quinta-feira, 24 de julho de 2014

Partidas em julho

Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.


O trecho acima, extraído de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, pode nos ajudar a entender, ainda que seja difícil assimilar, o mistério da morte, aquela verdade absoluta e a mais certa da nossa vida. Uma verdade que se escancara ainda mais quando sabemos da morte de alguém querido, próximo ou distante, ou ainda de inocentes da violência ou de uma guerra insana.

Para a literatura mundial, mas sobretudo para a brasileira, julho está sendo um mês difícil, de grandes perdas, que nos faz pensar no significado da vida. Ao todo cinco escritores e poetas partiram, deixando saudades e uma obra inestimável: Ivan Junqueira, Nadine Gordimer, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna.

Gostaria de homenageá-los, falando um pouco sobre cada um, destacando a importância e o legado que deixaram a todos nós. Por isso, de certa forma, são imortais.


Ivan Junqueira partiu no dia 3 de julho, aos 79 anos. Jornalista, poeta e crítico literário brasileiro, ocupava a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras. Entre suas obras estão O Outro Lado, premiado com o Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, e Poesia Reunida, finalista do Prêmio Jabuti em 2006. Ainda este ano, dois livros do poeta deverão ser lançados pela Rocco: Reflexos do Sol Posto e Essa Música.


Laureada com o Nobel de Literatura de 1991, Nadine Gordimer era uma escritora sul-africana. Autora de mais de 30 livros, estreou na literatura com The Lying 
Days, em 1953, dramatizando as difíceis escolhas morais numa sociedade marcada pela segregação racial. Foi uma das grandes vozes na luta contra o apartheid. Nadine Gordimermorreu em 13 de julho, aos 90 anos.


Figura carismática, de voz potente, João Ubaldo Ribeiro morreu em 18 de julho, aos 73 anos. Era formado em Direito, mas nunca exerceu a profissão, e ocupava a cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras. Recebeu o Prêmio Camões de 2008, a maior premiação para autores de língua portuguesa. É autor de romances como Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos e Viva o Povo Brasileiro, sua obra máxima.


Rubem Alves foi escritor, educador e teólogo. Sua obra centra-se nos temas espirituais e existenciais, além de histórias infantis. Escreveu diversos artigos e monografias acadêmicas, como a tese de doutorado A Teologia da Esperança Humana, que foi a base do movimento teológico intitulado “Teologia da Libertação”. Rubem morreu no dia 19 de julho, aos 80 anos.


Um dos maiores defensores da cultural regional brasileira, Ariano Suassuna faleceu em 23 de julho, aos 87 anos. Era romancista, dramaturgo, ensaísta e poeta, cujas obras são marcadas pelos elementos das tradições nordestinas. Aos 20 anos escreveu a peça Uma Mulher Vestida de Sol, ganhadora do concurso do Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1955 estreou a peça Auto da Compadecida, sua obra máxima, que conta a história dos amigos João Grilo e Chicó, andarilhos do sertão a propagar A Paixão de Cristo. Ocupava a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras.

As lembranças ficarão, as obras vão nos suprir, mas a saudade será imensa. Por outro lado, o céu está mais iluminado, mais poético e mais propício aos sonhos. Que bom!

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Lembranças de João Ubaldo Ribeiro

Hoje cedo, ao entrar na internet, fui surpreendida – como muitos leitores brasileiros –, com a morte de João Ubaldo Ribeiro. Não dá pra expressar aqui a tristeza que senti e, em meio à perplexidade e ao espanto, custei a acreditar, mas enfim guardei o choro e lembrei-me de quando o vi, em 2011, na Festa Literária Internacional de Paraty.


Aquela foi uma Flip relâmpago para mim, uma vez que não pude participar de todos os dias da festa. Mas o pouco que vislumbrei foi o suficiente para se tornar uma das melhores das quais participei. Não só pela presença de Joe Sacco, o jornalista cartunista que faz pelas reportagens em quadrinhos, mas também por ter conhecido, de perto João Ubaldo Ribeiro.

