sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Retrospectiva literária 2011


Fim de ano, hora de fazer um balanço das leituras de 2011. Este ano estou participando da Retrospectiva Literária, promovida pela Angélica Roz, do blog Pensamento Tangencial (http://pensamentotangencial.blogspot.com), uma ideia bacana que contribui para a divulgação do livro e da leitura.
Este foi um ano maravilhoso para minhas leituras. Muitas delas inesquecíveis, com destaque para a produção nacional. Mas vamos aos tópicos que interessam:
O livro infanto-juvenil que mais gostei
A bolsa amarela, de Lygia Bojunga.
Bom, foi uma leitura tardia, mas nem por isso menos prazerosa. Gostei demais, principalmente porque foi um retorno à minha infância.

A aventura que me tirou o fôlego
De Bagdá com muito amor, de Jay Kopelman, escrito em parceria com a jornalista Melinda Roth.
A história do cãozinho resgatado pelo fuzileiro naval tocou meu coração e me deixou grudada no livro do início ao fim.

O suspense mais eletrizante
Uma Duas, de Eliane Brum.
Não sei se pode ser considerado como suspense, mas o primeiro livro de ficção da jornalista Eliane Brum tirou o meu fôlego em muitas partes e me deu calafrios. Muito bom.

A saga que me conquistou
1602, escrita por Neil Gaiman, desenhada por Andy Kubert e arte-finalizada digitalmente por Richard Isanove.
Trata-se de uma série em HQ, com quatro fascículos que fala de uma realidade alternativa em 1602 no Universo Marvel. Nele, os super-heróis interagem na corte da rainha Elizabeth. Muito louco e divertido. Uma viagem e tanto.

O clássico que me marcou
Bonequinha de luxo, de Truman Capote.
Na verdade é um conto, muito bem escrito, gostoso de ler e apaixonante.

O livro que me fez refletir
O filho eterno, de Cristovão Tezza.
Tudo o que eu disser será pouco para descrever a obra de Tezza. O livro mexe com nossos sentimentos mais profundos, revela, sem máscaras, os conflitos de um pai que tem um filho com a Síndrome de Down. Comovente e cruel ao mesmo tempo. Sem falar que a escrita de Tezza foi para mim um bálsamo e um grande aprendizado.

O livro que me fez rir
Belas Maldições – as belas e precisas previsões de Agnes Nutter, bruxa, de Neil Gaiman e Terry Pratchett.
As peripécias de Crowley, a serpente, e Aziraphale, o anjo, para tentar impedir o apocalipse me divertiram muito.

O livro que me fez chorar
Desonra, de J. M. Coetzee
Não é muito difícil eu chorar com um livro, sempre me emociono, de uma forma ou de outra, mas Desonra foi uma choradeira só. As crueldades, sobretudo aquelas impostas aos animais, no pós-Apartheid, dilaceraram meu coração.

O melhor livro de fantasia
Contos de fadas – de Perrault, Grimm, Andersen e outros, com apresentação de Ana Maria Machado.
Uma redescoberta dos contos de fadas, agora numa versão bem diferente daquela que li da Disney.

O livro que me decepcionou
Água para elefantes, de Sara Gruen.
Histórias de animais me comovem e fascinam, mas o livro de Sara prometeu mais do que de fato cumpriu, pelo menos para mim.

O livro que me surpreendeu
A viagem do elefante, de José Saramago
Foi o primeiro livro que li de Saramago, e ele me pegou de jeito.Simplesmente amei a história e seu jeito de narrar. Uma boa surpresa.

A frase que não saiu da minha cabeça
“É porque nunca a viram”, ele me diz. “Mas eu a reconheceria em qualquer circunstância”, frase de A elegância do ouriço, de Muriel Barbery.
A frase foi dita pelo sr. Kakuro à sra. Renée, quando esta, uma simples zeladora, saiu toda arrumada para passear com ele, e as elegantes moradoras do prédio não a reconheceram na saída.

O personagem do ano
Salomão ou Solimon, o elefante protagonista de A viagem do elefante, de José Saramago.
Valente, corajoso, sensível e esperto, o elefante é um desses personagens únicos, que marcam nossas leituras.

