quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Cuba de Yoani



Há quem diga que a era dos blogs já passou, que eles estão superados e coisa e tal. Não sei, não. Para mim eles continuam com força total, mesmo porque, quando comecei, há exatos três anos, o boom desses “sites” já tinha passado, mas para mim não fazia a mínima diferença se era moda ou não. Continuo com o meu, embora nem sempre atualize com a frequência que gostaria.
 
Aqui compartilho minhas leituras, as histórias delas e a relação dos livros em minha vida. Mas há outros blogs que, ainda sejam criados para extravazar anseios e sentimentos de liberdade, têm uma função informativa, ou melhor, social e de denúncia. É o caso de Generación Y ( http://www.desdecuba.com/generaciony/ ), da filóloga cubana Yoani Sánchez, que desde abril de 2007 mantém um blog no qual conta a vida real em Cuba, sendo um dos mais visitados do mundo, com vários milhões de acessos mensais.
O blog recebeu o nome de Generación Y inspirado em pessoas como Yoani, que tem o nome iniciado pela letra “Y”. São indivíduos nascidos em Cuba, nos anos de 1970 e 1980, cujos pais descobriram que a escolha dos nomes dos filhos não era controlada e, portanto, poderiam “transgredir” utilizando letras poucos comuns.
Apesar dos inúmeros acessos – todos fora de Cuba –, Yoani não pode ser lida em seu país, local onde vive com seu marido, o jornalista Reinaldo Escobar, e o filho adolescente Teo. Perseguida e vigiada, ela não pode nem sair de Cuba, por falar e mostrar a realidade dos fatos, desconstruindo mitos da propaganda oficial e denunciando as atrocidades da ditadura cubana.
“Generación Y é a coisa mais arriscada que fiz em minhas três décadas de vida e, depois de começar a escrevê-lo, sinto com frequência os joelhos tremerem. Para evitar endeusamentos e futuras crucificações, deixo claro em uma das páginas que o meu blog é um exercício pessoal de covardia: dizer na rede tudo aquilo que não me atrevo a expressar na vida real”, conta Yoani nas primeiras páginas de De Cuba com carinho, livro publicado no Brasil pela Editora Contexto, em 2011, e que reúne alguns dos principais posts do blog.
O que Yoani escreve, não são textos políticos, mas notas de alguém que ama seu país e sofre com o declínio da economia cubana, que se mostra decepcionada com um regime que envelheceu e que continua no poder, como segue na passagem:
Enquanto são preparados extensos dossiês sobre os cinquenta anos da Revolução Cubana, poucos se perguntam se o que se celebra é o aniversário de um ser vivo ou simplesmente o de algo que deixou de existir. As revoluções não duram meio século, advirto aos que me perguntam. Elas terminam por devorar a si mesmas e por se excretar em autoritarismo, controle e imobilidade. Expiram sempre que tentam se tornar eternas. Falecem por querer se manter sem mudanças.
Seus posts falam do cotidiano do povo cubano, da falta de liberdade, da escassez de gêneros de primeira necessidade, da corrida ao “mercado negro” para conseguir colocar comida no prato da família, e dos trabalhos puxados nas escolas rurais, entre outros assuntos.
Ao final do livro há um texto de Demétrio Magnoli, sociólogo e geógrafo brasileiro, que contextualiza Yoani e seus textos, além da história da revolução cubana, para o leitor do Brasil. Já a tradução, feita pelo linguista Rodolfo Ilari, traz notas de esclarecimento ao final de cada texto.
Vale lembrar que o blog Generación Y só pode ser acessado fora da ilha e, para escrevê-lo, Yoani tem de realizar malabarismos, despistar, inventar-se. Mas como a internet tem uma vida intensa e mais livre que a real, sua investida teve ecos em diversos países, ainda que na “ilha” seja bloqueada.
Yoani ganhou prestígio exterior, sendo considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, e de ter recebido prêmios como o Ortega y Gasset de jornalismo, concedido pelo jornal espanhol El País, além do The BOBs de melhor blog de 2008.
Acesse o blog, leia o livro. O olhar sobre Cuba não será mais o mesmo.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O anjo pornográfico

Falar sobre grandes escritores não é uma tarefa fácil, eu diria até mesmo ingrata, porque corre-se sempre o risco de incorrer em erros e falsos juízos caso não se conheça a obra e a vida do retratado. E se for Nelson Rodrigues então, a tarefa se complica mais ainda. Mas eu não queria deixar seu centenário passar em branco neste blog, por isso vou me arriscar.
 
