terça-feira, 6 de março de 2012

Viva Gabo!

Pensando em falar sobre uma das obras do escritor colombiano Gabriel García Marquez, que hoje comemora 85 anos, escolhi Relato de um náufrago, narrativa que li recentemente e que conta a história de uma história real publicada em 1955, em forma de reportagem, no El Espectador, periódico de Bogotá, na Colômbia, onde Gabo trabalhava.

Transformado mais tarde em livro, na década de 1970, Relato de um náufrago conta a história do marinheiro Luís Alexandre Velasco, que esteve dez dias à deriva numa balsa, sem água e comida, no mar do Caribe. Ele e mais sete companheiros caíram no mar depois que ondas fortes atingiram o convés do destróier Caldas, da marinha colombiana, que saiu de Mobile, nos Estados Unidos, em direção a Cartagena de las Indias, na Colômbia, repleto de mercadorias contrabandeadas. Velasco foi o único sobrevivente entre os companheiros que caíram ao mar.

O dia era 28 de fevereiro de 1955 e, coincidentemente, comecei a ler o livro poucos dias antes da data, claro 57 anos depois. Curioso também é que a introdução do livro, na qual Marquez relata “A história da história”, foi escrita também no mês de fevereiro, na década de 1970. Nela, o escritor fala da reportagem que fez para o jornal El Espectador e da decisão de escrevê-la em primeira pessoa, ou seja, como se o próprio Velasco a estivesse escrevendo, narrando ele próprio o que lhe acontecera.

Por ser um destróier, um navio de guerra bastante veloz, munido de torpedos, armas antissubmarinas ou mísseis, a embarcação não poderia transportar mercadorias, como geladeiras, fogão, máquinas, caracterizando-se assim em contrabando. O destróier Caldas vinha repleto dessas mercadorias quando, no mar do Caribe, enfrentou ventos fortes e as ondas o fizeram adernar. Foi quando oito marinheiros, entre eles Luís Alexandre Velasco, caíram ao mar, e o navio, por estar bastante pesado não conseguiu retornar para resgatar esses tripulantes.
Algumas balsas foram lançadas no mar e Velasco conseguiu alcançar uma deles, tentando ainda salvar alguns dos companheiros, mas estes acabaram sucumbindo, de forma que apenas ele se viu “seguro”.
No mar, sozinho, Velasco esperou o resgate durante quatro dias, quando viu passar aviões nas proximidades, mas acabou chegando a conclusão de que não viriam mais. Na época, a Colômbia vivia sob a ditadura do regime militar, por isso, para encobrir o fato do destróier estar carregando mercadoria contrabandeada e, assim, justificar o fato de não conseguir resgatá-los, foi veiculado que eles haviam passado por uma forte tempestade.
Foram dez dias enfrentando fome, sede, sol, frio e os perigos do mar, como os tubarões que, pontualmente às cinco da tarde, rondavam a balsa a procura de alimento. Nesses dias até tentou comer uma gaivota pequena, mas a náusea foi maior. Molhou a boca com a água do mar, mastigou uma pequena raiz enroscada na balsa e pequenos cartões de papelão que estavam no bolso da calça. E até conseguiu capturar um peixe, comendo dois bons bocados, mas acabou perdendo-o no mar para os tubarões famintos.

Embora enfrentando todas as dificuldades de um isolamento em pleno mar, sem comida e água, Velasco se mantinha lúcido, forte, esperançoso. Só quando o oitavo, nono e décimo dia se aproximaram é que sentiu um baixa forte, mas ainda assim se admirava em manter-se vivo. Morrer era difícil:
É possível se passar um ano no mar, mas há um dia em que é impossível suportar uma hora mais. No dia anterior tinha pensado que amanheceria em terra firme. Tinham se passado 24h e continuava vendo apenas água e céu. Não esperava mais nada. Era minha nona noite no mar. “Nove noites de morto”, pensei com terror, na certeza de que, a essa hora, minha casa do bairro Olaya, em Bogotá, estava cheia de amigos da família. Era a última noite do meu velório. Amanhã desmontariam o altar e, pouco a pouco, iriam se acostumando a minha morte.

Somente no décimo dia é que ele conseguiu chegar em terra, mesmo assim teve de reunir todas as forças que nem imaginava ainda ter para alançar a margem. Dali para frente sua sorte o levou para casa, para se tornar uma celebridade, um herói. Antes, porém, ficou no hospital, onde o governo tratou de mantê-lo à distância da imprensa para que a verdade não viesse à tona. Apenas os jornalistas da situação puderam entrevistá-lo, e somente um da oposição conseguiu se infiltrar fingindo-se de médico, embora este também não tenha conseguido muita informação.
Depois de um tempo famoso, Velasco, espontaneamente procurou a redação do El Espectador para contar a verdadeira história. Coube a Gabriel García Marquez, então repórter do periódico, ouvi-lo nessa empreitada. O relato converteu-se em uma série publicada em 14 capítulos, causando estardalhaço e transformando-se em denúncia política. O governo revidou e Velasco caiu em desgraça e no esquecimento e Marquez foi para o exílio.

O relato é emocionante e é possível ler de uma tacada só. Nele vemos todo o talento de Gabo como repórter e na narrativa de primeira pessoa. Uma obra que vale a pena ler.
A capacidade literária de Gabriel Garcia Marquez é inquestionável. Responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana,  o escritor recebeu o Nobel de Literatura há 30 anos, em 1982, pelo conjunto de sua obra. Seu aclamado livro Cem Anos de Solidão é considerado um dos melhores livros de literatura latina já escritos. Para mim, um dos melhores que já li.

Cem Anos de Solidão, inclusive, comemora 45 anos da publicação original. E, para marcar a data e também o 85º aniversário de Gabriel Garcia Marquez, a obra está sendo lançada digitalmente. Parabéns em dose dupla ao grande escritor.

3 comentários:

  1. O texto da pós! Muito bom.

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  2. Cem Anos de Solidão também foi um dos melhores livros que li.

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  3. Eu li Cem Anos de Solidão muitos anos atras, e tenho muito vontade de ler de novo. Adorei seu texto, como sempre. Bju

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