Porém, com tantos livros pela frente, Ulysses foi ficando cada vez mais para trás. O compromisso,
entretanto, não foi esquecido, até que há três anos decidi me preparar para a
leitura, começando primeiramente pelas outras obras do autor irlandês que
antecipavam a chegada de Ulysses.
Iniciei-me com Retrato do Artista quando
Jovem, cujo personagem principal é Stephen Dedalus. Este, aliás, retorna
aos holofotes na obra máxima de Joyce, dividindo as cenas com Leopold Bloom, o
protagonista de Ulysses. Depois foi a
vez de Dublinenses, livro de contos
que traz um panorama da Dublin da época do escritor. É interessante lembrar que
alguns personagens desse livro reaparecem em Ulysses.
Após essas incursões era chegada a hora de mergulhar em Ulysses, mas qual a melhor maneira de compreender
a obra e me prender às mais de mil páginas do que estando lá, em Dublin, na
Irlanda, no cenário onde ela se passa? Foi então que planejei a viagem em 2015
e embarquei para a Irlanda em 2016. O objetivo principal era conhecer a cidade
e me iniciar na leitura de Ulysses,
percorrendo as principais ruas e lugares por onde Leopold Bloom passa, e por
tabela, James Joyce.
Confesso que ainda assim não foi fácil engatar a leitura.
Alguns contratempos no início da minha estadia em Dublin desviaram minha
atenção e concentração, que só se ajustaram depois de conhecer a Torre Martello,
em Sandycove. O local, conhecido bem por Joyce, já que ele morou ali, é hoje um
museu dedicado ao escritor e é o cenário da abertura da obra. Conhecer o lugar
fez toda a diferença para entrar na história e entender trechos como esta
pequena joia, que é pura poesia:
Pode parecer ser nexo, mas faz todo o sentido. E, a partir
de então, a leitura engrenou e foi uma delícia passear com Bloom pelas ruas de
Dublin.
Ulysses foi
escrita entre 1914 e 1921, nas cidades de Trieste, Zurique e Paris, e publicada
em 1922, exatamente em 2 de fevereiro, portanto há 95 anos. E apesar de ter sido escrita fora da Irlanda,
a obra traz um perfeito panorama da capital irlandesa na época de Joyce, com
seus conflitos políticos e sociais, mostrando o modo de vida dos seus
habitantes. Ali estão os pubs, as escolas, as igrejas, o teatro, enfim todos os
lugares marcantes da cidade. Era visível a preocupação de Joyce em retratar a
pobreza e a perda da identidade cultural irlandesa frente ao domínio britânico.
É interessante que Joyce associa cada capítulo aos episódios
da Odisseia, juntando ao estilo literário arte, cor, símbolo, técnica e órgão
do corpo humano. O dia envolve acontecimentos banais, pensamentos e reflexões,
diálogos, digressões e fluxos de consciência. Na mistura de linguagens, o
escritor trouxe à luz novas técnicas e possibilidades literárias, invertendo
palavras, misturando frases e inovando a escrita.
Para mim ler Ulysses foi uma experiência incrível, que consumiu praticamente boa parte do ano 2016. Não o terminei em Dublin, pois minha estadia lá foi curta. Terminei no Brasil, em São Paulo, no final do ano, mas com a mente em Dublin, na Irlanda, onde caminhei horas e horas pelo trajeto de Bloom e conheci muitos dos lugares que são citados no livro.
Não vou dizer que
Ulysses é uma leitura fácil. Não é. Patinei em muitas partes e fiquei “a
ver navios” em outras, por isso demorei tanto para terminar. Mas dessa leitura
lenta surgiu uma empatia grande, que criou laços. Era agradável ter a companhia
do livro em meus dias, era como se estivesse caminhando com ele e, apesar das
dificuldades em algumas partes, a experiência foi enriquecedora e certamente
transformou minha vida de leitora. É, acho que posso dizer que Ulysses é um dos livros da minha vida. E
que sinto falta dele nos meus dias.
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