terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Retrospectiva Literária 2013


Esta é a terceira vez, consecutiva, que participo da Retrospectiva Literária, promovida pela Angélica Roz, do blog Pensamento Tangencial ( http://pensamentotangencial.blogspot.com  ). A iniciativa trata-se de uma blogagem coletiva que reúne mais de 100 blogs todo o ano.
  
Assim como em 2012, 2013 foi um ano de leituras intensas, encantadoras, inesquecíveis. A média de livros lidos manteve-se, mas em dado momento achei que pudesse ultrapassar, contudo fiquei na mesma marca do ano anterior, só que com uma diferença: acho que li mais livros volumosos neste ano, com destaque para os livros dos dois Clubes de Leitura que frequento – Traçando Livros e Clube do Livro, cujas obras escolhidas trouxeram-me boas e agradáveis surpresas.
 
Bom, vamos aos tópicos da retrospectiva:
 
A aventura que me tirou o fôlego:
  
O Mapa do Tempo, de Félix J. Palma
Misturando romance e aventura na Londres vitoriana, esse livro me fez viajar no tempo (aliás esta é a proposta e o mote da trama) e conviver com personagens como H. G. Wells e sua máquina do tempo; Jack, o estripador; o Homem Elefante, Bram Stoker, Henry James e muito mais. Uma aventura e tanto que empolgou do início ao fim.
 
O terror que me deixou sem dormir (e também o suspense mais eletrizante):
 
O Iluminado, de Stephen King
Eu já tinha assistido ao filme há um bom tempo – e amado. Um dos melhores filmes de terror que já vi, ainda que King não tenha gostado. Mas confesso que ler a história trouxe um fascínio a mais, sobretudo por ressaltar o lado maligno do hotel, onde Jack, sua esposa Wendy, e seu filho “iluminado” Danny vão morar. Terrivelmente assustador.
 
 
O romance que me fez suspirar:
 
Carta a D – História de um Amor, de André Gorz
Apaixonante e triste, esta é a mais bonita história de amor que já li. Escrito para homenagear Dorine, com quem André partilhou a vida por quase 60 anos, o livro fala da história de amor entre os dois, da doença degenerativa que acometeu a mulher e do fim trágico dos dois. Lindo e tocante.
A saga que me conquistou:
 
A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
 
Assim como “O iluminado”, também já conhecia “A Casa dos Espíritos” do cinema em uma ótima adaptação. Mas também ler o livro proporcionou um conhecimento mais amplo da  saga da família Trueba, no Chile, ao longo do século XX. Sem falar no contexto histórico, com o momento revolucionário do Chile e o golpe militar de 1973, que derrubou o presidente Salvador Allende. Destaque para Clara, uma personagem e tanto.
 
O clássico que me marcou:
  
A Peste, de Albert Camus
Infelizmente não li muitos clássicos este ano, mas em 2013 o destaque foi para o livro de Camus, autor francês que se estivesse vivo completaria 100 anos. Admito que não foi uma leitura fácil, mas instigante que, aliás, preciso reler mais pra frente.
 
 
O livro que me fez refletir:
 
O Aleph, de Jorge Luis Borges
Até então não tinha lido nada de Borges e este livro veio para reparar essa falha. Fiquei apaixonada. Confesso que não entendi totalmente as viagens borgianas, mas achei belíssimo e fiquei encantada com sua narrativa que me fez parar para pensar.
 
 
O livro que me fez rir:
  
O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho.
Já conhecia a história pela adaptação ao cinema, mas a leitura foi muito, mas muito mais agradável e surpreendentemente divertida. Romance regionalista, O Coronel e o Lobisomem é uma mescla de realismo fantástico, fábulas e superstições. Uma delícia.
 
O livro que me fez chorar:
  
A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak
A história de Liesel Meminger, que perdeu o irmão pequeno e é deixada pela mãe com um casal que mora em uma cidade pequena da Alemanha nazista. tocou meu coração. Sua sede de saber, do amor e do poder das palavras me encantaram, assim como a beleza da narração, feita no livro pela “Morte”. Além disso, o outro lado da história, ou seja, o nazismo visto pelos alemães, muitos contrários à perseguição aos judeus, revela a outra face da moeda. Triste, mas belo.
 
