terça-feira, 27 de março de 2012

No SkoobersSP com o "Mochileiro"

Ler é muito bom, falar sobre a leitura é melhor ainda. E se pudermos reunir o maior número de pessoas nessa discussão, aí então temos um grupo de leitores com interesses comuns, ampliando sensivelmente nossa visão e percepção sobre determinado livro.

Pois é, não bastou um. Agora estou participando de mais um Clube de Leitura, o SkoobersSP. Este, indicado por uma amiga integrante do Skoob, a rede social que reúne leitores no Brasil. Nele encontrei uma galera integrada, participativa, interessada e totalmente apaixonada pela leitura, assim não foi difícil me entrosar e me sentir como se estivesse em casa.
Nessa minha segunda incursão pelo Clube, discutimos O Guia do Mochileiro das Galáxias, uma série juvenil, considerada como “ficção”, mas também pode ser entendida como um sátira do escritor inglês Douglas Adams a cerca do império britânico e das pessoas em geral. Mais que um romancista, Adams era roteirista e comediante, além de muitas outra “coisas”, um multimídia por excelência, daí, talvez explique a criação dessa série bem-humorada.

Humor, aliás, é o que não falta no livro, com tiradas rápidas e por vezes geniais. O livro – e aqui me perdoem os fãs de carteirinha, pois O Guia dos Mochileiro das Galáxias tem uma gama de aficcionados de fazer inveja a qualquer escritor que se preze –, se não é uma obra-prima, ao menos cumpriu – e ainda cumpre – sua missão de entreter e divertir o leitor.
Escrito originalmente como uma série radiofônica, em 1978, época em que “pipocavam” as ficções científicas, foi transmitida pela primeira vez na Radio 4, da BBC, sendo posteriormente publicada, alterada e multiplicada em uma saga de cinco partes, lançada no Brasil pela Editora Sextante:
1.     O Guia do Mochileiro das Galáxias
2.     O Restaurante do Fim do Universo
3.     A Vida, o Universo e Tudo Mais
4.     Até Logo, e Obrigada pelos Peixes
5.     Praticamente Inofensiva
Por enquanto li apenas o primeiro e confesso que me diverti muito com a história, numa narrativa leve, de situações hilárias, bizarras e improváveis. Na trama, Arthur Dent é um inglês azarado que está às voltas com a desapropriação de sua residência pelos órgãos públicos. Nessa empreitada, procura defender a casa de todas as maneiras, nem que seja deitando-se à frente da construção, em plena lama, para impedir que o trator a derrube.

Ele tem um amigo estranho, Ford Perfect, na verdade um ser do planeta Betelgeuse, que vive na terra há 15 anos, disfarçado de “ator desempregado”. Sua missão é atualizar o Guia do Mochileiro das Galáxias, um livro com a frase “Não entre em pânico” estampada na capa, lançado pelas grandes editoras da constelação da Ursa Maior, próxima de Andrômeda. É publicado sob a forma de um microcomponente eletrônico, que traz inúmeros verbetes úteis e que o mochileiro precisa saber para viajar pelas galáxias. Neste ponto, assemelha-se ao Wikipédia hoje e, seu formato, talvez ao kindle.
No momento em que Arthur Dent está às voltas com o problema da casa, Ford tenta retirá-lo de lá para avisar que a Terra será destruída. Os dois então conseguem se salvar, pegando carona na nave dos “vogons”, seres altamente burocráticos, encarregados de destruir a Terra. Na cabine da espaçonave, Dent se dá conta do que aconteceu e que pode ser apreciado na passagem:

A Inglaterra não existia mais. Isso ele já entendia – de algum modo conseguira entender. Tentou de novo: a América não existe mais. Não conseguia entender isso. Resolveu começar com coisas pequenas, de novo. Nova York não existia mais. Nenhuma reação. Na verdade, no fundo ele nunca acreditara mesmo na existência de Nova York. “O dólar”, pensou ele, “caiu completamente.” Isso lhe provocou um pequeno tremor. “Todos os filmes de Humphrey Bogart desapareceram”, pensou ele, e esta ideia lhe causou um choque desagradável. “O McDonalds´s”, pensou. “Não existe mais nenhum Big Mac.”
Desmaiou. Quando voltou a si, um segundo depois, chorava, chamando sua mãe.

