quarta-feira, 31 de agosto de 2011

100 anos de Policarpo Quaresma


Personagens quixotescos, nos moldes de Dom Quixote de La Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes, que se apresentam idealistas, ingênuos, românticos, ousados e utópicos, sempre rendem boas histórias. Que o diga o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, um dos personagens centrais de Fogo Morto, obra de José Lins do Rego, que, por sinal, é o meu favorito.

No entanto, não posso deixar de mencionar outro, cujo livro que protagoniza completa neste ano, exatamente a partir de agosto, o centenário de sua primeira edição: Policarpo Quaresma, o mesmo que dá título à obra - Triste fim de Policarpo Quaresma - criada por Lima Barreto, um dos mais importantes escritores libertários (adeptos do anarquismo) brasileiros e que também era jornalista.

Levado a público pela primeira vez em folhetins publicados na edição da tarde do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, entre agosto e outubro de 1911, o romance faz uma crítica aos costumes da sociedade brasileira da época e foi impresso em livro também no Rio de Janeiro, no ano de 1915.

Já faz um tempinho que li Triste fim de Policarpo Quaresma, mas lembro bem das circunstâncias que isso ocorreu. Foi no segundo semestre de 2001, provavelmente entre agosto e outubro daquele ano, bem nas comemorações dos 90 anos da primeira edição, sem que eu me desse conta disso (percebo somente agora). Recordo disso porque foi por aquela época que realizei uma cirurgia na boca e, por conta disso, fiquei de “molho” no trabalho, sem poder sair para fazer entrevistas e reportagens, apenas fazendo revisões de textos. Assim, como sobrava umas horinhas entre um trabalho e outro eu aproveitava o tempo para ler e foi dessa forma que li Policarpo Quaresma.

O que mais me chamou a atenção no romance foi a questão do nacionalismo e das diferenças entre idealistas e não idealistas. De forma leve e crítica, às vezes engraçada e muito informal, mas não sem emoção, a narrativa levou-me aos sonhos e devaneios do herói por um Brasil que principiava a dar os primeiros passos rumo à República.

Idealista e sonhador, Policarpo Quaresma fazia projetos que não se concretizavam ou não davam certo. Um deles consistia na mudança da língua falada, ou seja, do português para o tupi; outro foi a tentativa de fazer plantações em um sítio que comprara, mas as saúvas acabaram prejudicando os investimentos; e, por fim, na política, participando na Revolta da Armada, ocasião em que se desilude ao ver oficiais matando prisioneiros.

O desfecho é fácil de prever, mas o que conta – e encanta – é a narrativa em si, o desenrolar dos fatos, os sonhos e as tentativas frustradas de realização dos mesmos pelo protagonista, este uma espécie de Dom Quixote que, acredito, experimentamos em algum momento das nossas vidas.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A vida que imita a literatura


Na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, da saga literária Harry Potter, existe uma sala sob medida para aqueles que precisam ter suas necessidades atendidas, com urgência. É a Sala Precisa, localizada no sétimo andar do Castelo, que aparece apenas quando alguém necessita de algo, como esconder objetos ou esconder-se, ir ao banheiro, ter um local para estudar e treinar ou ainda curar-se de enfermidades, entre outras coisas.

Conhecida ainda como a Sala Vem e Vai, o lugar só aparece quando necessário, uma vez que sua entrada é escondida. Para ter acesso a ela, a pessoa deve passar três vezes na frente da tapeçaria retratando a insensata tentativa de Barnabás, o Amalucado, ensinar balé aos trasgos, pensando fortemente naquilo que necessita.

Na série, o lugar já se transformou em um aposento cheio de penicos, quando Dumbledore precisava ir ao banheiro; um quarto com uma cama para elfos-domésticos e antídotos para bebedeira, para onde Dobby levou Winky bêbada; um armário de vassouras para os gêmeos Fred e Jorge; uma sala onde se guarda objetos proibidos; e em um esconderijo para os membros da Armada de Dumbledore, criada por Harry e seus amigos.

A Sala Precisa pode ser uma criação da literatura, imaginada por J. K. Rowling para a história de Harry Potter, mas ela encontrou um similar na vida real quando o grupo que compreende o Laboratório de Humanidades (LabHum), – uma atividade extracurricular e também uma disciplina na pós-graduação oferecida pelo do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde (CeHFi) da Unifesp – desalojado dos espaços que antes ocupavam para discutir Literatura, encontrou “magicamente” um lugar que necessitava para seus encontros semanais.