O livro de fantasia que me encantou:
 
A História sem Fim, de Michael Ende
O reino da Fantasia e a história de Bastian fizeram minha imaginação voar bem alto. Simplesmente encantador. Ah, detalhe: não assisti ao filme, por isso não tenho como comparar, mas pelos comentários, acho que o livro dá de dez a zero.
 
O livro que me decepcionou:
 
Reparação, de Ian McEwan
Não é que eu não tenha gostado da história, mas é que esperava bem mais deste livro. Diferente da opinião de alguns leitores, eu até estava curtindo a primeira parte, mas aí senti uma quebra quando avancei na leitura e, depois, o desfecho me decepcionou. Achei árido demais. E vá entender: assisti ao filme e achei melhor do que o livro.
 
O livro que me surpreendeu:
 

Antes de Nascer o Mundo, de Mia Couto
Não é que eu duvidasse de Mia Couto, ainda mais porque não tinha lido nada dele. Mas o fato é que o livro me pegou desprevenida e eu fiquei encantadoramente chocada com sua narrativa, com sua forma de escrever, com a história de Mwanito, Silvestre Vitalício, Ntunzi, Zacaria Kalash, Tio Aproximado, Marta, Dordalma... e a terra Jesusalém. Lindo demais!
 
 
O livro mais criativo:
  
O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar
Não foi uma leitura fácil, interessante e prazerosa, mas tenho de admitir que o livro é bastante criativo e original pela forma como propõe a leitura. Linear, página a página, ou seguindo a numeração recomendada ao final de cada capítulo, ou seja, pulando a ordem sequencial, sem falar ainda em um capítulo cujas linhas se intercalam, contando duas passagens diferentes. Além da história propriamente dita, traz ainda reflexões, trechos de outras obras, pensamentos e anotações. Um quebra-cabeça e tanto.
 
A frase que não saiu da minha cabeça:
 
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio.” – A flor e a náusea
(Antologia Poética – Carlos Drummond de Andrade).
Drummond me acompanhou por quase quatro meses, sempre lendo um poema desse livro por dia. E a frase final de “A flor e a náusea” provocou uma explosão de emoção, que me marcou o ano todo.
 
O (a) personagem do ano:
 
Vermelhinho Pé de Pilão, o galo de briga que Ponciano, de O Coronel e o Lobisomem ganhou, chamado carinhosamente de “capitãozinho”. Mirradinho a princípio, segundo o coronel, foi alimentado e treinado para se tornar o mais temido e invencível galo de briga da região. Uma graça, cuja empatia com o dono é de enternecer o coração. Amei!
 
 
O casal perfeito:
 
André Gorz e Dorine, de Carta a D – História de um amor. Um casal que chega aos 60 anos de casados e ainda apaixonados, em uma história verdadeira, só pode ser perfeito.
 
 
O (a) autor (a) revelação:
 
Patricia Melo, com o livro Ladrão de Cadáveres.
Não que ela seja uma revelação, mas para mim, que li pela primeira vez, Patrícia surpreendeu com sua escrita precisa e envolvente. Quero ler mais.
 
 
O melhor livro nacional:
 
Infâmia, de Ana Maria Machado
Por meio de duas histórias, em paralelo, a autora questiona como os artifícios e as calúnias escondem a verdade no mundo atual. A responsabilidade da imprensa perante aos fatos, a falta de clareza e de apuração nas redações jornalísticas e as tramoias que encobrem os verdadeiros culpados enquanto inocentes se tornam bodes expiatórios são como um tapa na cara da sociedade. Muito, mas muito bom mesmo. Mereceu os prêmios que ganhou.
 
 
O melhor livro infantil:
 
Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo, de William Joyce
Embora infantil, o livro é para todas as idades, para todos aqueles que amam os livros. É uma história simples, que foi vista primeiramente em uma animação que ganhou o Oscar de melhor curta na categoria e, depois, transformada em livro. Belo e emocionante.
 
 
A melhor HQ:
  
Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons
Já tinha assistido ao filme e, a despeito das críticas dos fãs da HQ, gostei o suficiente para querer ler os quadrinhos. Amei mais ainda. Impactante, envolvente, forte. Sai dessa leitura arrasada, doída, cansada, mas extremamente feliz e certamente com os horizontes ainda mais ampliados. Recomendo!
 
