidos e leves. Seio branco do mar turvo. Parelhas de pulsos, dois a dois. Mão tangendo as cordas de harpa fundindo-lhe os acordes geminados. Palavras pálidas do pélago aos pares rebrilhando na turva maré.

Pode parecer ser nexo, mas faz todo o sentido. E, a partir de então, a leitura engrenou e foi uma delícia passear com Bloom pelas ruas de Dublin.

Ulysses foi escrita entre 1914 e 1921, nas cidades de Trieste, Zurique e Paris, e publicada em 1922, exatamente em 2 de fevereiro, portanto há 95 anos.  E apesar de ter sido escrita fora da Irlanda, a obra traz um perfeito panorama da capital irlandesa na época de Joyce, com seus conflitos políticos e sociais, mostrando o modo de vida dos seus habitantes. Ali estão os pubs, as escolas, as igrejas, o teatro, enfim todos os lugares marcantes da cidade. Era visível a preocupação de Joyce em retratar a pobreza e a perda da identidade cultural irlandesa frente ao domínio britânico.

A obra foi Inspirada na Odisseia, de Homero, daí chamar-se Ulysses, o nome do personagem principal daquele épico grego. A história, dividida em 18 capítulos, cada um representando uma hora do dia, ou seja das 8 horas da manhã até às primeiras horas do dia seguinte, se passa em 16 de junho de 1904 e traz a trajetória de Leopold Bloom, judeu irlandês, de sua esposa Molly Bloom e de Stephen Dedalus, o personagem de Retrato do Artista quando Jovem.

É interessante que Joyce associa cada capítulo aos episódios da Odisseia, juntando ao estilo literário arte, cor, símbolo, técnica e órgão do corpo humano. O dia envolve acontecimentos banais, pensamentos e reflexões, diálogos, digressões e fluxos de consciência. Na mistura de linguagens, o escritor trouxe à luz novas técnicas e possibilidades literárias, invertendo palavras, misturando frases e inovando a escrita.

E por que 16 de junho de 1904? É que esta foi a data do primeiro encontro de Joyce com Nora Barnacle, que veio a ser sua esposa. E o dia ficou imortalizado, não só pelo livro, mas também pelos irlandeses, que o batizaram de Bloomsday, criando assim a famosa festa em homenagem ao livro e ao personagem principal. Nesse dia, lugares como a Torre Martello, em Sandycove, o pub de Davy Byrne, e a 7 Eccles Street, endereço do personagem, são especialmente visitados e festejados.

Para mim ler Ulysses foi uma experiência incrível, que consumiu praticamente boa parte do ano 2016. Não o terminei em Dublin, pois minha estadia lá foi curta. Terminei no Brasil, em São Paulo, no final do ano, mas com a mente em Dublin, na Irlanda, onde caminhei horas e horas pelo trajeto de Bloom e conheci muitos dos lugares que são citados no livro.

Não vou dizer que Ulysses é uma leitura fácil. Não é. Patinei em muitas partes e fiquei “a ver navios” em outras, por isso demorei tanto para terminar. Mas dessa leitura lenta surgiu uma empatia grande, que criou laços. Era agradável ter a companhia do livro em meus dias, era como se estivesse caminhando com ele e, apesar das dificuldades em algumas partes, a experiência foi enriquecedora e certamente transformou minha vida de leitora. É, acho que posso dizer que Ulysses é um dos livros da minha vida. E que sinto falta dele nos meus dias.