quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mais que um romance longo, um livraço!

Na Flip 2011, o escritor João Ubaldo Ribeiro falou da sua satisfação em escrever Viva o Povo Brasileiro, e não foi só porque o livro alcançou enorme sucesso, mas sim porque queria fazer um livro grosso para esfregar na cara do Pedro Paulo (Sena Madureira, então editor na Nova Fronteira), o que efetivamente fez.
 
Tudo porque, na época, o editor insinuara a Ubaldo que escritor brasileiro só escrevia livros finos, para serem lidos na ponte aérea. Daí sua satisfação, ao revelar, que a intenção não era reescrever a história do Brasil, mas sim “escrever um romance bem escrito, caprichado e grosso” - os originais pesavam 6,7kg e o número de páginas na edição da Alfaguara tem 640 páginas!
O episódio veio à minha mente quando estava lendo As Correções, do escritor Jonathan Franzen, eleito pela revista literária Granta um dos vinte melhores jovens romancistas americanos e que, por sua vez, esteve na Flip 2012. Publicado pela Companhia das Letras em 2011, o livro é um calhamaço de 584 páginas, e só imaginava minha satisfação ao terminar um romance desse porte, já que a média de páginas dos livros que tenho lido ultimamente chegam a 350.
No entanto, ao me deparar com a última linha, da última página escrita, a sensação que tive foi de que acabara de ler não apenas um romance longo, mas um grande romance, na verdade um livraço.
As Correções não é um livro que se lê de uma tacada só. Sua prosa é lenta, requer fôlego, disciplina e disposição, tanto que tive de fazê-la em duas etapas, chegando à metade e dando um tempo para outras leituras que se fizeram urgente, para depois retomá-lo quase um mês depois. E olha que a história ainda estava na minha mente, tão intensa e marcante é a trama.
O romance narra os conflitos de geração, religiosos e de costumes de uma típica família americana, os Lambert, na última década do século XX. Centra-se em cinco personagens: o pai Alfred, a mãe Enid e os filhos Gary, Chip e Denise, cada um ganhando contornos e focos mais expressivos durante o decorrer da trama. Assim vamos conhecendo um pouco da personalidade e da rotina de cada um.
Tudo começa quando Alfred, um engenheiro septuagenário aposentado, se vê às voltas com o mal de Parkinson e, embora lúcido, vai aos poucos sendo acometido por alucinações de perseguição.
O filho mais velho, Gary, é casado e tem três filhos. Mora na Filadélfia e é o típico americano consumista, valores que estão presentes em sua casa e em sua “nova” família. É emocionalmente desestruturado e sofre, por vezes, de depressão. Já Chip, o filho do meio, é inteligente e educado, se fez professor em uma universidade, 0mas acabou perdendo o emprego por se envolver com uma aluna. Vive de escrever roteiros para cinema que nunca termina. Egocêntrico ao extremo, se preocupa consigo mesmo, larga os pais em casa quando estes vão lhe visitar e ruma para a Lituânia atrás de uma oportunidade obscura de trabalho.
Denise, a caçula, é bonita, talentosa e mora também na Filadélfia. Casou-se em segredo ainda jovem com um homem mais velho, contrariando os sonhos de sua mãe. Separa-se depois e consegue emprego como chef de cozinha em um badalado restaurante. Tudo vai bem até que ela se envolve com a mulher do seu chefe.
Amparando todos está Enid, a mãe, que tenta manter as aparências de uma família estável e feliz, mesmo sabendo que o casamento e os filhos não saíram exatamente como sonhara. Sofre, assim, calada, e busca reunir a família em um último Natal. A passagem a seguir mostra bem o seu drama:
Ocorreu a Enid naquele momento uma visão de chuva. Viu-se numa casa sem paredes; para fugir do mau tempo, só tinha um lenço de papel. E lá vinha a chuva leste, e ela apertava uma versão-lenço de papel de Chip, com seu ótimo emprego novo de repórter. Depois a chuva vinha do oeste, e o tecido era o quanto os filhos de Gary eram belos e inteligentes, e o quanto ela gostava deles. Depois o vento mudava, e ela saía correndo para o lado norte da casa com os frangalhos de lenço que Denise lhe permita ter, que ela tinha se casado cedo demais mas agora estava mais velha e ajuizada, fazendo sucesso como sócia de um restaurante e esperando para encontrar o homem certo. E então a chuva vinha trovejando do sul, e o lenço se desintegrava enquanto ela insistia que o problema de Al era muito leve e que ele iria ficar bem, se mudasse de atitude e tomasse a medicação certa, e a chuva cada vez mais forte, e ela tão cansada, e só tinha o pano...
Em meio aos conflitos pessoais e familiares desenha-se todo um panorama dos Estados Unidos pós-atentado de 11 de setembro, a era Bush, os problemas econômicos e políticos do país, além das transformações capitalistas do Leste europeu, capitaneada por Chip na Lituânia.
Há que se ter paciência – um estado tão incomum nos dias agitados e ágeis de hoje – para se aventurar em um romance como este. Mas o resultado final é compensador, eu garanto. Não se sai o mesmo depois de uma leitura como esta.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Na mira dos portugueses