 
O melhor livro que li em 2013:
  
Antes de Nascer o Mundo, de Mia Couto.
Não foi só o livro mais surpreendente, foi o melhor livro que li este ano e um dos melhores que li até hoje. Sinto-me gratificada por essa leitura que mexeu tanto comigo a ponto de sonhar, de trazer lembranças profundas e de me levar a lugares inimagináveis. Só uma palavra para definir: deslumbrante.
 
 
Dos clubes:

Traçando Livros (o melhor) – Antes de Nascer o Mundo, de Mia Couto
 
 
Clube do Livro (o melhor) – O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho
 
 
Li em 2013...
 
54 livros. Igual ao ano passado. Uma boa média, penso eu. Sinto-me satisfeita, embora minha lista seja bem extensa.
 
 
A minha meta literária para 2014 é:
 
É manter esse ritmo. Continuar participando dos dois Clubes de Leitura, eventualmente de algum outro, ler mais clássicos, autores nacionais e HQs. Já está bom demais.
 
 
E para não perder o costume, relaciono abaixo os dez livros que mais gostei em 2013, se bem que este ano foi difícil escolher... Então vamos a eles, sem ordem, apenas a relação:
 
 
Os dez (e aqui incluo todos os gêneros)
 
Antes de Nascer o Mundo, de Mia Couto
O Aleph, de Jorge Luis Borges
O Coronel e o Lobisomem, de José Antonio de Carvalho
O Mapa do Tempo, de Félix J. Palma
A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak
Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago
Infâmia, de Ana Maria Machado
Carta a D – História de um Amor, de André Gorz
Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo, de William Joyce
Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons
 
 
Bônus para:

Eles Eram Muitos Cavalos, de Luiz Ruffato
O Edifício, de Will Eisner

 
E que venham mais leituras em 2014. Feliz Ano Novo a todos!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Frases de livros (2013)

Para não esquecer...
 
“Não esqueça quem você é e de onde é.” – (Persépolis – Marjane Satrapi).
 
“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio.” – A flor e a náusea (Antologia Poética – Carlos Drummond de Andrade).
 
“Ver e não remediar é não ver.” – (Padre Antônio Vieira, o imperador da Língua Portuguesa – Amélia Pinto Pais).
 
“Não enfrentes monstros sob pena de te tornares um deles, e se contemplas o abismo, a ti o abismo também contempla.” (Friedrich Wilheim Nietzsche) citado em Watchmen, de Alan Moore de Dave Gibbons.
 
“É preciso que aprenda um pouco da minha filosofia. Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.” (Orgulho e Preconceito, de Jane Austen).
 
“O que me espera na direção que não escolho?” (Jack Kerouac) citado em O Mapa do Tempo, de Félix J. Palma.
 
“Salvou a vida de um homem usando sua imaginação” – (O Mapa do Tempo, de Félix J. Palma).
 
“Tinha algo de você em tudo o que fazia. A penúria lhe dava asas. A mim, ela me deprimia.” – (Carta a D., de André Gorz).
 
“... quem fomos há de sempre estar contido em quem somos, por mais que mudemos ou aprendamos coisas novas.” – (A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe).
 
“Os seres humanos me assombram.” – (A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak).
 
"... o que resta depois que um prédio é demolido." – (O Edifício, de Will Eisner).
 
"Atento, fui aprendendo que todo relato tem interpretações. Mais de uma. Nenhuma é a única correta. Mas muitas são apenas falsas,mentirosas..." – (Infâmia, de Ana Maria Machado).
 
“Esperas. É isso que a estrada traz. E são as esperas que fazem envelhecer." – (Antes de nascer o mundo, de Mia Couto).
 
“Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar com outros lugares.” – (Antes de nascer o mundo, de Mia Couto).
 
“– Mulheres são como as ilhas: sempre longe, mas ofuscando todo o mar em redor.” – (Antes de nascer o mundo, de Mia Couto).
 
"Andávamos por Paris sem nos procurarmos, mas sabendo sempre que andávamos para nos encontrar." -  (O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar).