Sua mesa, Alegoria da ilha Brasil!, foi divertidíssima, uma das melhores – e das mais lotadas - que assisti nesses anos que frequento a Flip. Franco, aberto, bem humorado, João Ubaldo surpreendeu ao falar sobre as razões que o levaram a escrever um de seus maiores sucessos – Viva o Povo Brasileiro: “quis fazer um livro grosso para esfregar na cara do Pedro Paulo (Sena Madureira, então editor na Nova Fronteira), o que efetivamente fiz”. Na época, o editor dissera a Ubaldo que escritor brasileiro só fazia livros finos para serem lidos na ponte aérea, daí sua revelação na Flip: “Não quis reescrever a história do Brasil. Quis escrever um romance bem escrito, caprichado e grosso”, e lembrou que os originais pesavam 6,7kg!

De volta daquela Flip, escrevi, para o Cubo 3 um texto intitulado No caminho de João Ubaldo, que transcrevo abaixo, fazendo assim uma homenagem ao escritor:

“João Ubaldo Ribeiro, um dos mais importantes escritores da atualidade, tem no currículo obras memoráveis, entre elas Viva o Povo Brasileiro, Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, entre outras.

Seria um prazer falar de uma delas aqui, mas por um desses lapsos da vida eu não li, ainda, nenhum daqueles livros. Na verdade, até bem pouco tempo não tinha lido nada do escritor baiano e quis o destino, sabe-se lá por que razão, ter-me iniciado na obra de Ubaldo pela via infantil. Sim, infantil, ou seja, pela leitura do recém-lançado Dez bons conselhos de meu pai, uma joia de livro, com frases curtas e belíssimas ilustrações, editado pela Objetiva.

Adquiri o livro na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, realizada no início de julho, para que o autor o autografasse após a divertidíssima mesa literária da qual participou. Entre as várias obras que despontavam de Ubaldo na Livraria oficial da festa, em Paraty, o “livrinho” me chamou a atenção e resolvi comprá-lo. E não me arrependi.

Manuel Ribeiro, pai de João Ubaldo, foi professor de História e Direito da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador. Atuou também na política, como deputado estadual em Sergipe e vereador em Salvador. Foi casado com Maria Felipa Osório Pimental, com quem teve quatro filhos, sendo João Ubaldo o mais velho.

Na obra, Ubaldo lista dez ensinamentos que seu pai lhe deu na infância. Não esquematizado da forma como se encontra na publicação, assim o autor revela na abertura do livro, mas “deu todos, mostrando como se deve fazer”.

São pequenas preciosidades que ocupam as 56 páginas de encher os olhos – e o coração –, como estas:

Não seja tutelado
Não permita que as pessoas resolvam as coisas por você. Por mais que o problema seja chato de enfrentar.

Não seja colonizado
Coma o que gostar, fale como gostar, vista-se como gostar – seja como seu povo, não seja macaco.

Não seja amargo
As coisas acontecem, aconteceram, ficam acontecidas. Se você for amargo, essas coisas continuam acontecendo.


As ilustrações, ricas em detalhes, que ocupam a página inteira e desenhadas em cores fortes e atraentes, são assinadas por Bruna Assis Brasil, jornalista formada e design gráfico. Interessada pela arte da Fotografia, Bruna mistura cores e texturas reais ao traçado do seu lápis e exerce a profissão de ilustradora desde 2009.

João Ubaldo Ribeiro, que nasceu em Itaparica, na Bahia, em 1941, é membro da Academia Brasileira de Letras e vencedor do prêmio Camões de 2008. Cursou Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e teve suas obras publicadas em diversos países.

O escritor cresceu numa casa repleta de livros de todos os gêneros, que se espalhavam por diversos cômodos. Foi dessa forma que aprendeu a amar a leitura, um dos valores ensinados pelos seu pai, bem como o estudo e a vontade de aprender mais, além de conceitos de cidadania e honestidade.

Nunca tinha visto João Ubaldo pessoalmente e pouco conhecia dele, devo admitir, não sem certo pesar, mas a curiosidade e a urgência em corrigir essa falha impulsionaram o desejo de assistir sua mesa – Alegoria da ilha Brasil! – na Flip, acho que mais para desfazer uma impressão errada que tinha do escritor – de uma pessoa carrancuda e mal-humorada.

