quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Tempo para Proust

Alegam os poetas que, ao adentrar alguma casa ou algum jardim onde moramos quando jovens, reencontramos por um instante aquilo que já fomos. São peregrinações muito arriscadas, que produzem em igual medida sucessos e desilusões. Esses lugares fixos, contemporâneos de outros anos, é dentro de nós mesmos que mais convém encontrá-los. – Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.
 
Quando me deparei com a citação acima, no início de A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan, quase enlouqueci. Minha vontade era deixar o livro da escritora norte-americana de lado e mergulhar nos sete tomos da obra do escritor francês. Não fiz isso, mas por um bom tempo o desejo ficou me atordoando até que ele se aquietou, na esperança de que, num futuro próximo, fosse plenamente saciado.
 
É, esse tempo ainda não chegou, mas agora, quando se comemoram os 100 anos da publicação do primeiro volume da obra – No caminho de Swann – aquele sentimento voltou a fazer cócegas. Afinal, este é um dos mais importantes trabalhos literários do mundo, mas, ironicamente, o menos lido. Acredito, totalmente compreensível, já que os sete volumes, juntos, correspondem a cerca de quatro mil páginas na edição da Globo Livros.
 
Isso me faz lembrar de um trecho de Bonsai, livro do escritor chileno Alejandro Zambra, que segue abaixo:
 
A primeira mentira que Julio contou a Emilia foi que tinha lido Marcel Proust. Não costumava mentir sobre suas leituras, mas naquela segunda noite, quando os dois sabiam que alguma coisa estava começando entre eles, e que essa coisa, durasse o quanto durasse, ia ser importante, naquela noite Julio impostou a voz e fingiu intimidade e disse que sim, que tinha lido Proust aos dezessete anos, num verão, em Quintero. Na época ninguém mais passava o verão em Quintero, nem mesmo os pais de Julio, que tinham se conhecido na praia de El Durazno, iam a Quintero, um balneário bonito mas agora invadido pelo proletariado, onde Julio, aos dezessete anos, conseguiu a casa de seus avós para se trancar e ler Em Busca do Tempo Perdido. Era mentira, claro: ele tinha ido a Quintero naquele verão, e ele tinha lido muito, mas Jack Kerouac, Heinrich Böll, Vladimir Nabokov, Truman Capote e Enrique Lihn, não Marcel Proust.
...
Naquela mesma noite, Emília mentiu pela primeira vez para Julio, e a mentira foi a mesma, que tinha lido Marcel Proust. No começo, ela se limitou a concordar: Eu também li Proust. Mas logo houve um grande silêncio, que não era um silêncio incômodo, mas expectativa, de maneira que Emília precisou completar a história. Foi no ano passado, não faz muito tempo, levei uns cinco meses, andava atarefada, você sabe, com os trabalhos da faculdade. Mas me propus a ler os sete tomos e a verdade é que esses foram os meses mais importantes da minha vida de leitora.
 
Mentir sobre leituras é bastante comum para impressionar, ainda mais em se tratando de clássicos como esse, que precisam de fôlego. A temática da obra, no entanto, é fascinante: Em busca do tempo perdido fala sobre memória. Ao perder a avó, o narrador vê suas lembranças ir sumindo lentamente até nada restar. Outros assuntos abordados são a natureza da arte, a música, a homossexualidade, a doença física e a crueldade.
 
Mesmo sem alardes e comemorações para os cem anos do lançamento do primeiro volume, a Globo Livros há pouco tempo reeditou a obra, que tem traduções de Mario Quintana, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Na corrida, a Companhia das Letras tem planos de lançar os livros no ano que vem. Sem dúvida, estímulos a mais para começar a ler Proust. Quem sabe...

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