Começa aí, a aventura dos dois pelas galáxias, encontrando pelo caminho personagens engraçados como Zaphod Beeblebrox, Slartibartfast e o robô depressivo Marvin, bem como Tricia McMillan, esta uma terráquea.
Além da série radiofônica e do livro, O Guia do Mochileiro das Galáxias foi adaptado para uma série de TV, filme (2005), jogos e HQs, dentre outras mídias.
Um sexto livro vinha sendo preparado por Adams, que acabou morrendo antes de sua conclusão, em 2001, aos 49 anos. Eoin Colfer, professor e autor de livros infantis, que foi amigo de Adams, continuou a saga, publicando o livro intitulado E tem outra coisa...

Quando do falecimento do escritor, fãs da saga queriam homenageá-lo com um tema engraçado, já que Douglas Adams fez inúmeras pessoas rirem com seus livros. E escolheram a “toalha”, uma vez que no Guia há uma página inteira dedicada a ela e suas utilidades variadas e inimagináveis nas diversas situações enfrentadas pelos “viajantes das galáxias”. Assim, 25 de maio ficou conhecido como o “Dia da Toalha”.

O Guia do Mochileiro das Galáxias é um livro que pretendia ler há algum tempo e foi bom tê-lo feito, ainda mais com a possibilidade de discuti-lo em grupo. O compartilhamento entre os leitores, ainda que alguns não tenham gostado da história, foi bastante profícuo, contribuindo para uma assimilação maior da leitura.
E que muitas outras discussões venham neste e em outros grupos dos quais estiver participando.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Autógrafos e dedicatórias

Tentando ainda organizar meus livros, enquanto não compro uma estante para acomodá-los, resolvi me desfazer de alguns títulos, claro, não sem uma dorzinha no coração. Mas como demoro para “despachar” a pilha de “livros para doação”, acabo sempre retornando a ela para ver se “realmente” quero doá-los. Foi assim que me deparei com um livro da pós-graduação, e, ao abri-lo, reparei que na folha de rosto havia uma dedicatória e a assinatura do autor que, por sinal, tinha sido meu professor.

A (re) descoberta me pegou em cheio e pensei: "Nossa, como fui capaz de separar este livro com dedicatória para doação?" E já imaginei o livro em algum sebo ou na biblioteca, sendo manuseado por outros leitores, curiosos ou ainda espantados por essa demonstração de "pouco caso" que a leitora teve com relação a uma obra com dedicatória própria.

E não só isso, pensei no dia em que o adquiri e no momento em que o autor o dedicou a mim. Claro, não podia deixar assim e, imediatamente tirei-o da pilha e o coloquei a salvao junto aos outros livros cativos no meu quarto.

Dedicatórias têm significado especial e destacam a história de determinado livro. Em Ex-librir: Confissões de uma leitora comum, de Anne Fadiman, há um capítulo dedicado ao tema, no qual a autora alerta: "Ao contrário do cartão que acompanha, digamos, um suéter, do qual é provável que se separe logo, um livro e sua dedicatória estão casados para sempre. Isso pode ser tanto uma benção quanto uma praga".

Benção na medida em que demonstra o carinho e a atenção de quem faz a dedicatória ao leitor que possuirá o livro. Mas também uma praga, se mais para frente aquele que o dedicou já não significar mais nada para o leitor. Ainda no livro de Anne Fadiman, há uma menção ao escritor George Bernard Shaw que encontrou, certa vez, um de seus livros num sebo - Estava escrito: "Para... com afeto, George Bernard Shaw". George, com o orgulho ferido, comprou-o e mandou para o ingrato que se desfez de sua obra. Abaixo do que havia escrito antes, acrescentou uma linha: "Com renovado afeto, George Bernard Shaw".

Por essas e mais outras é que não vou me desfazer dos livros com dedicatórias, mesmo porque o lado sentimental fala mais forte. Ainda mais depois que descobri, recentemente, o tumbir Eu te dedico ( http://eutededico.tumblr.com/  ), que traz imagens de dedicatórias de livros e suas histórias. Muito legal.

