Ao devolver um livro na biblioteca, uma conversa inesperada com a
bibliotecária cutucou minha memória, reacendeu lembranças e aguçou ainda mais minha
curiosidade a cerca do poeta espanhol Federico García Lorca.
O livro a ser devolvido era Tia Júlia e o Escrevinhador, de Mario Vargas Llosa, que eu havia lido há pouco e agora tinha restituir à biblioteca. Ao entregá-lo, a bibliotecária indagou:
– Você gostou do livro?
– Sim – respondi. É muito divertido.
– Ah, o que me lembro de
Vargas Llosa é um filme que assisti dele...
– Baseado em um romance
que ele escreveu?
– Não. Era um filme em
que ele aparecia como homossexual...
(Estranhei, mas deixei que ela continuasse).
– ... e teve um caso com Salvador Dalí,
que no filme era interpretado por aquele jovem ator que fez a série “Crepúsculo”.
Llosa depois foi fuzilado...
(Tive de intervir).
– Vargas Llosa não morreu, talvez
você tenha confundido. Não será García Lorca? (minha memória fez um
clique). A sonoridade do nome é a mesma.
Ela pareceu confusa:
– Garcia Lorca? Poeta
espanhol... acho que sim.
E ainda lembrou-se de que a história se passava na época da ditadura
espanhola.
– Como é mesmo o nome
daquele ditador da Espanha?
– Hummm, Franco? – respondi.
– Sim, esse mesmo. O
filme mostra a relação de Lorca com Dali e traz uma das cenas mais bonitas de
amor entre dois homens que vi. Com poesia... com um homem e uma mulher não
seria tão belo assim.
(Apenas um parênteses)
Essa conversa me fez lembrar de um filme que assisti em que cenas de
homossexualismo também foram feitas com delicadeza: O expresso da meia noite, filme da década de 1970, realizado por
Alan Parker, em que um estudante norte-americano é preso no aeroporto da
Turquia por porte de drogas. Ele é espancado e vai para a prisão, onde conhece
um rapaz com o qual se relaciona. A cena dos dois juntos chocou o público na época,
mas ao mesmo tempo encantou pela suavidade e sugestão do ato.
(De volta a Lorca...)
Eu estava na hora do meu almoço e, portanto, não podia demorar muito. Mas
toda a vez que pensava em ir embora a bibliotecária retomava o assunto,
buscando agora auxílio nos sites de busca para me mostrar o filme citado.
Trata-se de Poucas cinzas, dirigido
por Paul Morrison, com Javier Beltrán (Lorca) e Robert Pattinson (Dalí) no
elenco. Rodado na Espanha em 2008, o filme gira em torno da relação entre García
Lorca e Salvador Dalí, tendo como pano de fundo as agitações da Madrid da
década de 1920 até a explosão da Guerra Civil Espanhola na década de 1930.
A bibliotecária até ficou interessada nesse filme e perguntou se eu gostava
também de cinema. Respondi que sim ficamos falando mais um pouco dos dois
filmes, e de um outro, com Andy García, que interpretou Lorca no cinema: O desaparecimento de García Lorca,
baseado no livro de Ian Gibson, estudioso da vida do poeta.
O fato é que o tempo passou e eu já estava mais do que atrasada, portanto
não tive outro remédio se não interromper a conversar e voltar correndo para o
trabalho (ainda bem que é perto). Mas não sem pensar em Lorca, na sua trágica trajetória,
na sua importância literária e nos seus escritos que ainda não li. Uma falha
que preciso reparar, como tantas... pena que a vida seja curta para lermos
todos os livros e autores que desejamos.
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