Essa noção equivocada surgiu quando li Perfis – e como escrevê-los, do jornalista e professor Sergio Vilas Boas, que traz perfis de dez escritores. João Ubaldo foi um dos retratados que, no início do texto, dava mostras de ser extremamente ranzinza – na verdade, irritado em responder as mesmas perguntas que os jornalistas lhe faziam. Eis o trecho:

- Quinhentos anos? Você veio aqui para falar dos quinhentos anos? Essa não!
- Bem, poderia ser um dos assuntos, afinal a Carta de Pero Vaz de Caminha ainda é a certidão de nascimento do Brasil...
- Primeiramente, não temos quinhentos anos.
- Menos ou mais?
- Olhe, meu amigo, preciso trabalhar; estou cada vez mais sem saco para entrevistas.
- Por que deixou a gente [eu e o fotógrafo carioca Antônio Batalha] chegar até aqui, então?
- Você insistiu muito...
- O que mais te incomoda em entrevistas?
- Os caras me fazerem as mesmas perguntas de sempre, e o modo como me folclorizam.
- Pode nos mandar embora daqui, se quiser.
- Mas sou um sujeito que não sabe dizer não. Vamos, vamos começar. Diga o que pretende.


Na época não percebi, mas nesta resposta final já transparecia o João Ubaldo acessível, e que eu pude comprovar em Paraty, pouco antes da mesa literária, quando o vi nas ruas da cidade, cercado de fãs, sorrindo para todos e se dispondo a tirar fotos com eles. João Ubaldo nada dizia, mas olhava fascinado para seus leitores e se deixava levar por eles.

Ali compreendi a grandeza da sua alma, capaz de escrever grandes romances de alcance mundial, focados no público adulto, mas também pequenos tesouros, como Dez bons conselhos de meu pai.

E, pensando bem, acho que foi um bom começo para adentrar em sua obra."

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A evolução da tática no futebol

Ainda sob o impacto da derrota do Brasil por 7 x 1 frente à equipe da Alemanha na Copa do Mundo, tento enxugar o pranto, reunir os cacos e reorganizar minhas ideias e emoções. Não é fácil, mas é preciso levantar a cabeça e procurar não deixar que essa paixão, mais uma vez, esmoreça no meu coração, a exemplo do que tinha acontecido antes da Copa começar.


Enfim, me recolhi, me calei, me interiorizei. Sorrimos, choramos também. Faz parte da vida, portanto, era preciso maturar e digerir. Depois fui buscar alento em outra paixão, que sempre me socorre nesses momentos cinzentos: os livros. Mas ainda não podia escapar das amarras do futebol, não ainda, tão incrustado que ficou nessas últimas semanas. Então escolhi para esse consolo De Charles Miller à Gorducinha – A evolução tática do futebol em 150 anos de história (1863 – 2013), de Darcio Ricca.

Lançada em maio deste ano e publicado pela Livrosdefutebol.com, a obra é fruto de uma extensa e bem elaborada pesquisa, incluindo entrevistas com especialistas e grandes nomes do futebol, como Gérson Canhotinha de Ouro, Ademir da Guia (o Divino), Evaristo de Macedo, Alberto Helena Jr. e Rubens Minelli, entre outros.  

O livro faz uma análise da evolução das táticas do futebol, com base em dados históricos e sociais, nacionais e internacionais. Divide-se em 17 capítulos cronológicos, iniciando na Londres de 1863 para desembocar no mundo em 2013, sendo que cada capítulo abre com o nome de uma bola. Trata-se de registrar, analisar e homenagear a evolução tática do futebol brasileiro e do mundo.

No prefácio, assinado por Max Gehringer, “estratégia seria uma meta ampla. Por exemplo, ser campeão brasileiro. Tática é o conjunto de medidas que irão levar ao atingimento da meta. Por exemplo, contratar um preparador físico. Teoricamente, a estratégia é um plano de longo prazo que não muda, enquanto táticas são opções de curto prazo, que variam conforme a situação. O que, na prática, não é bem verdade.”

E admite que no mundo do futebol essa conceituação seja contrária à definição dos dicionários. Porém, “o importante é que este livro não perde tempo com tais elucubrações e vai direto ao ponto. Tática é tática e estratégia é o resto”, pontua Gehringer.