E, inspirada nele, e naquele livro do professor que eu iria me desfazer, resolvi checar as obras com dedicatórias que tenho. Primeiro é preciso separar as dedicatórias dos livros que ganhei de amigos das dedicatórias e autógrafos dos autores dos livros que comprei. É, fazendo um balanço, percebi, com certa tristeza que, apesar de gostar muito de ganhar livros, não tenho muitos títulos presenteados, o que dirá com dedicatórias de amigos ou familiares. E que a proporção de livros comprados, com dedicatórias e autógrafos dos autores, é espetacularmente maior. 

O primeiro livro que ganhei, com dedicatória, foi no meu aniversário de 20 anos. Tratava-se de Pra viver um grande amor, de Vinícius de Moraes, obra com a qual uma amiga da faculdade me presenteou. Sua dedicatória, embora simples, muito me emocionou, e o livro foi amplamente manuseado e lido por mim, várias vezes. Hoje se encontra em estado lastimável, com a capa esfolada e manchas amareladas nas páginas. Não importa, gosto dele assim, faz parte da minha história e da minha trajetória do jeito que está.
Dos autores queridos, sempre que surge a oportunidade vou lá conseguir um autógrafo e, quem sabe, uma dedicatória própria. Na impossibilidade de publicar todos, destaco alguns, mas já me comprometo em, quando fizer post sobre um livro meu e que tenha dedicatória, publicá-la também.


 Conheci Eliane Brum em 2007, no 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, em São Paulo. E consegui seu autógrafo e dedicatória no livro A vida que ninguém vê. Um dia inesquecível.


O livro Coraline, coim o autógrafo do seu criador Neil Gaiman, que consegui depois de quatro horas na fila durante a Flip 2008.



Palestina, de Joe Sacco, autógrafo e dedicatória feitos na Flip 2011.


Finalmente o autógrafo e a dedicatória na graphic novel Daytripper, de Fábio Moon e Gabriel Bá, durante o KingCon, na Fnac Paulista, em 2011.


A dedicatória mais recente: de Sérgio Vilas Boas, em Doutor Desafio, um perfil ao estilo Jornalismo Literário que conta a história do empreendedor Luiz Alberto Garcia. 

Esqueci de falar também que há, ainda, as dedicatórias dos próprios autores em seus livros. Mas isto já é assunto para um outro post.

terça-feira, 20 de março de 2012

Um pouco de Menotti del Picchia

Em 14 de março foi comemorado o Dia Nacional da Poesia, em homenagem ao aniversário de nascimento do poeta Castro Alves. No dia 21 será a vez de comemorarmos o Dia Mundial da Poesia, data criada pela Unesco para incentivar e desenvolver a poesia regional, nacional e internacional.

Em meio a essas solenidades, no dia 20 de março festeja-se os 120 anos do nascimento do poeta Paulo Menotti del Picchia, que também foi jornalista, político, romancista, cronista e ensaísta. Além de ter participado, ativamente, da Semana de Arte Moderna de 1922, embora não seja lembrado como um dos seus protagonistas.
O poeta viveu grande parte de sua vida em Itapira (SP), mas nasceu na capital paulista, recebendo o nome de Menotti em homenagem ao filho do general guerrilheiro e patriota italiano, Giuseppe Garibaldi. No dia do batizado, porém, o padre fez questão de que o menino tivesse um nome cristão, assim, colocou-se Paulo à frente de Menotti.
A primeira vez que tive contato com a escrita de Menotti foi na oitava série do 1º grau (Ensino Fundamental), quando a professora nos apresentou o poema sertanista Juca Mulato e me apaixonei de imediato. O amor platônico do caboclo, pobre e mulato, pela filha da patroa, nascido por um simples olhar que esta lhe dera, além do lirismo, beleza e cadência das rimas me marcaram profundamente. Este é, sem dúvida, o poema de que mais gosto, lembro e recito continuamente.
Por duas vezes já citei esse poema no blog. A primeira, foi logo quando comecei a blogar, em agosto de 2009, falando sobre um trecho de Juca Mulato, intitulado A mandinga, o meu preferido. Você confere aqui. E também em uma blogagem coletiva sobre qual livro seria em Fahrenheit 451. Claro, minha resposta foi Juca Mulato. Veja aqui.
Hoje, relendo o poema, destaco outra passagem, belíssima igualmente:
“Sofre, Juca Mulato, é tua sina, sofre...
Fechar ao mal de amor nossa alma adormecida
é dormir sem sonhar, é viver sem ter vida...