A notícia chegou-me por e-mail por estar cadastrada no mailing do grupo, uma vez que cheguei a frequentar as reuniões por um curto espaço de tempo. De acordo com o coordenador do Laboratório, professor Dante Marcello Claramonte Gallian, a “Sala Precisa” estava bem embaixo dos seus narizes: “foi o mago Valdir Reginato quem me mostrou, por detrás das cortinas vermelhas que separam o museu histórico da sala EPM-Xingu: a sala de exposições temporárias do museu do qual sou diretor”.

Assim, com cadeiras emprestadas de início, aconteceu a primeira reunião no novo local, formando dessa forma a “Brigada de Dantledore”, uma referência ao grupo que se encontrava na Sala Precisa do livro, adaptando-o ao nome do coordenador do LabHum.

O universo literário é mesmo pródigo em apontar caminhos e possibilidades verdadeiras. A vida real, por sua vez, toma direções que se revelam inacreditáveis, eu diria mágicas, saídas de uma boa e deliciosa fantasia.

Para saber mais sobre o Laboratório de Humanidades, acesse http://labhum.blogspot.com/

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Tarrafa, portal e blog literários

De uns tempos para cá houve um crescimento no número de festivais e feiras literárias pelo país e, se pudesse, iria a todos, a despeito do caráter comercial que alguns deles ensejam. Só o fato de poder circular por um universo literário, repleto de escritores nacionais e internacionais, a participação por si só já compensa.

Da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) à Feira Nacional do Livro em Ribeirão Preto, passando pelo Festival Literário da Mantiqueira, à Jornada de Literatura de Passo Fundo, à Bienal Internacional do Livro do Rio, à Feira do Livro de Porto Alegre até chegar à Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), entre outras, o país nunca viveu – e respirou – tanto a literatura, pelo menos nesses locais. Que bom!

O único senão, para mim, é ficar acompanhando de longe muitos desses eventos. E de alguns nem tão longe assim, como é o caso da 3ª edição da Tarrafa Literária, festival internacional de literatura, que acontece até o dia 28 de agosto, na cidade portuária de Santos, litoral paulista, a aproximadamente 72 km da capital do estado.

O evento é uma realização da Realejo Livros & Edições, com patrocínio da Santos Brasil, Sabesp, Praticagem e Petrobras, por meio da Lei Rouanet - Ministério da Cultura e Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. O local das atividades é o Teatro Guarany e as oficinas culturais acontecem na Bolsa do Café.

A Tarrafa contará com a participação de escritores como Fernando Morais, que lançará seu novo livro Os últimos soldados da guerra fria, Inês Lustosa, Sérgio Dávila, Alberto Martins, José Hamilton Ribeiro, José Carlos Marão, Fabrício Corsaletti, Antonio Prata, Reinaldo Moraes, Mário Bortolotto, Soninha, Laerte, Caco Galhardo e Mary del Priore, entre outros. Do time de autores internacionais marcam presença a autora portuguesa Inês Pedrosa e o irlandês Ian Sansom.

Em paralelo, acontece a Tarrafinha, versão da festa literária para o público infantil, e que contará com a participação das irmãs Klink, filhas do navegador Amyr Klink, Flávia Vallejo e Ilan Brenman. A programação completa pode ser conferida no site oficial do evento: http://www.tarrafaliteraria.com.br/

É muito bom ver Santos, uma das principais cidades do estado de São Paulo, sediando um evento literário desse porte. O município, aliás, conta com inúmeras atividades culturais e turísticas que valem a pena ser experimentadas, além disso conta com um Portal dedicado ao intercâmbio entre o internauta e a produção cultural da Baixada Santista: o Artefato Cultural, que traz matérias e textos sobre Arte e Cultura em geral, com destaque para Literatura, Pintura, Escultura, Música, Arquitetura, Teatro e Cinema.

Recentemente, o Portal publicou interessante matéria da jornalista Erika Freire sobre Literatura - Leitor, fiel leitor, da qual tive a oportunidade de participar com mais dois entrevistados leitores: a estudante Paula Ramos e o escritor, poeta e autor dos livros "Conversas com Emily Dickinson e outros poemas" e “Tratado de Anjos Afogados”, Marcelo Ariel. Para conferir, acesse: http://www.artefatocultural.com.br/portal/index.php?secao=news&subsecao=59&id_noticia=758

E para terminar este post não poderia deixar de comentar que hoje meu blog completa dois anos de existência, uma caminhada que vem se tornando cada vez mais frutífera e prazerosa. Conto atualmente com 76 seguidores, número este que praticamente triplicou de um ano para cá. É algo que me orgulha, mas também significa responsabilidade e compromisso, que espero poder honrar com minhas histórias e a promoção do livro e da leitura.