A cultura portuguesa anda cruzando meu caminho, mas não é de hoje, bem sei. Ela sempre me interessou, sobretudo no que se refere ao idioma, e isso talvez explique o porquê de eu ter me aplicado tanto nas aulas de Português na época do colégio. Mas é que ultimamente ela vem me invadindo de tal maneira que a vontade de saber mais está me sufocando.
 
Não é à toa que vez por outra me pego sonhando com Portugal, em me aventurar por suas terras em uma viagem que pretendo ser mais que turística, na verdade cultural e literária. E nesse devaneio todo vou descobrindo escritores da “terrinha” que vão me acenando e enlouquecendo com suas obras.
Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós conheci no colégio; José Saramago e Antonio Lobo Antunes vieram depois e me encantaram com seus romances e histórias pessoais. A partir deles outros, da safra contemporânea, foram chegando, impulsionados sobretudo pela Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, entre eles José Luís Peixoto, Inês Pedrosa, valter hugo mãe e Maria Dulce Cardoso. E, mais recentemente, fui apresentada a João Tordo e Miguel Sousa Tavares, cujas obras ainda preciso conferir. Infelizmente, a velocidade com que os descubro não é a mesma com que os leio.
Claro, e ainda tem Gonçalo Tavares, que venho paquerando há um bom tempo e que tive o prazer de ver e ouvir no projeto Sempre um Papo, do Sesc Vila Mariana. Nascido em Luanda, Angola, Gonçalo tinha dois anos quando foi para Portugal, país onde se encontram suas referências culturais e, apesar de jovem, ostenta uma obra com mais de 20 livros publicados.
Observador e reflexivo, que o deixam com uma aura de filósofo, Gonçalo falou sobre “Moral, tecnologia e linguagem”, lembrando da importância da concentração na leitura de um livro, em contraposição aos eletrônicos, carregados de links e hiperlinks, que disparam para todos os lados, dispersando a leitura.  “O livro obriga-nos a ser mais lentos, é algo que requer isolamento, silêncio e imobilidade, fundamentais para assimilar o conteúdo”, afirma.
Gonçalo recebeu os mais importantes Prêmios em Língua Portuguesa: O Portugal Telecom 2007, o Prêmio José Saramago 2005 e o Prêmio LER/Millennium BCP 2004 com o romance Jerusalém; o Prêmio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do Jornal Expresso, com o livro O Senhor Valéry; o Prêmio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com Investigações.Novalis e o Grande Prêmio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores “Camilo Castelo Branco” com água, cão, cavalo, cabeça.
 
Seu livro mais recente – Uma viagem à Índia – trata-se de uma epopeia portuguesa do século 21. Narra a história de um homem que faz uma viagem existencial à Índia, para aprender e esquecer, encontrar a sabedoria enquanto foge, fugir enquanto aprende. A conferir, mas antes vou ler Um homem: Klaus Klump, o primeiro romance de Gonçalo da série “O Reino”. Acho que é um bom começo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O "menino de engenho"

Na minha adolescência, histórias do sertão e do nordeste brasileiro me apaixonavam. Descobria ali um mundo novo, um Brasil sofrido, mas fascinante com seu folclore, suas histórias, sua riqueza cultural e humana. Não é à toa que logo caiu em minhas mãos Fogo Morto, a obra prima de José Lins do Rego, um dos mais importantes escritores regionalistas da literatura nacional, que morreu há exatos 55 anos.
 