Só para fechar a questão, no futebol, tática é a distribuição das peças dentro do campo, e a estratégia, mudanças para segurar o resultado. E o que o livro de Darcio traz são as diferentes táticas no decorrer do tempo, através do qual o campo se transforma em tabuleiro e as peças se movem ininterruptamente de acordo com o papel que lhes foi confiado. Assim o leitor encontrará no livro os esquemas:
4 – 2 – 4 brasileiro de 1958
4 – 3 – 3 inglês de 1966
A sanfona mecânica (carrossel) da Holanda de 1974
4 – 4 – 2 dos retranqueiros-light
4 – 5 – 1 dos retranqueiros-apavorados
Catenaccio italiano
Verrou (ferrolho) suíço
...

Depois de abrir, manusear e ler trechos do livro fiquei pensando no que buscava quando cheguei até ele. Talvez entender o que aconteceu com o Brasil nesta Copa que estava sendo realizada no próprio País, e, assim, tentar fazer uma melhor leitura não só daquela partida, mas das anteriores também, além de verificar como estratégia e tática se encaixavam nela. É preciso um aprofundamento maior na obra para descobrir.

Seja como for, acho que é mais ou menos o que Darcio quis fazer depois de passar a infância, e talvez a adolescência, ouvindo especialistas comentarem que a “Tragédia do Sarriá (partida em que o Brasil perdeu pelo placar de 2 x 3 da Itália na Copa do Mundo de 1982, no estádio do Sarriá, em Barcelona, na Espanha) poderia ter sido (quem sabe?) evitada por uma melhor leitura da partida naquela tarde. Deve ter sido aí que surgiu seu interesse por tática e estratégia.

Vale destacar que Darcio Ricca é administrador de empresas e apaixonado por esportes. É membro do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol (do qual já foi coordenador, em 2013-2014) e criador do site www.3nacopa.com.br, no ar desde 2009. 

Para adquirir o livro acesse http://www.livrosdefutebol.com/

terça-feira, 8 de julho de 2014

TAG - Seleção literária

Na reta final da Copa do Mundo deparei-me com uma TAG bacana no blog Resumo da Ópera, que utiliza o esquema de escalação de times de futebol para selecionar craques da literatura universal. Claro, da preferência de cada um.

Sim, sei que já fiz um post sobre seleção literária, e pareço ser repetitiva, mas aquele foi um time com craques brasileiros. Agora escalo uma seleção internacional de escritores que, por sinal, batem um bolão. E, claro, incluindo brasileiros.


Vamos a eles:

1. Goleiro

(Um autor que é seu porto-seguro, para onde você sabe que pode correr quando nada mais te anima a ler. Aquele que sempre te defende das leituras ruins.)

J. M Coetzee

Já li três livros do autor – Desonra, Homem Lento e Verão – e confesso que, a cada leitura, Coetzee me surpreende, me encanta, me fascina com suas histórias. Sinto um prazer imenso em ler seus livros, o que me faz crer que se nada mais me interessar para ler, é só pegar uma de suas obras que o prazer da leitura voltará imediatamente. Meu porto-seguro mesmo.

2. Zagueiro

(Um autor forte, intenso, que mexeu muito com você.)

Eliane Brum

É impossível ler Eliane Brum sem se envolver. Seus textos são intensos, fortes, doloridos, questionadores, reflexivos demais para o leitor ficar indiferente. A autora tem o dom de mexer profundamente com nosso interior com uma intensidade incrível.

3. Lateral direito

(Um autor a quem você resistiu e de quem duvidou que fosse gostar, mas aprovou no final.)

William Faulkner

Nunca tinha lido nada do autor e provavelmente não leria se não fosse um Clube de Leitura que participo. O desafio foi Enquanto Agonizo, uma de suas principais obras. Estranha a princípio, pensei ser esta uma história difícil de digerir, mas ao final estava extasiada. O autor me surpreendeu. Gostei demais.

4. Lateral esquerdo

(Um autor que você nunca leu e que tem fama de ser ‘osso duro de roer’.)

Umberto Eco

Até tentei ler Umberto Eco, anos atrás, começando por O nome da rosa, antes de saber dessa fama de difícil. Senti na pele, ou melhor, na mente e no coração, pois não passei das 30 páginas iniciais. Não voltei mais. Estou prestes a reconsiderar, já que vou me aventurar por esse livro ainda este ano. Vamos ver se desta vez consigo. O pior – ou será que é o melhor – é que tenho mais quatro livros de Eco em casa, esperando para serem lidos.