Não conheço a fundo a obra do dramaturgo, mas o pouco que li – e vi na TV – foram o suficiente para respeitá-lo e admirá-lo. Na verdade, minha simpatia para com Nelson começou há cerca de 16 anos, quando li O anjo pornográfico: a história de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro. Até então, a concepção que tinha do escritor era equivocada, pautada na ditadura, quando ele era visto apenas como “tarado” ou “reacionário”. Estava enganada.
Com uma escrita fluida, repleta de detalhes da vida de Nelson e do contexto histórico e cultural da época, Ruy Castro nos brinda com um trabalho histórico magnífico, rico em informações precisas e preciosas. As transformações políticas, econômicas, culturais e artísticas que o Brasil passou estão todas lá, entremeadas com fatos da vida do dramaturgo e de seus familiares.
Como já faz muito tempo que li, algumas particularidades me fogem, seria preciso reler a obra, o que pretendo fazer mais para frente, por isso não posso resenhar com precisão. Mas lembro bem do impacto que o livro provocou em mim. Cada capítulo que se encerrava tornava a narrativa mais prazerosa e só fazia aumentar a curiosidade, assim como a emoção que me tomou do início ao fim.
Nelson Rodrigues não teve uma vida fácil, marcada por tragédias como o assassinato do irmão Roberto e a morte de outro, Paulinho, bem como sua mulher filhos e sogra, vitimados na queda de um edifício. Além disso, Nelson travou uma luta árdua contra a tuberculose em Campos do Jordão e teve inúmeras peças censuradas. Mas escrevia com paixão, não só peças, mas crônicas esportivas que faziam a imaginação fluir.
Para esse trabalho, Ruy Castro realizou centenas de entrevistas com 125 pessoas que participaram da vida de Nelson Rodrigues e conheciam sua família. O resultado é primoroso, o texto tem ritmo, precisão, clareza, vida e, sobretudo, emoção. Vale a pena conferir.
Assim como vale também a pena conhecer mais a obra de Nelson Rodrigues, um escritor, dramaturgo e jornalista como poucos, cujos textos marcaram época, mas que se encontram atuais ainda hoje.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Livros, Bienal, livros

Enquanto a Bienal do Livro de São Paulo “bombava” no Anhembi, o ex-diretor da Câmara Brasileira do Livro, João Scortecci, distribuía uma carta aos expositores questionando o atual formato. Segundo ele, “a Bienal do Livro de São Paulo como ela é está morrendo. O modelo não funciona mais e precisa de mudanças...”. Veja a íntegra aqui
Pensando nas declarações, de fato tenho de concordar, pelo menos em parte com Scortecci. Lembro que a Bienal era um sonho para mim, ansiava ano a ano sua chegada e me deleitava por seus corredores nos dias que acontecia. Sinto que o meu entusiasmo pelo evento arrefeceu e que algumas mudanças poderiam ser feitas, mas continuo fiel a grande feira dos livros.
Reclamações e controvérsias à parte, participei, mais um ano, da Bienal do Livro de São Paulo, e não me contentei em ir apenas um dia. Tive de ir, pelo menos, dois dias para poder percorrer os corredores e os estandes desta que é uma das maiores feiras literárias do país. E o que vi foram espaços lotados, tietagem aos autores e poucos, poucos mesmo livros em promoção, a não ser nas bancas de saldão e pontas de estoques. Ali, com paciência e garimpagem é possível encontrar joias raras e livros fora do catálogo que valem a pena.
Para esta Bienal, levei uma “listinha” de uns dez títulos para ver – e com um pouco de sorte (leia-se preço em conta) – comprar. No entanto, os que adquiri – cinco no total – não constavam dela, foram encontrados por puro e feliz acaso, levados até por impulso, pela oportunidade e por bons descontos.
As escolhas até que se repetiram e talvez tenham relação ao momento que estou vivendo, concentrada em mim e pensando em planos e viagens futuras. Assim, foi um achado encontrar Os endereços curiosos de Lisboa, de Marion Frank, no saldão, por apenas R$ 3,00. Com ele já vou me familiarizando com os lugares inusitados da capital portuguesa.
Ainda com o pensamento em Portugal, encontrei, no estande da Editora Callis, o belo livro Voo em português, de Cristina Von, com ilustrações de Thiago Lopes. Trata-se da viagem do jovem Miguel aos diversos países onde o português é falado, mostrando as diferenças culturais entre eles. O livro é acompanhado de um CD, com a leitura do poema “Navio negreiro”, de Castro Alves, por várias pessoas que falam o português com seus diferentes sotaques e pronúncias.
Em outro estande, encontrei um pequeno livro com três histórias de Franz Kafka reunidas integralmente: A metamorfose, Um artista da fome e Carta ao pai. As duas primeiras já li, mas a terceira ainda não e, é claro, não resisti.
Na Artes e Ofícios Editora achei A primavera de Cecília, de Beatriz Abuchaim, um livro infanto juvenil que traz sete contos cujo fio condutor é a amizade. Achei uma graça e como tem meu nome, resolvi comprar. Tenho certeza de que vou gostar.
Mas o grande achado da Bienal, para mim, foi, sem dúvida, Histórias que a Cecília contava, organizado por José Murilo de Carvalho, Maria Selma de Carvalho e Ana Emília de Carvalho, uma publicação da Editora UFMG.
O livro traz as histórias contadas por Maria Cecília de Jesus e Maria das Dores Alves. Elas trazem para o leitor, em linguagem popular, os fatos do cotidiano das fazendas mineiras do século XIX. Acompanha um CD com as histórias contadas pelas próprias personagens. Imperdível!
Se o modelo da Bienal do Livro de São Paulo está esgotado ou não, eu não sei, isso é assunto para os organizadores pensarem e dissecarem. Mas depois dessa participação, ficou em mim um gostinho de quero mais, desejando, imensamente, que daqui a dois anos uma nova edição aconteça, trazendo surpresas tão boas quanto essas que adquiri na Bienal do Livro 2012.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Joyce para crianças