O livro me encantou de tal forma que o considero como o marco inicial de minha vida de leitora, pois foi por meio dele que o gosto pela leitura se acentuou em mim. E mais, as lembranças que tenho dele se misturam cm as recordações que tenho da escola que frequentava no primeiro ano do colégio, em São Paulo, e que tive de deixar para mudar, com minha família, para Indaiatuba uma cidade do interior paulista.
A mudança causou um grande impacto em mim, só amenizado quando descobri a maravilha de biblioteca que existia no colégio que passaria a frequentar na cidade. Ali, fui apresentada a outro livro de Lins do Rego: Menino de Engenho, uma leitura que intensificou anda mais minha paixão pela literatura regionalista e pelo escritor.
A história, narrada em primeira pessoa, tem um início perturbador, com o protagonista, o menino Carlos de Melo, o Carlinhos, narrando a morte de sua mãe, que fora assassinada por seu pai:
EU TINHA uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo para todos os cantos. O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Corri para lá e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima dela como um louco. A gente toda que estava ali olhava para o quadro como se estivesse a assistir a um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força. Chorei, fiz o possível para livrar-me. Mas não me deixaram fazer nada. Um homem que chegou com uns soldados mandou então que todos saíssem, que só podia ficar ali a Polícia e mais ninguém. 
Levaram-me para o fundo da casa, onde os comentários sobre o fato eram os mais variados. O criado, pálido, contava que ainda dormia quando ouvira uns tiros no primeiro andar. E, correndo para cima, vira o meu pai ainda com o revólver na mão e a minha mãe ensanguentada. “O doutor matou a Dona Clarisse! Por quê?” Ninguém sabia compreender.  
Publicado em 1932, há 80 anos portanto, Menino de Engenho é o romance de estreia de Lins do Rego e o primeiro do chamado ciclo da cana-de-açúcar que o autor escreveu. Nele constam as tensões sociais da década de 1930 e a decadência dos engenhos da Paraíba, estado natal do escritor, que viveu de perto a realidade nordestina e seus problemas, tão bem expostos em sua obra.
Lins do Rego queria escrever a biografia de seu avô, o coronel José Paulino que, aliás é um dos personagens do livro, além de focar cenas da sua infância vividas no engenho. No entanto, o que acabou produzindo foi uma mescla de realidade com ficção, em um dos livros mais marcantes da minha adolescência.
Na trama, órfão de mãe e de pai (que vai preso), Carlinhos acaba indo viver com o avô José Paulino, o maior proprietário de terras da região da Paraíba no engenho Santa Rosa. Ali encontra o conforto familiar nos carinhos da Tia Maria, irmã da sua mãe e é criado sem freios, o que acaba lhe proporcionando vivenciar o bem e o mal, tornando-se precoce em muitas coisas, inclusive na iniciação sexual.
Tem pelo avô uma admiração desmedida, mas aos 12 anos, sem orientação para a vida e para o sexo, torna-se viciado e corrompido. No entanto, é por meio da sua percepção que temos a visão do mundo em que vive, cercado de servos, escravos e agregados. Fala da senzala, dos cangaceiros, dos bandidos e dos contadores de histórias, como a velha Totonha, cuja imaginação é inigualável, além das superstições e das crendices da região.
É uma leitura bastante agradável, repleta de criatividade. E, o melhor, que pode ser continuada, já que, após esta, foram publicadas mais quatro obras que dão prosseguimento à vida de Carlinhos e do Engenho Santa Rosa: Doidinho, Banguê, O Moleque Ricardo e Usina, completando assim o ciclo da cana-de-açúcar. Todos, aliás, imperdíveis.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Livros na caixa. Livro ausente

Faz quase nove meses que mudei de casa para outra residência no mesmo bairro onde me encontrava, de forma que tudo pode se ajeitar perfeitamente. Tudo não. Quase tudo. Apesar do tempo, ainda não montei minha tão sonhada estante com livros, o que significa que meus livros encontram-se encaixotados. Ou melhor, acomodados em uma grande e imensa caixa que fica ao lado do meu guarda-roupa, esperando pacientemente que eu dê um destino mais digno a eles.
 
