segunda-feira, 31 de maio de 2010

Era uma vez...


Contar histórias é uma arte antiga, que existe desde os primórdios da humanidade, como forma de transmitir, de geração em geração, a cultura, os conhecimentos e os valores de uma comunidade, seja por meio de relatos míticos ou de contos ou ainda de lendas. Apesar do lastro antigo, essa arte nunca esteve tão atual, resistindo à modernidade e aos avanços tecnológicos, conquistando cada vez mais adeptos, entre crianças e adultos.

Ouvir histórias contadas proporciona reflexão e encantamento, além da possibilidade de criar laços, aflorar afetos, compartilhar experiências e emoções. Foi o que senti sábado passado, no Sesc Santana, onde o cordelista, repentista e educador, Cesar Obeid, dividindo o palco com a ilustradora de livros infantis – e minha amiga – Simone Mathias, contou histórias de seus dois livros - O Valente Domador, que fala sobre um domador de circo que não pode mais usar o seu chicote em feras selvagens, e O Cachorro do Menino, que narra a relação de um garoto e seu cão deficiente, além de outras narrativas infantis.

O cenário era perfeito para ouvir uma boa história ser contada: o belo e aconchegante deck do jardim da unidade. Ali, em meio ao verde e ao silêncio do local, Cesar utilizou-se da literatura de cordel, um tipo de poesia popular em que a história é contada por meio de versos de forma cadenciada e melodiosa, acompanhada de viola ou de cordas para formar figuras. Ele fez graça, interagiu com as crianças e adultos e divertiu a todos com suas historinhas rimadas voltadas à plateia.

Em uma dessas rimas, ele até fez uma dirigida a mim, a Michele e a Gil, duas amigas que estavam comigo na apresentação, fazendo referência a nossa profissão de jornalista – no caso eu e Michele – e o ofício de escritor(a) – para a Gil, que escreve contos.

Enquanto Cesar desfiava todo o seu repertório, Simone fazia ilustrações de animais e de personagens das histórias, mostrando seu traço alegre e colorido com giz de cera, canetinhas e lápis. Ao final, ao som da viola e das rimas de Cesar, ela desenhou animais solicitados pelas crianças. Estas, com muita imaginação, pediram escorpião, ornitorrinco, louva-a-deus, fazendo Simone se desdobrar e improvisar, com muita competência por sinal (apenas um parênteses: as crianças de hoje surpreendem mesmo, se fosse na minha infância, cachorros, gatos e coelhos seriam os animais solicitados).

Ao voltar para casa, ainda podia sentir em meus ouvidos a voz ritmada de Cesar e vislumbrar na minha mente as encantadoras ilustrações de Simone, que davam vida às histórias narradas. Contação também é uma forma de leitura; uma forma intensa e compartilhada. Naquele dia, não precisei ler mais nada.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Bloqueios

Depois de terminar o TCC da pós-graduação, sinto que minhas técnicas redacionais e meu processo criativo foram exauridos até a exaustão (apesar da redundância, o uso do pleonasmo aqui é proposital para intensificar a ideia de "esgotamento"). Afinal, de que outra forma eu poderia explicar o meu afastamento do blog e minhas constantes dificuldades em colocar no papel – no caso na tela – as palavras presas em minha mente?

Mas isso não chega a me preocupar, pelo menos por enquanto. Acredito que esse seja um bloqueio normal de toda pessoa que se aventure pela arte da escrita. Vez por outra somos acometidos desses vazios letárgicos, é algo natural, só passível de preocupação quando se estende por muito tempo.

A propósito disso, me vem à lembrança a história do escritor e jornalista americano Joseph Mitchell, que em 1942 publicou nas páginas da revista The New Yorker o perfil de Joe Ferdinand Gould, um literato maltrapilho que vivia perambulando pelo Greenwich Village, o bairro boêmio de Nova York, e dizia escrever o livro A História Oral do nosso Tempo.

Quando Gould morreu, em 1957, Mitchell escreveu um novo perfil, que preenchia as lacunas existentes no anterior, revelando ainda um grande segredo do literato maltrapilho. Os dois perfis foram compilados no livro-reportagem O Segredo de Joe Gould, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

Mitchell era um dos repórteres mais talentosos da The New Yorker, a revista que reuniu nomes do jornalismo literário como Truman Capote, John Hersey e Lilian Ross, entre outros. Na revista, Mitchell tinha liberdade para escrever o que quisesse, no tempo que precisasse; gostava, sobretudo, de retratar pessoas anônimas e abordar assuntos triviais, aliando técnicas de ficção com histórias reais.

Mas o fato é que, depois de ter feito a reportagem com – e sobre – Joe Gould, o jornalista não conseguiu publicar mais nada. Ele continuou trabalhando na redação da The New Yorker, onde ia diariamente, sentava-se à sua mesa, se postava diante da máquina de escrever, ensaiava alguns textos, fazia seu horário, ficava em silêncio e recebia seu salário. Mas, até o final da sua vida, Mitchell não concluiu nenhum texto para publicação. Dizem que ele tivera uma crise de bloqueio, causada por tornar público o segredo de Joe Gould. Ou será que esta grande obra o consumiu de tal forma que ele não se sentiu capaz de escrever mais nada? O mistério foi com ele.