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feliz Natal, amigos!

 
Natal

(Fernando Pessoa)

 
O sino da minha aldeia,
 Dolente na tarde calma,
 Cada tua badalada
 Soa dentro de minha alma.
 
 E é tão lento o teu soar,
 Tão como triste da vida,
 Que já a primeira pancada
 Tem o som de repetida.
 
 Por mais que me tanjas perto
 Quando passo, sempre errante,
 És para mim como um sonho.
 Soas-me na alma distante.
 
 A cada pancada tua,
 Vibrante no céu aberto,
 Sinto mais longe o passado,
 Sinto a saudade mais perto.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Minhas confissões literárias

Inspirada em uma postagem do Grupo de Leitura – O Vendedor de Livros no Facebook - aqui, resolvi fazer este post com minhas confissões literárias. Ou seja, aqueles “pecados literários” que por vezes escondemos para não ficar com vergonha diante de outros leitores.
 
Assim, aproveitando ainda o clima de final de ano, em que a gente se passa a limpo, entro no confessionário e revelo 25 fatos que considero pecadinhos literários, esperando assim libertar minhas culpas, aceitar as penitências e conseguir absolvição. Quem sabe...
 
1. Não gosto de Jane Austen – em um post recente - aqui -  tentei dosar a pílula, mas preciso admitir pra mim mesma que, embora insista em dizer que não desisti, os romances que li da autora não me entusiasmaram – pelo menos até agora.
 
2. Não cheiro livros. É sou defensora ferrenha dos livros físicos, com os quais mantenho uma interação muito próxima, mas não tenho o costume de cheirá-los e não sinto vontade de fazê-lo.
 
3. Não gosto de sebos. Pelo menos aqueles mal organizados, repletos de livros espalhados por todos os cantos, que a gente nem sabe por onde começar a olhar.

4. Dobro o canto superior da página de livro. Sim, na falta de marcadores, não me furto de fazer isso para lembrar a página do trecho que me chamou a atenção.

5. Compro livros, mas leio os da biblioteca. Não sei se isso é mania, mas o fato é que adoro frequentar bibliotecas e sempre saio com um livrinho delas para ler. Os de casa,”tadinhos”, vão ficando pra depois. Mas estou tentando reverter a situação.

6. Já li Paulo Coelho. Foram dois livros: O alquimista, que na época gostei muito, e As valquírias, que detestei. Nunca mais quis saber dele. E depois que ele falou mal de James Joyce, minha birra por ele aumentou.

7. Não gosto de livros de autoajuda e chick lit, mas já li.

8. Que na adolescência fui leitora de fotonovelas e, inspirada nelas, comecei a escrever histórias no estilo novelas mexicanas.

9. Já deixei de trabalhar para ler. E amais descarada dessas ocasiões foi quando estava lendo Harry Potter e o enigma do príncipe. Como estava sozinha na sala onde trabalhava, fiquei a maior parte do expediente mergulhada no livro.

10. Que faltei dois dias no trabalho para ir à Flip – Festa Literária Internacional de Paraty - em 2012.

11. Que têm autores que gosto demais, como pessoas e como escritores, mas não consigo ler e entender seus livros. Exemplo: Antonio Lobo Antunes.

12. Que já abandonei leituras. Não foram muitas, mas fiz isto. E, pasmem, uma delas foi O nome da rosa, de Umberto Eco. Acho que não era o momento.
 
13. Que o livro Reparação, de Ian McEwan me decepcionou, mas gostei da adaptação para o cinema.

14. Que não consigo ler dois livros ao mesmo tempo, porque misturo as histórias, a menos que um seja de poesia ou de quadrinhos.

15. Que faz dois anos que meus livros estão empilhados em uma grande caixa de papelão, no canto do meu quarto, porque ainda não comprei uma estante para acomodá-los.

16. Que a saga Harry Potter foi um divisor de águas na minha vida de leitora. Não que eu não gostasse de ler, mas depois do bruxinho passei a ser uma leitora mais assídua, mais constante, mais apaixonada.

