sexta-feira, 18 de julho de 2014

Lembranças de João Ubaldo Ribeiro

Hoje cedo, ao entrar na internet, fui surpreendida – como muitos leitores brasileiros –, com a morte de João Ubaldo Ribeiro. Não dá pra expressar aqui a tristeza que senti e, em meio à perplexidade e ao espanto, custei a acreditar, mas enfim guardei o choro e lembrei-me de quando o vi, em 2011, na Festa Literária Internacional de Paraty.


Aquela foi uma Flip relâmpago para mim, uma vez que não pude participar de todos os dias da festa. Mas o pouco que vislumbrei foi o suficiente para se tornar uma das melhores das quais participei. Não só pela presença de Joe Sacco, o jornalista cartunista que faz pelas reportagens em quadrinhos, mas também por ter conhecido, de perto João Ubaldo Ribeiro.

Sua mesa, Alegoria da ilha Brasil!, foi divertidíssima, uma das melhores – e das mais lotadas - que assisti nesses anos que frequento a Flip. Franco, aberto, bem humorado, João Ubaldo surpreendeu ao falar sobre as razões que o levaram a escrever um de seus maiores sucessos – Viva o Povo Brasileiro: “quis fazer um livro grosso para esfregar na cara do Pedro Paulo (Sena Madureira, então editor na Nova Fronteira), o que efetivamente fiz”. Na época, o editor dissera a Ubaldo que escritor brasileiro só fazia livros finos para serem lidos na ponte aérea, daí sua revelação na Flip: “Não quis reescrever a história do Brasil. Quis escrever um romance bem escrito, caprichado e grosso”, e lembrou que os originais pesavam 6,7kg!

De volta daquela Flip, escrevi, para o Cubo 3 um texto intitulado No caminho de João Ubaldo, que transcrevo abaixo, fazendo assim uma homenagem ao escritor:

“João Ubaldo Ribeiro, um dos mais importantes escritores da atualidade, tem no currículo obras memoráveis, entre elas Viva o Povo Brasileiro, Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, entre outras.

Seria um prazer falar de uma delas aqui, mas por um desses lapsos da vida eu não li, ainda, nenhum daqueles livros. Na verdade, até bem pouco tempo não tinha lido nada do escritor baiano e quis o destino, sabe-se lá por que razão, ter-me iniciado na obra de Ubaldo pela via infantil. Sim, infantil, ou seja, pela leitura do recém-lançado Dez bons conselhos de meu pai, uma joia de livro, com frases curtas e belíssimas ilustrações, editado pela Objetiva.

Adquiri o livro na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, realizada no início de julho, para que o autor o autografasse após a divertidíssima mesa literária da qual participou. Entre as várias obras que despontavam de Ubaldo na Livraria oficial da festa, em Paraty, o “livrinho” me chamou a atenção e resolvi comprá-lo. E não me arrependi.

Manuel Ribeiro, pai de João Ubaldo, foi professor de História e Direito da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador. Atuou também na política, como deputado estadual em Sergipe e vereador em Salvador. Foi casado com Maria Felipa Osório Pimental, com quem teve quatro filhos, sendo João Ubaldo o mais velho.

Na obra, Ubaldo lista dez ensinamentos que seu pai lhe deu na infância. Não esquematizado da forma como se encontra na publicação, assim o autor revela na abertura do livro, mas “deu todos, mostrando como se deve fazer”.

São pequenas preciosidades que ocupam as 56 páginas de encher os olhos – e o coração –, como estas:

Não seja tutelado
Não permita que as pessoas resolvam as coisas por você. Por mais que o problema seja chato de enfrentar.

Não seja colonizado
Coma o que gostar, fale como gostar, vista-se como gostar – seja como seu povo, não seja macaco.

Não seja amargo
As coisas acontecem, aconteceram, ficam acontecidas. Se você for amargo, essas coisas continuam acontecendo.


As ilustrações, ricas em detalhes, que ocupam a página inteira e desenhadas em cores fortes e atraentes, são assinadas por Bruna Assis Brasil, jornalista formada e design gráfico. Interessada pela arte da Fotografia, Bruna mistura cores e texturas reais ao traçado do seu lápis e exerce a profissão de ilustradora desde 2009.

João Ubaldo Ribeiro, que nasceu em Itaparica, na Bahia, em 1941, é membro da Academia Brasileira de Letras e vencedor do prêmio Camões de 2008. Cursou Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e teve suas obras publicadas em diversos países.

O escritor cresceu numa casa repleta de livros de todos os gêneros, que se espalhavam por diversos cômodos. Foi dessa forma que aprendeu a amar a leitura, um dos valores ensinados pelos seu pai, bem como o estudo e a vontade de aprender mais, além de conceitos de cidadania e honestidade.

Nunca tinha visto João Ubaldo pessoalmente e pouco conhecia dele, devo admitir, não sem certo pesar, mas a curiosidade e a urgência em corrigir essa falha impulsionaram o desejo de assistir sua mesa – Alegoria da ilha Brasil! – na Flip, acho que mais para desfazer uma impressão errada que tinha do escritor – de uma pessoa carrancuda e mal-humorada.

Essa noção equivocada surgiu quando li Perfis – e como escrevê-los, do jornalista e professor Sergio Vilas Boas, que traz perfis de dez escritores. João Ubaldo foi um dos retratados que, no início do texto, dava mostras de ser extremamente ranzinza – na verdade, irritado em responder as mesmas perguntas que os jornalistas lhe faziam. Eis o trecho:

- Quinhentos anos? Você veio aqui para falar dos quinhentos anos? Essa não!
- Bem, poderia ser um dos assuntos, afinal a Carta de Pero Vaz de Caminha ainda é a certidão de nascimento do Brasil...
- Primeiramente, não temos quinhentos anos.
- Menos ou mais?
- Olhe, meu amigo, preciso trabalhar; estou cada vez mais sem saco para entrevistas.
- Por que deixou a gente [eu e o fotógrafo carioca Antônio Batalha] chegar até aqui, então?
- Você insistiu muito...
- O que mais te incomoda em entrevistas?
- Os caras me fazerem as mesmas perguntas de sempre, e o modo como me folclorizam.
- Pode nos mandar embora daqui, se quiser.
- Mas sou um sujeito que não sabe dizer não. Vamos, vamos começar. Diga o que pretende.


Na época não percebi, mas nesta resposta final já transparecia o João Ubaldo acessível, e que eu pude comprovar em Paraty, pouco antes da mesa literária, quando o vi nas ruas da cidade, cercado de fãs, sorrindo para todos e se dispondo a tirar fotos com eles. João Ubaldo nada dizia, mas olhava fascinado para seus leitores e se deixava levar por eles.

Ali compreendi a grandeza da sua alma, capaz de escrever grandes romances de alcance mundial, focados no público adulto, mas também pequenos tesouros, como Dez bons conselhos de meu pai.

E, pensando bem, acho que foi um bom começo para adentrar em sua obra."

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