Longe de querer me comparar, seria inútil, mas felizmente não é este meu caso. A apatia pela escrita é só uma reclusão passageira, da qual aos poucos já estou me libertando. Apesar disso, a minha atividade literária não para. As leituras prosseguem e a cada dia chega ao meu conhecimento novos horizontes, novos livros, novas leituras. A minha lista continua a crescer, me deixando atordoada e aflita, mas sigo lendo, cada vez mais, frenetica e apaixonadamente, sem parar.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Doe palavras

Faladas ou escritas, as palavras têm muita força. Mas enquanto as proferidas podem ser modificadas e perdidas com o passar do tempo, aquelas registradas têm um poder a mais, são facilmente resgatadas em toda sua integridade e proporcionam alívio e conforto, não só para quem lê, mas também para quem escreve. A questão aqui é fazer bom uso delas, porque as palavras tanto podem construir quanto destruir; alegrar como entristecer; incentivar ou ferir; consolar ou irritar. Por isso, se podemos utilizá-las de forma positiva por que faríamos de modo contrário?

Assim, vale destacar a iniciativa do Instituto Mário Penna, de Belo Horizonte, que com sensibilidade e muita criatividade lançou um projeto prá lá de bacana e louvável. Com uma casa de apoio e dois hospitais – Luxemburgo e Mário Penna –, todos na capital mineira e que dão assistência a pacientes com câncer, a instituição concebeu o Doe Palavras, um projeto que consiste no poder transformadar da palavra para dar alívio, força e esperança aos pacientes.

Ele funciona de uma forma bem simples e qualquer pessoa pode participar. É só acessar o site http://www.doepalavras.com.br/ e escrever uma mensagem ou então enviá-la pelo seu twitter acrescentando a hashtag #doepalavras. A mensagem será exibida em TVs dentro do hospital Mário Penna, em locais onde os pacientes mais precisam de força, como a sala de quimioterapia.

Essas mensagens também serão veiculadas no site e, posteriormente, farão parte de um livro que será doado a diversos hospitais.

Então, o que você está esperando? Doe suas palavras. Eu também vou doar as minhas.
Vai fazer bem ao paciente, vai fazer bem a gente.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Templo das palavras

Para uma jornalista, profissional que tem a linguagem como seu principal instrumento de trabalho, a constatação pode soar como uma brincadeira, mas não é. O fato é que, grande ou pequeno, completo ou reduzido, não tenho um dicionário da língua portuguesa, na versão impressa, em casa.

Bom, aqui cabe um pequeno parênteses, porque muitos podem perguntar “para quê, em tempos de internet, vou querer um dicionário impresso?”
E eu respondo: “Sinceramente, não sei. Mas como é algo que há muito tempo venho querendo, não me importa a existência – e as facilidades – das versões on-line, quero uma impressa também”.
O preço pode até ser um pouco salgado, ainda assim não me canso de sonhar com um Aurélio ou um Houaiss, daquele completo, para consultar e admirar. Afinal, como amante dos livros e desejosa de montar uma biblioteca com os livros da minha preferência, não poderia me furtar de ter um “senhor dicionário” repousando solene em uma das prateleiras da minha futura estante.

Apesar desse sonho antigo, fico até com a consciência tranquila por não ter adquirido um exemplar antes. É que com as recentes mudanças na ortografia, o dicionário ficaria defasado e eu teria de comprar uma nova edição. Já pensou no prejuízo? Agora, com essas alterações já oficializadas e sacramentadas, sinto-me mais à vontade para procurar um dicionário entre as variedades existentes. O problema é encaixá-lo na minha lista de aquisições literárias a concretizar.

Prioridades à parte, essa lembrança veio à tona por estarmos comemorando hoje o centenário do nascimento de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que além de se dedicar à lexicografia – técnica de elaboração de dicionários – foi poeta, contista, tradutor, cronista e revisor.

Nascido em Alagoas, Aurélio é considerado um dos maiores estudiosos da língua portuguesa. Seu dicionário foi publicado pela primeira vez em 1975, tornando-se referência para estudantes, professores, pesquisadores, enfim, todos aqueles que desejam conhecer melhor o vocabulário português.

A obra de Aurélio não se restringe apenas aos dicionários – se bem que isso já bastava para deixar seu nome na história literária brasileira –, ela abrange também contos, ensaios, antologias, como aO chapéu de meu pai, Linguagem e estilo de Eça de Queirós, Roteiro literário do Brasil e de Portugal e Enriqueça seu vocabulário, entre outros.

As comemorações do centenário se estenderão por todo o ano no estado alagoano, devendo encerrar-se em 3 de maio de 2011, quando será lançado um documentário biográfico em longa-metragem dirigido pelo cineasta alagoano Werner Salles. Será uma ótima oportunidade para todos nós conhecermos um pouco mais sobre a vida e a obra desse grande estudioso da língua portuguesa.

Até lá, espero ter um dicionário em mãos.