17. Que quase não terminei de ler Marley e Eu porque chorava desesperadamente.

18. Que quando era mais nova, li e reli Coração de Vidro, de José Mauro de Vasconcelos, chorando todas as vezes, mas que hoje não conseguiria mais ler, porque temo desabar de vez.

19. Que tenho e compro mais livros do que consigo ler.

20. Que já passei meses sem ler.

21. Que já peguei livro emprestado e não devolvi. Mas os donos também nem fizeram questão.

22. Que quando criança queria ser escritora de ficção, depois me tornei jornalista, só escrevendo sobre a vida real. E que agora sonho em ser só leitora, de ficção e da vida real.

23. Que a minha lista de livros a ler só cresce e que alguns títulos estão lá há anos.

24. Que já me desfiz de alguns livros da infância e adolescência e me arrependi amargamente depois.

25. Que me obrigo a ter vida social, porque se dependesse da minha vontade, só ficaria lendo.
 
Tô perdoada?

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Tia Júlia e o Escrevinhador

Há quem diga que Tia Júlia e o Escrevinhador não está entre os melhores romances de Mario Vargas Llosa, ou mesmo dos escritores de língua latino-americana. Pode até ser verdade, mas é, com certeza, um dos mais divertidos e deliciosos de se ler. Pelo menos foi isso o que senti quando li: diversão pura, além da curiosidade e da identificação com um dos personagens principais – Pedro Camacho.
 
O personagem trata-se de um escritor de radionovelas boliviano, que vai para o Peru trabalhar na Rádio Central, emissora onde Varguitas (Vargas Llosa) trabalha. Autor dedicado e de mão cheia, logo cai nas graças dos ouvintes, mas no decorrer da trama, com tantas histórias e personagens de novelas criados, ele começa a confundir as tramas.
 
E é exatamente aí que faço um paralelo, porque vez por outra, depois de tantos livros lidos, trechos das histórias e alguns personagens me vem à mente, assim sem mais nem menos, obrigando-me a puxar pela memória para saber de qual obra pertencem. Porém, nada que uma boa circunspecção não consiga desvendar.
 
Similaridades à parte, o romance, embora ficcional, traz muitos dos fatos reais da vida de Mario Vargas Llosa, que na mocidade sonhava em ser escritor, trabalhou em uma rádio e aos 18 anos se apaixonou pela Tia Júlia, a irmã da mulher do seu tio, que tinha 32 anos, um escândalo na época. Dessa forma, vemos Varguitas ensaiar os primeiros passos na escrita, cujos rascunhos quase sempre vão parar na lata do lixo, e o desenrolar do romance com Tia Júlia.
 
É quando ele conhece Pedro Camacho, um autor que cria tramas mirabolantes, mas que encantam os radiouvintes. Excêntrico, workaholic e autossuficiente, Camacho fascina Mario, com quem trava uma amizade inusitada. Com o sucesso alcançado, o escritor chega a escrever dez novelas e, em dado momento, sobrecarregado de trabalho, começa a misturar os enredos e os personagens. Nesse meio tempo, o romance de Varguitas e Tia Júlia é descoberto pela família.
 
Dessa forma correm duas histórias paralelas, a do protagonista Mario e a de Pedro Camacho, cujos capítulos ainda são entremeados pelas histórias do escritor boliviano, de forma que ficamos conhecendo o enredo e os personagens de algumas novelas. Nestas, percebemos os desvarios da mente de Pedro Camacho, com a confusão das tramas e dos personagens, até a última em que o próprio leitor já nem mais sabe quem é quem.
 
Essa forma de escrever, os romances dentro do romance principal, lembrou-me Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino, cuja trama começa com o Leitor, personagem principal, comprando um livro e começando a ler Se um Viajante numa Noite de Inverno, romance que se inicia numa estação ferroviária enfumaçada, mas à medida que o Leitor avança na leitura, ele percebe que, por um erro de encadernação, a história repete até o fim as páginas iniciais. O Leitor volta então à livraria, adquire um novo exemplar, mas este narra outra história, apresentando também problemas de encadernação. E isso vai se repetir até o final do livro, de forma que há a história principal do Leitor, que até conhece uma Leitora também em busca do mesmo livro, e várias histórias dos romances que eles vão adquirindo no decorrer da trama.
Em Tia Júlia e o Escrevinhador, porém, o que dá charme é saber que a história faz parte da própria história de Vargas Llosa, e dos seus primeiros passos para se tornar um grande escritor, cujo alcance extrapolou os limites do Peru e da América Latina, até a conquista do Prêmio Nobel de Literatura, em 2010. Com certeza, a epígrafe que ele escolheu para iniciar Tia Júlia tem muito a ver com sua obstinação pelo exercício da escrita:
 