Ter a um sonho de amor o coração sujeito
é o mesmo que cravar uma faca no peito.

Esta vida é um punhal com dois gumes fatais:
não amar, é sofrer: amar, é sofrer mais!”

Com este trecho, termino aqui minha homenagem a Menotti del Picchia, um poeta e escritor que merece ser sempre lembrado, não só por Juca Mulato, mas também por toda sua obra e importância na literatura brasileira.

sexta-feira, 16 de março de 2012

A casa de papel

Esta semana uma colega informou no twitter que lia um livro na rua e por pouco não foi atropelada por um carro. Lembrei-me na mesma hora do livro A casa de papel, do escritor argentino Carlos María Domínguez, cuja história principia com o atropelamento de uma professora, Bluma Lennon, que estava lendo um livro de poemas. Felizmente não aconteceu nada com minha colega, mas com Bluma a história foi outra. A narrativa começa assim:

Na primavera de 1998, Bluma Lennon comprou numa livraria do Soho um velho exemplar dos Poemas de Emily Dickinson, e ao chegar ao segundo poema, na primeira esquina, foi atropelada por um automóvel.
Os livros mudam o destino das pessoas. Uns leram O tigre da Malásia e se transformaram em professores de literatura em remotas universidades. Sidarta levou milhares de jovens ao hinduísmo, Hemingway transformou-os em esportistas, Dumas transtornou a vida de milhares de mulheres e não poucas foram salvas do suicídio por manuais de cozinha. Bluma foi sua vítima.

Mas não a única. O velho professor de línguas antigas Leonard Wood ficou hemiplégico ao receber na cabeça cinco tomos da Enciclopédia britânica, que se soltaram de uma prateleira de sua estante; meu amigo Richard quebrou uma perna ao tentar alcançar Absalão, Absalão!, de William Faulkner, mal localizado numa prateleira que o levou a cair da escada. Outro amigo de Buenos Aires pegou tuberculose nos porões de um arquivo público e conheci um cachorro chileno que morreu de indigestão com Os Irmãos Karamázov, depois de devorar suas páginas numa tarde de fúria.
A história desse pequeno livro, publicado pela Editora Francis, é assim, recheada de sequências que fazem alusão à paixão desmesurada pelos livros, pelas bibliotecas, pela literatura. Mas, mais do que isso, a obra propõe uma reflexão sobre a arte de ler, de colecionar livros e de estudar.

Na trama, após a morte de Bluma, seu colega de universidade, um professor de literatura hispânica da Universidade de Cambridge recebe em seu gabinete um envelope sem remetente contendo um livro dentro. Tratava-se de uma edição velha e desconjuntada do exemplar A linha de sombra, do escritor britânico Joseph Conrad, cuja capa e contracapa apresentava uma “imunda crosta grudada nelas. Os cantos das páginas mostravam pequenas partículas de cimento, que derramaram um pó fino sobre a madeira espelhada da escrivaninha”.
Dentro havia uma dedicatória de Bluma: “Para Carlos, este romance que me acompanhou de aeroporto em aeroporto como recordação dos loucos dias de Monterrey. Lamento ser um pouco bruxa e tê-lo advertido em seguida: você nunca faria nada capaz de me surpreender, 8 de julho de 1996.”

A partir desse fato o professor começa uma louca aventura em busca de respostas para tentar entender a história desse livro, de Carlos para quem Bluma o dedicou, porque o livro se encontra naquele estado lastimável e como ele retornou à professora, embora esta já não estivesse mais por lá.
Para desvendar esse mistério e mergulhar em uma trama de amor aos livros e à leitura, é necessário ler a obra, mas posso contar a minha história, de como A casa de papel chegou até mim. Foi, por uma feliz coincidência, em uma Primavera, só que do ano de 2006, em uma feira de livros.