A todos os meus leitores, virtuais e reais, obrigada por me acompanhar. Sem vocês, este blog não teria o menor sentido.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Eu leio sim e vou vivendo

Embora os livros e a leitura destes sejam uma das minhas maiores paixões, eu também tenho outros interesses. Por exemplo: vou ao cinema, saio para dançar, gosto de animais, assisto bobagens na televisão, encontro com amigos, pratico yoga, sonho acordada, me apaixono e viajo, entro outras “coisitas mas”.

E foi exatamente esta última atividade que fiz nas minhas férias, dedicadas exclusivamente a passeios pelo sul do Brasil, nas cidades de Porto Alegre, Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa, Canela e Gramado. Mas qual não foi minha surpresa ao retornar a São Paulo e já de volta ao trabalho, quando um colega, sabendo da viagem, perguntou-me se fui para esses lugares participar de alguma festa literária ou coisa do gênero.

Não. Fui para passear – respondi.

É que você gosta tanto de livros que pensei que fosse a algum evento literário.

Gosto mesmo, mas também aprecio outras coisas que não livros.

E de fato, fui a passeio, por lazer e para visitar familiares que por aquelas terras vivem. E, apesar de já conhecer a capital gaúcha – afinal era a terceira vez que viajava para lá – foi como se a visse pela primeira vez. Acho que encarei a cidade com outros olhos e a conheci de verdade, e com grande encantamento. E ainda de quebra visitei uma vinícola em Bento Gonçalves, conheci outras belas e bucólicas cidades e aproveitei um pouquinho do Festival de Cinema que estava acontecendo em Gramado.

Em Porto Alegre, finalmente fui a uma típica churrascaria gaúcha, com direito a show de danças tradicionais e apresentação de um artista que me deixou simplesmente hipnotizada, além de passeio no ônibus turístico pelas ruas da cidade e seus inúmeros atrativos, ida ao cinema para ver Harry Potter e as Relíquias da Morte pela segunda vez, visita a gruta de Nossa Senhora, degustação de chimarrão, passeio pelo Mercado Municipal, engajamento em uma passeata de profissionais da saúde em frente à Prefeitura da cidade, caminhada no Parque da Redenção, e até visita – por puro turismo - a dois cemitérios de Porto Alegre, que possuem arquitetura diferenciada e estátuas e esculturas belíssimas.

É claro, porém, que a literatura não poderia ficar de fora dessa viagem. Assim, fui conhecer a Casa de Cultura Mario Quintana, um espaço construído no antigo prédio do Hotel Majestic, localizado próximo ao centro de Porto Alegre, e que hospedou boêmios e poetas solitários, como Mario Quintana, de 1968 a 1980.

Os espaços da Casa de Cultura Mario Quintana estão voltados para o cinema, a música, as artes visuais, a dança, o teatro, a literatura, a realização de oficinas e eventos ligados à cultura, além é claro, de contar com um local para abrigar o Acervo Mário Quintana, composto de fotografias, pôsteres inspirados nos livros do poeta, ilustrações, pinturas, caricaturas e poemas gravados em fita K7, LP e CD, além de fitas VHS com depoimentos e entrevistas.

A Casa de Cultura conta também com um ambiente que reproduz, com objetos e móveis originais, o último quarto em que Mário Quintana viveu. A reconstituição foi coordenada pela sobrinha do poeta, Elena Quintana. Uma joia rara.

No local adquiri um pequeno livrinho do poeta, o último dele: Mário Quintana - água / water / água. Uma edição trilingue (português, inglês e espanhol), escrito em 1994 e publicado em 2001 pela Editora Artes e Ofícios de Porto Alegre. Trata-se de colagens de fragmentos avulsos, versos temáticos sobre o planeta, a natureza, o compromisso do homem – e do poeta – com seu cenário. Belos poemas, como este, O Homem e a Água:

Deixa-me ser o que eu sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo.
E o meu destino é seguir... seguir para o mar.
O mar onde tudo recomeça... Onde tudo se refaz...”.

E quando falei que também visitei cemitérios na viagem a Porto Alegre, em um deles aproveitei para ver o jazigo onde está enterrado Mário Quintana, o mesmo que também abriga outro grande escritor, Érico Veríssimo.

A propósito, quem me levou até lá foi meu primo, que disse ter, no dia do aniversário de Mário Quintana, ido até o túmulo deste carregando consigo o livro Poesia Completa para ler, diante da lápide, um dos poemas em homenagem ao poeta que costumava ver caminhando pelas ruas de Porto Alegre quando era um adolescente.

É por isso que leio - e vou vivendo, mesmo porque um interesse sempre puxa outro.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

De férias!