Escrevo. Escrevo que escrevo. Mentalmente me vejo escrever que escrevo e também posso me ver a me ver escrevendo. Lembro de mim já escrevendo e também me vendo escrever. E me vejo lembrando que me vejo escrever e me lembrando que me vejo lembrando que escrevia e escrevo me vendo escrever que me lembro de ter me visto escrever que me via escrevendo que lembrava de ter me visto escrever que escrevia e que escrevia que escrevo que escrevia. Também posso me imaginar escrevendo que já havia escrito que me imaginaria escrevendo que havia escrito que imaginava a mim escrevendo que me vejo escrever que escrevo.
Salvador Elizondo, o grafógrafo.
 
Mario Vargas Llosa sempre me encanta com suas histórias.

 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O enigma Jane Austen

Nos 238 anos do nascimento de Jane Austen confesso que a escritora e sua obra são mistérios para mim. E, admito, também, que talvez este seja o mais difícil e polêmico post que já escrevi no blog.
 
Aclamada, reverenciada e adorada por milhares de leitores, Jane Austen ainda não fez minha cabeça. Digo ainda porque não desisti dela, mesmo depois de três romances lidos e pouco entusiasmo com sua escrita. Que os fãs da escritora inglesa me perdoem, mas preciso expurgar essa minha impressão, quem sabe assim não consigo compreender sua obra.
Fui apresentada à escritora tardiamente e por uma adaptação cinematográfica: Razão e sensibilidade, filme de 1995, dirigido por Ang Lee, com Emma Thompson, Kate Winslet, Hugh Grant. Confesso que gostei muito do filme e, por isso, me animei ler o livro. Encontrei-o com o título de Razão e sentimento, mas a leitura não fluiu tão bem e não me entusiasmei pelo livro tanto quanto pelo filme.
A segunda investida foi Emma, e aqui não me recordo se li o livro primeiro ou se assisti à adaptação cinematográfica. Seja como for, ambos, livro e filme foram “bacaninhas”, mas nada promissores. Aliás, achei o enredo semelhante à Razão e sentimento, ou seja, mulheres em busca de um casamento e, se for promissor, melhor ainda (desculpe a generalização, mas é isso que senti, e isso me incomodou um pouco).
Recentemente, por ocasião dos 200 anos da publicação de Orgulho e preconceito, uma de suas obras mais lembradas, resolvi que era a vez de ler esse livro e acabar de vez com essa “birra” com a escritora. Sabendo disso, uma amiga deu-me o livro no meu aniversário e, tão logo pude, aventurei-me por suas páginas.
Confesso que foi agradável ler, a leitura fluiu maravilhosamente e voltava com vontade para o livro, mas... a impressão de mal-estar com a semelhança da trama com os outros livros que li voltou a me incomodar. Não era possível que a história tivesse o mesmo tom dos outros romances, girando sempre em torno da questão do casamento. Até Mr. Darcy, que muitas amigas me falavam, suspirando e sonhando, eu não gostei. Achei-o insuportável no início e, se seu modo de ser mudou no decorrer da trama, minha disposição para com ele não arrefeceu. Pra ser sincera gostei mais de Elisabeth, que me pareceu uma moça mais disposta a mudar a condição feminina.
Logo depois assisti ao filme para, quem sabe assim, ter uma opinião diferente. Ledo engano, pois a sensação não mudou, aliás, achei-o parecido com o livro, nem melhor, nem pior. E admito até ter sentido certa impaciência para que o fim chegasse.
O fato é que, apesar dessas experiências, como disse, não desisti de Jane Austen, ainda quero ler pelo menos mais dois de seus livros: Persuasão e Mansfield Park. Pode ser que a má impressão passe ou então entregue os pontos de vez e admita que a ironia da escritora em descrever seus personagens e a condição da mulher na época retratadas em seus livros estão além da minha compreensão.
E mais uma vez peço desculpas aos admiradores de Jane Austen.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Antes de nascer... (e depois de Mia Couto)

Com tantos e tão bons livros ao redor é natural que o leitor (e aqui me incluo) tenha dificuldade em escolher esta ou aquela leitura para fazer. Precisamos ser seletivos, optar por uma e deixar outra mais para frente, em uma escolha que nem sempre é justa e acertada.
 