Ali, em meio a tantos títulos, procurava um que se encaixasse dentro de minhas finanças, na época um verdadeiro caos, mas não conseguia encontrar nada. Até que, subitamente minha atenção voltou-se para um pequeno livro, fino e charmoso, cuja capa mostrava uma fileira de livros emoldurada de cima a baixo, como em uma estante. No alto, o título do livro revelava: A cidade de papel; no rodapé, o nome do autor: Carlos María Domínguez. Na contracapa, um pequeno trecho do livro me encantou:
A biblioteca que forma é uma vida. Nunca, digamos, uma soma de livros soltos. (...) O senhor os acumula nas prateleiras e parece uma soma, mas se me permite, trata-se de uma ilusão. Seguimos certos assuntos e, ao fim de um tempo, terminamos por definir mundos: por desenhar, se prefere, o percurso de uma viagem, com a vantagem de que conservamos suas marcas.

Pronto, me apaixonei e adquiri-o no ato.
A casa de papel recebeu o prêmio Lolita Rubial, concedido pela Fundação Lolita Rubial, cujo nome é uma homenagem a professora, jornalista, atriz e diretora de teatro no Uruguai, falecida em 1990. O livro foi traduzido também para o inglês, italiano , francês, alemão e holandês.

O autor, Carlos Maria Dominguez, nasceu em 1955 na Argentina, mas reside em Montevidéu, no Uruguai, desde 1989. Além de escritor, é também crítico literário e jornalista, tendo publicado romances, biografias e livros-reportagens.
Será que ainda é necessário mais motivos para ler?

Bom, fica aqui a dica.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Bibliotecas e bibliotecários

Já faz um bom tempo, por isso não me recordo ao certo quando foi a primeira vez que adentrei em uma biblioteca, mas sei que, desde as primeiras séries do ensino fundamental, que na minha época era o antigo 1º grau, frequento bibliotecas. E, de lá para cá, não parei mais.

As bibliotecas exercem um fascínio grande em mim, me encanto com elas e sou eternamente apaixonada por elas. Tanto que, mesmo comprando livros, prefiro me deslocar até esses “templos” do saber para encontrar uma ou outra obra que me interesse. Assim, pelo menos duas vezes, por semana, vou a uma biblioteca, seja perto de casa, seja perto do trabalho, seja no trajeto entre um e outro, ou ainda fora do meu percurso habitual, desde que encontre o livro desejado.
Acho que é mais ou menos aquilo que o E. B White, escritor americano, disse certa vez: “Uma biblioteca é um bom local para ir quando se sente triste, porque, num livro, pode encontrar encorajamento e conforto. Uma biblioteca é um bom local para ir quando se encontra indeciso, porque, num livro, pode encontrar a resposta para as suas perguntas”. E, é claro, nesses locais há uma infinidade de títulos que enchem os olhos e o coração de felicidade.
E minha paixão é tamanha que penso até em fazer um trabalho, um texto, uma monografia sobre o papel das bibliotecas nesses tempos virtuais, destacando, ainda, pequenos perfis sobre alguns bibliotecários. Na verdade, a ideia é reencontrar aquela bibliotecária, da época do 2º grau que intensificou, em mim, o amor pela leitura.
E, lembrando dela, quero deixar aqui a minha homenagem a esses profissionais que zelam, orientam e incentivam a leitura, neste Dia do Bibliotecário, trazendo uma simpática tira do cartunista Quino, desenhada com sua ilustre personagem Mafalda:


A tradução é:
1º quadro: As tuas ideias são muito louváveis, Felipe, mas um pouco ingênuas.
2º: É ingenuidade pretender que os povos apreciem mais a cultura do que o dinheiro?
3º: O mundo não seria mais bonito se as bibliotecas fossem mais importantes que os bancos?
4º: Não. É um pouco radical!

Mas podemos tentar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulheres da China, mulheres do mundo

Na busca por sociedades mais justas e igualitárias, uma centena de tecelãs da fábrica de tecidos Cotton, de Nova York, resolveram paralisar seus trabalhos reivindicando redução na jornada de trabalho de 12 para 10 horas. O dia era 8 de março de 1857 e a manifestação das mulheres foi controlada de forma violenta e trágica pela polícia e pelos empresários, que as trancafiaram dentro da fábrica e, em seguida, atearam fogo no local, matando-as.