Custou, mas agosto chegou e com ele as minhas tão esperadas - e sonhadas - férias.
E para não deixar que elas passem em branco estarei viajando para Porto Alegre. Pois é, saindo do frio de Sampa para um frio ainda mais intenso na capital do Rio Grande do Sul, onde vou pela terceira vez, para a casa de parentes.

Momentaneamente deixo a terra da garoa, cidade de Mário e Oswald de Andrade, Haroldo e Augusto de Campos, Ligia Fagundes Telles e Marcos Rey, dentre tantos outros belos escritores. E parto para a terra de Moacyr Scliar, Luís Fernando Veríssimo, Eliane Brum e João Gilberto Noll, bem como daqueles que nasceram no Sul e viveram boa parte em Porto Alegre: Érico Veríssimo, Mário Quintana e Fabrício Carpinejar, entre outros grandes escritores.

Estarei um pouco ausente do blog, mas assim que voltar retomo com fôlego redobrado.
Até a volta, amigos!

"Vou pra Porto Alegre, tchau!"

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A mágica da meia noite

Você já se pegou sentindo saudades de um tempo que não viveu? Ou ainda de sonhar com aquela máquina do tempo, capaz de te transportar ao passado, para um determinado período dos seus sonhos?

É, parece meio estranho, mas acho que é mais comum do que se imagina. No entanto, considero-me uma pessoa do presente, de bem com a época em que vivo, sem cultuar ou viver pensando em outra era que não esta. Mas, é claro, já tive minha cota de nostalgia quando era mais nova e, se pudesse retroceder no tempo, teria querido viver, ou melhor, ser jovem, na metade dos anos de 1960 e 1970 (na época eu era menina) e, por incrível que pareça, quando acontecia a revolução estudantil. Lembro-me de que tudo ligado a esse tempo me fascinava e  de que tinha muita vontade de me envolver com aquela causa. Os anos passaram e a parte rebelde em mim adormeceu, talvez mais pelo desencanto com a oposição brasileira.

Política à parte, o que motivou essas lembranças foi o filme do diretor Woody Allen, Meia Noite em Paris, um misto de comédia, fantasia e romance, enfim, uma fita leve, divertida, apaixonante e reflexiva. Mas o que mais me chamou a atenção foi a galeria de escritores, pintores e artistas famosos, dos anos de 1920 que aparecem na trama.

Assim como com os livros, em que a história e o autor são motivos para escolher esta ou aquela obra para ler, vou ao cinema por dois motivos: ou a história me interessa ou os atores chamam minha atenção. Dificilmente pego um livro pela editora, assim como raramente vejo um filme por causa do diretor. Dessa forma, quero justificar que não sou nenhuma crítica em cinema, apenas espectadora e, como tal, dou minhas impressões.

Meia Noite em Paris gira em torno de Gil Pender (Owen Wilson), roteirista bem-sucedido de Hollywood, que está escrevendo um livro, com o qual quer ser reconhecido como escritor. Ele viaja junto com sua noiva e os pais desta para Paris, onde acaba refletindo sobre suas escolhas e o rumo da sua vida. Ali, ele se encanta com a cidade, mas sobretudo com os anos de 1920 da capital francesa, quando pintores, escritores, roteiristas reinavam absolutos. Seu desejo por aquela época é tão forte que ele acaba se transportando para ela, por meio de um carro que passa em determinado ponto à meia noite.

Nessa sua investida pela noite de Paris ele conhece o escritor F. Scott Fitzgerald e sua esposa Zelda, Ernest Hemingway e Gertrude Stein, os pintores Pablo Picasso, Luís Bunuel e Salvador Dali, o fotógrafo Man Ray, o músico Cole Porter, entre outros. Uma galeria de artistas e personalidades de encher os olhos e a mente, que nos deixam ávidos para ler, ver, conhecer ainda mais. Dentre eles, gostei especialmente de Scott e Zelda Fitzgerald, um casal louco, apaixonado, badalado, encantadores (na foto com o personagem Gil Pender, ao centro).

As tomadas de Paris são outro show à parte, com aquelas ruas envolventes, cafés, restaurantes e um pequeno vislumbre da livraria Shakespeare & Company. Maravilhosa! Dá vontade de sair correndo e pegar o primeiro avião para a capital francesa e poder continuar desfrutando todo o encanto do filme.

Como se não bastasse tudo isso, o filme ainda faz uma reflexão desse paradoxo entre uma outra época e a que vivemos. O ser humano é mesmo insatisfeito, deixando assim de viver o momento, o já e o agora. Mas que é bom sonhar, ah isso é.