 
Seja como for há tempos tinha Mia Couto em minha lista, esperando sua vez chegar, talvez começando por Terra Sonâmbula, um de seus mais aclamados romances. Mas, se não fosse pelo Clube de Leitura Traçando Livros, talvez Mia ficasse ainda mais um tempo hibernando e, certamente, perderia a chance de ler – e viajar por - um dos mais fascinantes livros que passaram pelas minhas mãos: Antes de nascer o mundo (na publicação brasileira da Companhia das Letras – o original tem o título de Jesusalém).
 
Publicado no Brasil em 2009, o romance é uma mescla de poesia e prosa, em que o sonho e a realidade se confundem, de tal forma que na leitura que fiz, essa dualidade esteve presente na minha rotina, no meu dia a dia. Foi tanta empatia que senti com a escrita de Mia Couto que a leitura foi lenta – mas contínua e intensa – de maneira a saborear palavra por palavra, frase a frase, para que nada se perdesse. Foram inúmeras as marcações de trechos preferidos, que quase assinalei o livro inteiro.
 
Já no início o autor nos prende a atenção – e nos torna seus cúmplices e seguidores – com um belíssimo começo:
 
A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos e me surpreendi tão desarmado que desabei em lágrimas. Eu vivia num ermo habitado apenas por cinco homens. Meu pai dera um nome ao lugarejo. Simplesmente chamado assim: “Jesusalém”. Aquela era a terra onde Jesus haveria de se descrucificar. E pronto, final.
 
A história é narrada por Mwanito, filho mais novo de Silvestre Vitalício, homem profundamente marcado pela morte da mulher Dordalma e que se refugia, junto com o menino, mais o outro filho (Ntunzi), o empregado Zacaria Kalash e o Tio Aproximado em uma terra distante e isolada para esquecer o passado (até seus nomes são trocados). Ali, Silvestre insiste que o mundo acabou e que só eles sobreviveram, construindo assim uma nova realidade em que não existe passado, nem futuro:              
   
– Mas, pai, nos conte. Como faleceu o mundo?
– Na verdade, já não me lembro.
– Mas o Tio Aproximado.
– O Tio conta muita história...
– Então, pai, nos conte o senhor.
– O caso foi o seguinte: o mundo acabou mesmo antes do fim do mundo.
Terminara o universo sem espetáculo, sem rasgão nem clarão. Por definhamento, exaurido em desespero. E assim, vagamente, meu pai derivava sobre a extinção do cosmos. Primeiro, começaram a morrer os lugares-fêmeas: as nascentes, as praias, as lagoas. Depois, morreram os lugares-machos: os povoados, os caminhos, os portos.
– Sobreviveu apenas este lugar. É aqui que vivemos de vez.
Viver? Ora, viver é cumprir sonhos, esperar notícias. Silvestre não sonhava, nem aguardava notícias. No princípio, ele queria um lugar onde ninguém se lembrasse do seu nome. Agora, ele próprio já não se lembrava quem era.
 
Na história, Mwanito tinha três anos quando essa mudança aconteceu, portanto, sem lembranças vívidas do que ficou; Ntunzi, já tinha 11 anos, sendo assim, carrega conhecimentos e imagens na memória, que se tornam fundamentais para o irmão mais novo. Nesse novo mundo, povoado por homens, a lembrança da mãe vai acompanhar a vida dos meninos, bem como de todos os habitantes, de forma que, embora morta, Dordalma se constitui no principal elo de ligação entre os personagens. E me arriscaria a dizer até dos leitores, pois sua influência também chegou até mim.
 