Cinquenta e três anos depois, na II Conferência Internacional de Mulheres, que aconteceu na Dinamarca, a data foi instituída como o Dia Internacional da Mulher. Daquela época para cá, é inegável as conquistas alcançadas pelas mulheres, com a inserção destas no mercado de trabalho, direito ao voto, liberação sexual, entre outras. Entrentanto, o repeito a elas e os seus direitos, como ser humano, ainda não são plenos.
No Oriente esta emancipação custou ainda mais a acontecer, sobretudo pela influência política e religiosa que regem o continente. Na China, por exemplo, elas passaram – e talvez ainda passem – por duras provas que, se bem analisadas, podem muito bem ser verificadas em outras partes do mundo, mesmo no Ocidente.
Seus conflitos, dificuldades, penas, pensamentos e emoções puderam chegar até mim com pouco mais de clareza depois de ler As boas mulheres da China, obra da jornalista, radialista e escritora Xinran. Nascida em Pequim, ela trabalhou em Nanquim, cidade da República Popular da China, até 1997, quando então mudou-se para a Inglaterra com seu filho, e onde pode, finalmente, escrever e publicar seu livro sobre as mulheres.
  
Publicado no Brasil em 2003 pela Companhia das Letras, o livro traz histórias de mulheres, de diferentes idades e condições sociais, que foram entrevistadas por Xinran entre 1989 e 1997, e apresentadas no programa de rádio Palavras na brisa noturna, que a jornalista apresentava em Nanquim. A ideia era mostrar – para tentar compreender – a condição feminina na China moderna.
Logo de início senti o forte impacto que a leitura iria produzir em mim. Para começar sua narrativa, Xinran conta como quase perdeu seu manuscrito, no final de 1999, nas proximidades da estação de metrô de Stamford Brook, na Inglaterra.
Ela voltava de uma aula no curso noturno da School of Oriental African Studies (SOAS) da Universidade de Londres, quando foi abordada por um assaltante que a jogou no chão. Instintivamente segurou a bolsa, resistindo o mais que pode, a chutes, pontapés e toda série de violência. Logo acorreram pedestres e o homem foi cercado e preso.
Mais tarde, na polícia, Xinran foi indagada do porquê de ter se arriscado. A única resposta que tinha era:  “– É que meu livro estava dentro dela”. Os policiais ficaram admirados e questionaram: “– Um livro é mais importante do que a sua vida?”.
Ela pensou que não, não era. Mas também pensou que, em suas palavras, “o meu livro era a minha vida. Era o depoimento sobre a vida de mulheres chinesas, o resultado de um trabalho de muitos anos como jornalista”. Claro ela poderia escrever novamente, mas achava que já tinha sido doloroso demais escrevê-lo para reescrevê-lo. Além do mais, a memória tem muitas ramificações e, cada vez que se tenta percorrê-la, pode-se pegar um caminho diferente.
As histórias contidas no livro são tão impressionantes que muitas vezes parecem mais ficções do que reais. É mais ou menos aquilo que uma vez ouvi da jornalista Eliane Brum, por ocasião do seu livro A vida que ninguém vê, onde traz perfis de pessoas desconhecidas: “a vida pode ser extraordinária”.
Das histórias contadas em As boas mulheres da China, num total de 14, é difícil destacar qual causou maior impacto, mas uma delas me deixou bastante perplexa, tanto que fui dormir pensando nela, tive um sonho relacionado a ela e acordei ainda pensando nela.
A história era sobre Hongxue, uma menina que fora molestada pelo pai e que para fugir dele se expunha a uma série de perigos que a fizessem ficar doente, necessitando permanecer internada em um hospital. No local, ela escreveu um pequeno diário contando seu sofrimento e como resolveu ter uma mosca (sim uma mosca!) como animal de estimação, depois de ter sido acariciada pelo inseto:
No domingo passado não tive nenhum tratamento interavenoso, então dormi bem, até ser despertada por uma sensação suave na pele, um arrepio. Como só estava parcialmente acordada e com muita preguiça de me mexer, fiquei imaginando de onde viria a sensação. Fosse a causa qual fosse, continuava lá, subindo e descendo apressada pela minha perna, mas não perturbava nem me assustava de maneira alguma. Era como se um par de mãos minúsculas me acariciasse suavemente. Eu me senti muito grata àquele par de mãozinhas e quis saber de quem eram. Abri os olhos e vi: Era uma mosca! Que horror! Moscas são cheias de germes e sujeira de esgoto! Mas eu sabia que as patas de uma mosca podem ter um toque tão suave e leve, ainda que sejam sujas.
A história ficou por muito tempo na minha cabeça, mesmo depois de terminá-la e prosseguir com outras. Estas, não menos tocantes, mostraram a verdadeira face das chinesas, mulheres comuns, com seus sonhos e esperanças, amarguras e ressentimentos, além de cicatrizes profundas, como a das “mães que sofreram um terremoto”, em 1976, e perderam seus filhos na cidade industrial de Tangshan, no norte da China, causando mais de 200 mortes e centenas de feridos.
Além destas há a história de Hua´er, a menina violentada em nome da “reeducação” promovida pela Revolução Cultural e que, depois disso, tornou-se promíscua e acabou presa por mau comportamento e coabitação; a de Shilin, menina que perdeu a razão depois de constantes humilhações e estresse profundo; a das mulheres que vivem na colina dos Gritos, no noroeste da China, que são vistas apenas pela sua utilidade, como reprodutoras e serviçais, mas nem por isso se mostram infelizes; e a de Jingyi, a mulher que esperou 45 anos pelo amado, para depois encontrá-lo casado, pois este acreditava que ela tivesse morrido; ou ainda a história da infância da própria jornalista, Xinran, que se viu criada longe dos pais e sofrendo humilhações por ser considerada uma criança "poluída", ou seja, com antecedentes familiares capitalistas.
Muitas das histórias relatadas esbarram no momento político que a China vivia: primeiro os anos da Revolução Cultural (1966-1976), empreendida por Mao Tsé-Tung e que causou inúmeros traumas na população. Na época, os adolescentes foram conclamados a tomar o cargo dos professores e os camponeses, o dos intelectuais. Boa parte do patrimônio cultural da China foi destruído e intelectuais foram assassinados pela guarda vermelha, entre outros abusos.
Com a morte de Mao, em 1976, o governo de Deng Xiaoping, quis virar essa página trágica da China e, aos poucos, os chineses vislumbraram uma incipiente abertura, ainda que sob controle. O programa da rádio em que Xinran participava, Palavras na brisa noturna é um exemplo, embora este e outros meios de comunicação fossem vigiados pelo governo. Tanto que, para escrever seu livro e publicá-lo, Xinran teve de ir embora do país, caso contrário talvez fosse presa.
O que se evidencia nessas histórias é o abuso do poder e a violência sexual sofrida por muitas dessas mulheres. A carência de educação sexual e a repressão ás manifestações de afeto talvez expliquem esses crimes, mas não os justificam. Xinran, no entanto, com ternura e firmeza soube tratar as histórias, retratando bem as mulheres da China, trazendo até nós sua visão de mundo e que esta pode não ser muito diferente da nossa.