5. Volante

(Um autor com excelente qualidade técnica, que coloca cada palavra milimetricamente no lugar.)

Cristovão Tezza

Tezza sabe das coisas. Sua prosa é deliciosa, de qualidade inquestionável. Ele sabe usar as palavras com precisão, dando cadência e ritmo à narrativa. Sempre é um prazer lê-lo, tanto pela história em si quanto pela qualidade literária.

6. Ala direito

(Um autor que arranca com tudo e tem um ritmo insano de narrativa.)

Jorge Luis Borges

O autor consegue me surpreender, sempre. Seus textos não são fáceis, alguns até estranhos para a compreensão, mas são belíssimos, intensos, magníficos. Borges consegue reunir uma infinidade de elementos e informações em seus contos de forma espetacular, proporcionando ao leitor uma viagem louca, densa e fascinante. Enfim, insana mesmo.

7. Ala esquerdo

(Um autor cheio de drible, que te enganou direitinho com as reviravoltas da história.)

J K Rowling

Ao criar Harry Potter e seu mundo, Rowling mostrou uma técnica incrível, com dribles mágicos e viradas no placar no mínimo fantásticas. Suas histórias podem parecer cópia disso ou daquilo, ter alusões a outros universos já criados, mas justiça seja feita, que habilidade para amarrar a narrativa, para fazer conexões, avançar e envolver com maestria o leitor. Ponto para ela.

8. Meia-armador

(Um autor que é o craque do time, o camisa 10, que se destaca pela criatividade e pela habilidade.)

Mia Couto

Com uma narrativa envolvente, permeada de palavras novas, no melhor estilo João Guimarães Rosa, Mia Couto cria, encanta e emociona. Seus livros são um deleite, pura poesia, um bálsamo numa realidade caótica.

9. Ponta direita

(Um autor ousado, que te surpreendeu positivamente.)

José Saramago

Classificar Saramago de ousado pode parecer estranho. Ou não. Mas é exatamente assim que o vejo, por meio de sua narrativa oral e de suas histórias, cujo forte embasamento no conhecimento religioso proporciona uma crítica ácida aos valores cristãos (e olha que sou católica praticante). Mas sua narrativa me envolve e me encanta, surpreendendo sim agradavelmente.

10. Ponta esquerda

(Um autor confiável, que está sempre na sua lista de leituras favoritas.)

José Lins do Rego

Impossível escalar uma seleção literária sem a presença de José Lins do Rego, um dos meus escritores favoritos. Sua obra, pontuada pelo regionalismo, fascinou-me na adolescência e ainda me emociona. Se me perguntarem qual é o livro da minha vida, respondo fácil: Fogo Morto, a obra-prima de Lins do Rego. Não tem como não figurar nas listas de minha preferência.

11. Atacante

(Seu autor queridinho, o artilheiro da sua estante, aquele que você mais leu na vida.)

Machado de Assis

Claro, Machado não poderia ficar de fora desta lista, afinal, é ele o autor que mais li, e que sempre me encanta com sua ironia fina, suas frases perfeitas, suas belas construções literárias. É o queridinho da mamãe.


Com em toda seleção sempre um ou outro escritor acabou ficando de fora da convocação, mas tem mais um que eu gostaria de incluir, e não poderia ser diferente, mesmo porque é um grande craque e, sem ele, o time ficaria incompleto.

Para solucionar essa equação, já que são apenas 11 nomes que compõem uma seleção, resolvi colocá-lo como técnico, porque, afinal, um time precisa de um mestre para criar as estratégias do jogo. Então, o técnico da minha seleção literária é:

Gabriel Garcia Marques,
que com sua mente criativa e fenomenal é capaz de desenvolver táticas incríveis e fantásticas para a seleção vencer de goleada.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Conselho de Nelson Rodrigues

Na última semana, a questão do lado emocional dos jogadores brasileiros na Copa do Mundo ganhou a manchete dos jornais, telejornais e redes sociais, tornando-se um dos assuntos mais debatidos entre os torcedores.


Isso me fez lembra de uma crônica de Nelson Rodrigues que, escrita há mais de 50 anos, já fazia referência aos “males da alma” - Freud no futebol -, cujas ideias do escritor são bastante interessantes e atuais nesse momento da seleção brasileira.