Em uma das passagens do livro, Mwanito fala de um sonho que teve com a mãe, em que a vê e a abraça, numa ternura intensa e sem fim. Minha mãe já morreu, mas não pensei nela quando li essa passagem, só que acabei dormindo e sonhei com ela, dessa mesma forma: eu chegava em casa, quando a via na sala, me aproximava com emoção e a abraçava chorando muito, de saudade. Quase nunca lembro dos sonhos que tenho, só que na manhã seguinte acordei com as imagens nítidas na minha mente, mas só fiz a associação quando retomei a leitura e percebi o que tinha acontecido. Fiquei ainda mais encantada.
 
No livro, Silvestre Vitalício impõe sua vontade e manias e age como um ditador. Mwanito é a pureza e chamado pelo pai como “afinador de silêncios”, pois tinha a capacidade de ficar tão calado que chegava a espalhar essa quietude – e por consequência – a paz aos que estavam ao seu redor, como descrito na passagem:
 
... Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
 
Ntunzi, por sua vez, é contestador, tenta se preservar da alienação imposta pelo pai; já Tio Aproximado serve de ponte entre o novo mundo e o que ficou para trás, encarregado de trazer os mantimentos necessários à sobrevivência do grupo; e Zacaria Kalash, um ex-militar, serve a Silvestre com um fidelidade incrível, mas no decorrer da trama sua história e identidade ao serem reveladas acabam por justificar essa servidão. Entre eles há ainda uma jumenta, Jezibela, com a qual Silvestre se serve para aliviar suas mágoas e desejos.
 
A dinâmica do grupo, contudo, é quebrada com o surgimento de uma mulher na trama: Marta, uma portuguesa que chega ao lugarejo à procura de seu marido fotógrafo, que ela acredita estar perdido no local. Parte do romance, portanto, é narrado por essa personagem, por meio de suas cartas, lidas em segredo por Mwanito. É, portanto, esta mulher que ele se refere na citação no início da história e que vai provocar sentimentos diversos nos homens de Jesusalém:
 
Foi então que sucedeu a aparição: surgida do nada, emergiu uma mulher. Uma fenda se abriu a meus pés e um rio de fumo me neblinou. A visão da criatura fez com que, de repente, o mundo transbordasse das fronteiras que eu tão bem conhecia.
 
A partir daí a estrutura dos personagens e do local começa a ruir, levando a um desencadeamento no qual Mia Couto faz uso da mítica, confundindo a realidade com a fantasia, até o final poético. Vale ressaltar que na história, questões raciais, críticas sociais e políticas e a condição da mulher são temas debatidos, sobretudo este último, como na passagem em que Noci questiona Marta:
 
– Nós, mulheres. Por que aceitamos tanto, tudo?
– Porque temos medo.
O nosso medo maior é o da solidão. Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte, para tranquilidade de todos, numa outra coisa: numa louca, numa velha, numa feiticeira. Ou, como diria Silvestre numa puta. Tudo menos mulher. Foi isto que eu disse a Noci, neste mundo só somos alguém se formos esposa. É o que agora sou, mesmo sendo viúva. Sou a esposa de um morto.
 
Mia Couto é pseudônimo de Antonio Emílio Leite Couto. Nasceu em Moçambique e estudou medicina antes de se formar em biologia. Possui obra literária extensa e diversificada, incluindo poesia, contos, romance e crônica, e atualmente dedica-se a estudos de impacto ambiental. Em 1999, recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto da obra; em 2007, o prêmio União Latina de Literatura Românicas.
 
Existem livros dos quais gostamos muito, tornando-se nossos preferidos; existem aqueles que lemos e relemos sempre e ainda os que lembramos em todos as ocasiões. Alguns, porém, não recomendaríamos ou indicaríamos a determinadas pessoas, por uma ou outra razão, afinal, o que marcou para mim pode não significar nada para outro. Sempre pensei nisso e, até hoje, embora tenha livros dos quais sempre falo, não conseguia pensar em um que indicaria sem precedentes. Pois é, até hoje, porque Antes de nascer o mundo pode até não ser o livro da minha vida, mas é, com certeza, o meu livro-coringa, ou seja, aquele que eu indicaria a quem quer que me peça uma sugestão de leitura, sem medo de errar. E olha que isso não é pouca coisa não, é uma grande distinção.