terça-feira, 6 de março de 2012

Viva Gabo!

Pensando em falar sobre uma das obras do escritor colombiano Gabriel García Marquez, que hoje comemora 85 anos, escolhi Relato de um náufrago, narrativa que li recentemente e que conta a história de uma história real publicada em 1955, em forma de reportagem, no El Espectador, periódico de Bogotá, na Colômbia, onde Gabo trabalhava.

Transformado mais tarde em livro, na década de 1970, Relato de um náufrago conta a história do marinheiro Luís Alexandre Velasco, que esteve dez dias à deriva numa balsa, sem água e comida, no mar do Caribe. Ele e mais sete companheiros caíram no mar depois que ondas fortes atingiram o convés do destróier Caldas, da marinha colombiana, que saiu de Mobile, nos Estados Unidos, em direção a Cartagena de las Indias, na Colômbia, repleto de mercadorias contrabandeadas. Velasco foi o único sobrevivente entre os companheiros que caíram ao mar.

O dia era 28 de fevereiro de 1955 e, coincidentemente, comecei a ler o livro poucos dias antes da data, claro 57 anos depois. Curioso também é que a introdução do livro, na qual Marquez relata “A história da história”, foi escrita também no mês de fevereiro, na década de 1970. Nela, o escritor fala da reportagem que fez para o jornal El Espectador e da decisão de escrevê-la em primeira pessoa, ou seja, como se o próprio Velasco a estivesse escrevendo, narrando ele próprio o que lhe acontecera.