Recentemente, o escritor brasileiro Paulo Coelho levantou polêmica sobre Ulysses, de James Joyce. Segundo ele, o clássico é “só estilo” e que, se dissecado, “dá um tuite”. Vamos dar um desconto, acho que ele não compreendeu muito bem a extensão da obra do autor irlandês e seu alcance na literatura moderna, pois o estilo é o que faz toda a diferença na qualidade de um texto.
Seja como for, polêmicas à parte, James Joyce continua a surpreender, pois, da mesma forma que ele pode escrever com complexidade e vastidão, também sabe ser sucinto e direto. Exemplo disso é o recém-lançado O gato e o diabo, livro infantil publicado em edição caprichada pela Cosac Naify, dentro da coleção Dedinho de Prosa.

A história é baseada em uma carta que James Joyce enviou, em 1936, ao seu neto Stephen, na época com quatro anos. O texto só veio a público 20 anos depois e foi traduzido para mais de dez idiomas. No Brasil, a história chega com tradução inédita e autoral da escritora Lygia Bojunga, que privilegiou o original do escritor, e aquarelas caprichadas do cartunista mineiro Lelis.
O enredo é simples e foi inspirado em um conto popular francês. Narra a história de um diabo interessado em trazer mais pessoas para seu lado. Assim, ele constrói uma ponte na cidade francesa de Beaugency, antiga aspiração dos cidadãos, fazendo um trato com o prefeito em troca do primeiro que atravessá-la quando estiver pronta. Ao querer ser esperto, o diabo acaba caindo na sua própria armadilha, com um final que surpreende e diverte.
É uma história simples, bem contada, cujas ilustrações de Lelis enaltecem os personagens. O próprio diabo é uma caricatura de James Joyce, e seu sotaque francês macarrônico, com jeito dublinense, personifica ainda mais o escritor irlandês.
Uma joia que encanta os olhos e enternece o coração, como poucos – e bons – escritores sabem lapidar. Este é James Joyce.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Amado Jorge

Há algum tempo, quando ainda não havia lido nada de Jorge Amado, mas apenas assistido adaptações para novelas e minisséries de TV, um amigo disse-me que ler os livros do escritor é se transportar para uma Bahia mística e sensual, em que é possível, até mesmo, sentir os cheiros e os sabores do local.

De fato, tempos depois, ao adentrar no universo literário de Amado, fiquei fascinada com sua escrita mágica, às vezes poética, carregada de sensualidade e do regionalismo característico baiano. Marcas fundamentais nos romances do escritor, cujo centenário de nascimento comemoramos em 2012.
A primeira investida – e que mais me marcou – foi Tieta do Agreste, a história da pastora de cabras e namoradeira, que apanhava do pai quando menina, expulsa da cidade por causa dos romances eróticos que vivia, mas que retorna a Santana do Agreste triunfante, rica e poderosa.

Nessa nova vida, Tieta ajuda a família que, agradecida, pensa que ela enriqueceu em razão de um casamento com um comentador no sul do país. Aos poucos vamos descobrindo a verdade por trás do sucesso, caindo por terra toda a redenção que Tieta buscava encontrar no lugar onde fora escorraçada.

