Na Flip 2011, o escritor João Ubaldo Ribeiro falou da sua
satisfação em escrever Viva o Povo Brasileiro, e não foi só porque o livro
alcançou enorme sucesso, mas sim porque queria fazer um livro grosso para
esfregar na cara do Pedro Paulo (Sena Madureira, então editor na Nova
Fronteira), o que efetivamente fez.
Tudo porque, na época, o editor insinuara a Ubaldo que
escritor brasileiro só escrevia livros finos, para serem lidos na ponte aérea.
Daí sua satisfação, ao revelar, que a intenção não era reescrever a história do
Brasil, mas sim “escrever um romance bem escrito, caprichado e grosso” - os
originais pesavam 6,7kg e o número de páginas na edição da Alfaguara tem 640
páginas!
O episódio veio à minha mente quando estava lendo As
Correções, do escritor Jonathan Franzen, eleito pela revista literária Granta
um dos vinte melhores jovens romancistas americanos e que, por sua vez, esteve
na Flip 2012. Publicado pela Companhia das Letras em 2011, o livro é um
calhamaço de 584 páginas, e só imaginava minha satisfação ao terminar um
romance desse porte, já que a média de páginas dos livros que tenho lido
ultimamente chegam a 350.
No entanto, ao me deparar com a última linha, da última
página escrita, a sensação que tive foi de que acabara de ler não apenas um
romance longo, mas um grande romance, na verdade um livraço.
As Correções não é um livro que se lê de uma tacada só. Sua
prosa é lenta, requer fôlego, disciplina e disposição, tanto que tive de
fazê-la em duas etapas, chegando à metade e dando um tempo para outras leituras
que se fizeram urgente, para depois retomá-lo quase um mês depois. E olha que a
história ainda estava na minha mente, tão intensa e marcante é a trama.
O romance narra os conflitos de geração, religiosos e de
costumes de uma típica família americana, os Lambert, na última década do
século XX. Centra-se em cinco personagens: o pai Alfred, a mãe Enid e os filhos
Gary, Chip e Denise, cada um ganhando contornos e focos mais expressivos
durante o decorrer da trama. Assim vamos conhecendo um pouco da personalidade e
da rotina de cada um.
Tudo começa quando Alfred, um engenheiro septuagenário
aposentado, se vê às voltas com o mal de Parkinson e, embora lúcido, vai aos
poucos sendo acometido por alucinações de perseguição.
O filho mais velho, Gary, é casado e tem três filhos. Mora
na Filadélfia e é o típico americano consumista, valores que estão presentes em
sua casa e em sua “nova” família. É emocionalmente desestruturado e sofre, por
vezes, de depressão. Já Chip, o filho do meio, é inteligente e educado, se fez
professor em uma universidade, 0mas acabou perdendo o emprego por se envolver
com uma aluna. Vive de escrever roteiros para cinema que nunca termina.
Egocêntrico ao extremo, se preocupa consigo mesmo, larga os pais em casa quando
estes vão lhe visitar e ruma para a Lituânia atrás de uma oportunidade obscura
de trabalho.
Denise, a caçula, é bonita, talentosa e mora também na
Filadélfia. Casou-se em segredo ainda jovem com um homem mais velho,
contrariando os sonhos de sua mãe. Separa-se depois e consegue emprego como
chef de cozinha em um badalado restaurante. Tudo vai bem até que ela se envolve
com a mulher do seu chefe.
Amparando todos está Enid, a mãe, que tenta manter as
aparências de uma família estável e feliz, mesmo sabendo que o casamento e os
filhos não saíram exatamente como sonhara. Sofre, assim, calada, e busca reunir
a família em um último Natal. A passagem a seguir mostra bem o seu drama:
Ocorreu a Enid naquele momento uma visão de chuva. Viu-se
numa casa sem paredes; para fugir do mau tempo, só tinha um lenço de papel. E
lá vinha a chuva leste, e ela apertava uma versão-lenço de papel de Chip, com
seu ótimo emprego novo de repórter. Depois a chuva vinha do oeste, e o tecido
era o quanto os filhos de Gary eram belos e inteligentes, e o quanto ela
gostava deles. Depois o vento mudava, e ela saía correndo para o lado norte da
casa com os frangalhos de lenço que Denise lhe permita ter, que ela tinha se
casado cedo demais mas agora estava mais velha e ajuizada, fazendo sucesso como
sócia de um restaurante e esperando para encontrar o homem certo. E então a
chuva vinha trovejando do sul, e o lenço se desintegrava enquanto ela insistia
que o problema de Al era muito leve e que ele iria ficar bem, se mudasse de
atitude e tomasse a medicação certa, e a chuva cada vez mais forte, e ela tão
cansada, e só tinha o pano...
Em meio aos conflitos pessoais e familiares desenha-se todo
um panorama dos Estados Unidos pós-atentado de 11 de setembro, a era Bush, os
problemas econômicos e políticos do país, além das transformações capitalistas
do Leste europeu, capitaneada por Chip na Lituânia.
Há que se ter paciência – um estado tão incomum nos dias
agitados e ágeis de hoje – para se aventurar em um romance como este. Mas o
resultado final é compensador, eu garanto. Não se sai o mesmo depois de uma
leitura como esta.
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