Por ser um destróier, um navio de guerra bastante veloz, munido de torpedos, armas antissubmarinas ou mísseis, a embarcação não poderia transportar mercadorias, como geladeiras, fogão, máquinas, caracterizando-se assim em contrabando. O destróier Caldas vinha repleto dessas mercadorias quando, no mar do Caribe, enfrentou ventos fortes e as ondas o fizeram adernar. Foi quando oito marinheiros, entre eles Luís Alexandre Velasco, caíram ao mar, e o navio, por estar bastante pesado não conseguiu retornar para resgatar esses tripulantes.
Algumas balsas foram lançadas no mar e Velasco conseguiu alcançar uma deles, tentando ainda salvar alguns dos companheiros, mas estes acabaram sucumbindo, de forma que apenas ele se viu “seguro”.
No mar, sozinho, Velasco esperou o resgate durante quatro dias, quando viu passar aviões nas proximidades, mas acabou chegando a conclusão de que não viriam mais. Na época, a Colômbia vivia sob a ditadura do regime militar, por isso, para encobrir o fato do destróier estar carregando mercadoria contrabandeada e, assim, justificar o fato de não conseguir resgatá-los, foi veiculado que eles haviam passado por uma forte tempestade.
Foram dez dias enfrentando fome, sede, sol, frio e os perigos do mar, como os tubarões que, pontualmente às cinco da tarde, rondavam a balsa a procura de alimento. Nesses dias até tentou comer uma gaivota pequena, mas a náusea foi maior. Molhou a boca com a água do mar, mastigou uma pequena raiz enroscada na balsa e pequenos cartões de papelão que estavam no bolso da calça. E até conseguiu capturar um peixe, comendo dois bons bocados, mas acabou perdendo-o no mar para os tubarões famintos.

Embora enfrentando todas as dificuldades de um isolamento em pleno mar, sem comida e água, Velasco se mantinha lúcido, forte, esperançoso. Só quando o oitavo, nono e décimo dia se aproximaram é que sentiu um baixa forte, mas ainda assim se admirava em manter-se vivo. Morrer era difícil:
É possível se passar um ano no mar, mas há um dia em que é impossível suportar uma hora mais. No dia anterior tinha pensado que amanheceria em terra firme. Tinham se passado 24h e continuava vendo apenas água e céu. Não esperava mais nada. Era minha nona noite no mar. “Nove noites de morto”, pensei com terror, na certeza de que, a essa hora, minha casa do bairro Olaya, em Bogotá, estava cheia de amigos da família. Era a última noite do meu velório. Amanhã desmontariam o altar e, pouco a pouco, iriam se acostumando a minha morte.

Somente no décimo dia é que ele conseguiu chegar em terra, mesmo assim teve de reunir todas as forças que nem imaginava ainda ter para alançar a margem. Dali para frente sua sorte o levou para casa, para se tornar uma celebridade, um herói. Antes, porém, ficou no hospital, onde o governo tratou de mantê-lo à distância da imprensa para que a verdade não viesse à tona. Apenas os jornalistas da situação puderam entrevistá-lo, e somente um da oposição conseguiu se infiltrar fingindo-se de médico, embora este também não tenha conseguido muita informação.
Depois de um tempo famoso, Velasco, espontaneamente procurou a redação do El Espectador para contar a verdadeira história. Coube a Gabriel García Marquez, então repórter do periódico, ouvi-lo nessa empreitada. O relato converteu-se em uma série publicada em 14 capítulos, causando estardalhaço e transformando-se em denúncia política. O governo revidou e Velasco caiu em desgraça e no esquecimento e Marquez foi para o exílio.

O relato é emocionante e é possível ler de uma tacada só. Nele vemos todo o talento de Gabo como repórter e na narrativa de primeira pessoa. Uma obra que vale a pena ler.
A capacidade literária de Gabriel Garcia Marquez é inquestionável. Responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana,  o escritor recebeu o Nobel de Literatura há 30 anos, em 1982, pelo conjunto de sua obra. Seu aclamado livro Cem Anos de Solidão é considerado um dos melhores livros de literatura latina já escritos. Para mim, um dos melhores que já li.

Cem Anos de Solidão, inclusive, comemora 45 anos da publicação original. E, para marcar a data e também o 85º aniversário de Gabriel Garcia Marquez, a obra está sendo lançada digitalmente. Parabéns em dose dupla ao grande escritor.