Achei oportuno publicá-la nesse dia de hoje. Confira:

 "Freud no futebol
(Manchete Esportiva, 7/4/1956)

Um amigo meu que foi aos Estados Unidos informa que, lá, todo mundo tem o seu psicanalista. O psicanalista tornou-se tão necessário e tão cotidiano como uma namorada. E o sujeito que, por qualquer razão eventual, deixa de vê-lo, de ouvi-lo, de farejá-lo, fica incapacitado para os amores, os negócios e as bandalheiras. Em suma: — antes de um desses atos gravíssimos, como seja o adultério, o desfalque, o homicídio ou o simples e cordial conto-do-vigário, a mulher e o homem praticam a sua psicanálise.

O exemplo dos Estados Unidos leva-me a pensar no Brasil ou, mais exatamente, no futebol brasileiro. De fato, o futebol brasileiro tem tudo, menos o seu psicanalista. Cuida-se da integridade das canelas, mas ninguém se lembra de preservar a saúde interior, o delicadíssimo equilíbrio emocional do jogador. E, no entanto, vamos e venhamos: — já é tempo de atribuir-se ao craque uma alma, que talvez seja precária, talvez perecível, mas que é incontestável.

A torcida, a imprensa e o rádio dão importância a pequeninos e miseráveis acidentes. Por exemplo: — uma reles distensão muscular desencadeia manchetes. Mas nenhum jornal ou locutor jamais se ocuparia de uma dor-de-cotovelo que viesse acometer um jogador e incapacitá-lo para tirar um vago arremesso lateral. Vejam vocês: há uma briosa e diligente equipe médica, que abrange desde uma coriza ordinaríssima até uma tuberculose bilateral. Só não existe um especialista para resguardar a lancinante fragilidade psíquica dos times. Em consequência, o jogador brasileiro é sempre um pobre ser em crise.

Para nós, o futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas puramente emocionais. Basta lembrar o que foi o jogo Brasil x Hungria*, que perdemos no Mundial da Suíça. Eu disse “perdemos” e por quê? Pela superioridade técnica dos adversários? Absolutamente. Creio mesmo que, em técnica, brilho, agilidade mental, somos imbatíveis. Eis a verdade: — antes do jogo com os húngaros, estávamos derrotados emocionalmente. Repito: — fomos derrotados por uma dessas tremedeiras obtusas, irracionais e gratuitas. Por que esse medo de bicho, esse pânico selvagem, por quê? Ninguém saberia dizê-lo.

E não era uma pane individual: — era um afogamento coletivo. Naufragaram, ali, os jogadores, os torcedores, o chefe da delegação, a delegação, o técnico, o massagista. Nessas ocasiões, falta o principal. Estão a postos os jogadores, o técnico e o massagista. Mas quem ganha e perde as partidas é a alma. Foi a nossa alma que ruiu face à Hungria, foi a nossa alma que ruiu face ao Uruguai.

E aqui pergunto: — que entende de alma um técnico de futebol? Não é um psicólogo, não é um psicanalista, não é nem mesmo um padre. Por exemplo: — no jogo Brasil x Uruguai entendo que um Freud seria muito mais eficaz na boca do túnel do que um

Flávio Costa, um Zezé Moreira, um Martim Francisco. Nos Estados Unidos, não há uma Bovary, uma Karênina que não passe, antes do adultério, no psicanalista. Pois bem: — teríamos sido campeões do mundo, naquele momento, se o escrete houvesse frequentado, previamente, por uns cinco anos, o seu psicanalista.

Sim, amigos: — havia um comissário de polícia, que lia muito X-9, muito Gibi. Para tudo o homem fazia o comentário erudito: — “Freud explicaria isso!”. Se um cachorro era atropelado, se uma gata gemia mais alto no telhado, se uma galinha pulava a cerca do vizinho, ele dizia: — “Freud explicaria isso!”. Faço minhas as palavras da autoridade: — só um Freud explicaria a derrota do Brasil frente à Hungria, do Brasil frente ao Uruguai e, em suma, qualquer derrota do homem brasileiro no futebol ou fora dele.

* Hungria 4 x 2 Brasil, 27/6/1954, em Berna. Uruguai 2 x 1 Brasil, 16/7/1950, no Maracanã."