Para quem ama livros, anda diariamente com eles e se aventura por suas páginas é inconcebível uma situação dessas. Bom, pelo menos era assim que eu pensava até há pouco tempo, uma semana para ser mais exata. É que foi mais ou menos por essa época que me deparei com um artigo na edição 11 ½ da revista Serrote, publicação quadrimestral do Instituto Moreira Salles que foi distribuída especialmente na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, em julho último.
Intitulado “A vida encaixotada”, (veja aqui), o artigo é assinado por Rodrigo Fresán, escritor e jornalista argentino, autor de La velocidad de las cosas (1998) e Jardins de Kesington, publicado no Brasil pela Conrad em 2007. O artigo foi publicado originalmente na revista literária Eñe no verão de 2008.
Nele, o autor discorre primeiramente sobre um ensaio do escritor John Cheever sobre a difícil arte de se mudar, mas questiona a falta de linhas sobre aquilo que acontece com os livros nas mudanças. “Abundam os diários de leituras, mas não sei da existência de nenhum diário que trate da mudança dessas leituras, de todo esse vivíssimo peso morto”, declara Fresán, antes de iniciar um diário que vai de 5 de fevereiro a 23 de abril, período em que se mudou de casa e se propôs a tarefa de arrumar sua biblioteca.
 
O interessante é vê-lo descrever desde o encaixotamento dos seus livros, passando pela mudança propriamente dita, a chegada à nova residência, a compra de novos livros sendo que os antigos ainda se encontravam encaixotados, a lembrança de outras bibliotecas e livros, até chegar à data estipulada do término da arrumação sem ter concluído seu intento. E é aí que encontro consolo, embora meu tempo de arrumação seja bem maior que o dele. Mas tenho como atenuante o fato de não possuir uma estante física para acomodar os meus livros, ao passo que Fresán sim.
 
Seja como for, desencaixotar e arrumar os livros não é uma algo assim tão fácil, por isso vamos protelando, mas não sem pagar um preço por isso. No meu caso, vivo abrindo a minha caixa e – tarefa ingrata – vasculho a procura de um livro ou outro que quero reler ou ler, até chegar à inglória descoberta de que o exemplar está lá no fundo. É preciso remover os de cima para então se chegar até eles, o que fatalmente acaba me desanimando.
 
Mais triste, porém, é descobrir que o livro que se procura não está mais entre os outros exprimidos na caixa. Sabe-se Deus por uma dessas razões que a gente não tem como explicar, no processo de mudança, na necessidade de fazer uma seleção, acabamos dando outro destino a alguns de nossos livros, doando-os a bibliotecas ou leitores interessados.
 
Foi isso o que aconteceu, por exemplo, com um livrinho que vinha me acompanhando desde a adolescência: O príncipe feliz e outros contos, de Oscar Wilde, publicado pela Editoro, com tradução de Paulo Mendes Campos. Uma joia do meu tempo de colégio.
 
O livro reúne nove contos, cuja linguagem assemelha-se a fábulas, nas quais valores como amizade e humildade são ressaltados, sem deixar de discorrer sobre o egoísmo, um dos principais males da humanidade, segundo Wilde. Dos contos destacam-se “O gigante egoísta”, “O rouxinol e a rosa”, “O amigo fiel”, “Um foguete extraordinário” e “O príncipe feliz”, o meu preferido, por retratar a solidariedade, a amizade e a compaixão, embora a maldade humana também esteja ali presente.
 
É um livro que vem me fazendo cobranças, que está me fazendo falta e que, infelizmente, me arrependo de ter me desfeito. Comprar outro não será o mesmo, ainda porque as edições que vi pela internet são diferentes daquela que eu tinha. Era um exemplar antigo, com uma capa antiga e que tinha as minhas marcas de leitura. Ficaram apenas as lembranças, as boas lembranças.
 
Para não ter mais surpresas desagradáveis como essa, o jeito é deixar meus livros repousando na caixa por mais um tempo. Mas não muito, pois outros reclamam meu contato e eu já começo a sentir falta deles em minhas mãos.