Ao redor de Tieta desfilam outros personagens interessantes, sobretudo Perpétua, sua irmã mais velha, responsável pela sua expulsão. Pudica e reprimida, Perpétua dá um show à parte, mas ela também guarda os seus segredos e mistérios que mais tarde vão ser revelados.
A adaptação para novela na TV atingiu grande sucesso, mas como toda adaptação traz algumas diferenças com relação à obra original, mas nada que comprometa o enredo.
Como é característica na obra de Jorge Amado, as mulheres ganham destaque especial, sem falar nos típicos representantes baianos, coronéis, pobres diabos, damas e mulheres da vida, pessoas simples e poderosas que compõem um painel bem delineado da sociedade baiana.
Os livros de Jorge Amado foram traduzidos em vários países, em diversos idiomas, sendo superado, apenas, em número de vendas, por Paulo Coelho. Em 1994, a obra de Amado foi reconhecida com o Prêmio Camões.
Lembrando agora de tudo isso, acho que estou precisando retomar os livros de Jorge Amado para fazer novas leituras, porque um mundo mágico e fascinante me aguarda naquelas páginas.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Histórias de Hiroshima

Há 67 anos, em 6 de agosto, a bomba atômica causava a morte de mais de 100 mil pessoas na cidade de Hiroshima, no Japão, deixando ainda milhares de feridos. A tragédia, desencadeada pelos Estados Unidos, marcava o final da Segunda Guerra Mundial, e viria a se repetir, dias depois, em outra cidade japonesa: Nagasaki.

Hiroshima foi a primeira cidade no mundo a ser atingida por uma bomba atômica, uma distinção que não é orgulho nenhum ostentar. Tudo começou com um clarão silencioso, uma nuvem de poeira e fragmentos de fissão que se ergueram no céu e voltaram ao chão como gotas imensas, do tamanho de bolas de gudes, espalhando a mistura nociva. Algo jamais visto, algo que jamais deveria ser visto.
O terror daquele dia foi bem retratado na reportagem do jornalista norte-americano John Hersey, a partir do depoimento de seis sobreviventes, e publicada na revisa The New Yorker. Quarenta anos depois, Hersey voltou à cidade para reencontrar os sobreviventes para saber dos efeitos que a bomba ainda produzia nas pessoas. Aliando o jornalismo aos recursos da literatura, o jornalista fez um belo trabalho, que foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
No entanto, uma das melhores reproduções da tragédia pode ser vista no mangá Gen Pés Descalços (Hadashi no Gen), do cartunista japonês Keiji Nakazawa. A obra foi lançada em 1972, na revista Shonem Jump, no Japão, e ficou décadas sem ser conhecida, chegando ao Ocidente dez anos depois. No Brasil foi publicada no início dos anos 2000, pela Conrad Editora, em edição compacta em quatro volumes – A vida após a bomba; O dia seguinte; O início; e O recomeço –, mas no estilo Ocidental, ou seja, da esquerda para a direita.


A obra esgotou-se rapidamente e, em 2011, a Conrad decidiu republicá-la, com o texto integral, em dez volumes, com leitura de trás para frente. Porém, a edição que li e que ilustra este post foi a primeira, em quatro volumes, o suficiente para me emocionar, chocar e ao mesmo tempo encantar.
A história é autobiográfica, já que Nakazawa morava com a família em Hiroshima e tinha sete anos quando a bomba atômica foi lançada na cidade. O mangá mostra momentos da vida familiar antes da queda da bomba, as dificuldades com a falta de comida em meio a guerra que assolava o país. Gen e seus familiares são contrários à campanha governamental que insistia em demonizar os ocidentais e são hostilizados por isso.
Quando a bomba atinge a cidade a catástrofe torna-se geral e os traços de Nakazawa, em estilo infantil, chegam a perturbar nas cenas mais dramáticas, como naquelas em que as pessoas aparecem em chamas, com a pele caindo, suplicando por água. A perda da família, o difícil recomeço de quem sobreviveu, as feridas no corpo e na alma vão permear a história, do início ao fim.
O mangá apresenta um tom didático e foi criado para alertar e prevenir que atrocidades como aquela não se repita. Um trabalho humanista, cuja idealização é marca da obra, sem perder o seu valor histórico. Por isso, imperdível!
Para quem se interessar, há uma animação baseada no mangá, intitulada Gen, que pode ser encontrada em DVD. Com roteiro de Keiji Nakazawa, a direção é de Mori Masaki. Vale conferir.