O casal perfeito
Kakuro e Renée, de A elegância do ouriço, de Muriel Barbery.
Claro, não poderia ter sido outro. O casal já de meia idade, que não chegou a se tornar de fato, ficou apenas na promessa, uma linda promessa.

O autor revelação
José Castello.
Não chega a ser uma revelação, mas para mim, que o conhecia como crítico literário, surpreendi-me com sua escrita em Ribamar, um misto de romance e biografia sobre seu pai, José Ribamar.

O melhor livro nacional
O filho eterno, de Cristovão Tezza.
Sem comentários, já disse que tudo o que escrever será pouco para falar deste livro.

O melhor livro que li em 2011
O filho eterno, de Cristovão Tezza.

LI em 2011...
39 livros. Um bom número. Poderia torcer para chegar aos 40, mas gosto de número ímpar, então está de bom tamanho.

A minha meta literária para 2012 é...
Continuar no mesmo ritmo de 2011, sem estipular números. Quero ler de fato, a quantidade é consequência. Quero prosseguir com autores nacionais, mas também ler clássicos, poesia, HQs, enfim, tudo o que cair em minahs mãos e me interessar.
E. para concluir, minha listinha dos dez livros que mais gostei de ler em 2011. E olha que foi difícil escolher. A ordem pouco importa, por isso não vou numerar:
O filho eterno, de Cristovão Tezza
A viagem do elefante, de José Saramago
A elegância do ouriço, de Muriel Barbery
Uma Duas, de Eliane Brum
Desonra, de J. M. Coetzee
Bonequinha de luxo, de Truman Capote
Daytripper, de Fábio Moon e Gabriel Bá
Ribamar, de José Castello
A bolsa amarela, de Lygia Bojunga
Dois irmãos, de Milton Hatoum
Bom, é isso. Feliz 2012, com muitas e boas leituras.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Desafio para o Ano Novo

No primeiro semestre deste ano fiz um post (http://www.leituraseobservacoes.blogspot.com/2011/05/ler-os-classicos-e-melhor-do-que-nao-os.html) sobre o clássico que sempre quis ler, mas que ainda não o fiz. Claro, não poderia ter sido outro senão Guerra e Paz, do escritor russo Léon Tolstói, mescla de romance, epopeia militar e filosofia, cuja narrativa acontece de 1805 a 1813, durante a campanha de Napoleão na Áustria, a invasão da Rússia e a retirada das tropas francesas. 
É que, com mais de 1.000 páginas, ainda não me senti disposta a lê-lo, embora aspire muito por isso. No início deste mês, no entanto, chegou às livrarias brasileiras uma nova e belíssima edição da obra de Tostói, com tradução - direta do russo - do romancista Rubens Figueiredo e publicada pela Cosac Naify. São dois volumes que somam juntos 2.536 páginas!

Dei uma espiada e, por mais volumosa que seja, me deu vontade de devorá-la. Isso, no entanto, significa parar com outras leituras, porque não consigo ler dois livros ao mesmo tempo, além de ter de deixar muitas coisas de lado, me privar de outros prazeres para fazer uma leitura correta. Não sei se estou disposta a isso, mas quem sabe... Se até Charlie Brown, o personagem de Charles Schulz, leu, por que eu também não posso fazê-lo? E olha que ele o leu nas férias, enquanto eu o estou colocando como desafio para o Ano Novo, sem uma data certa, ou seja, uma possibilidade, sem compromisso firmado.

É para se pensar. Enquanto isso, veja como foi a saga de Charlie Brown no episódio de Feliz Ano Novo quando, ao término do ano escolar, a professora passa como dever de casa a leitura de Guerra e Paz. Muito legal!



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal com livros e bibliotecas

Outro dia vi no blog Painel das Letras, da Josélia Aguiar ( http://paineldasletras.folha.blog.uol.com.br/, um post interessante com um cartum sobre bibliotecas e presente de Natal. Originalmente publicado no mural da Carnegie Library, de Pittsburgh, nos Estados Unidos, trata-se de uma louvável campanha para “salvar as bibliotecas”.

No cartum (que reproduzo abaixo), um garotinho faz seu pedido ao Papai Noel, dizendo querer ganhar de presente ”livros, computadores e a habilidade para viajar no tempo e no espaço”. Em resposta o bom velhinho diz: “Ok, aqui está um cartão (de acesso) da biblioteca”.


Fã incondicional de bibliotecas não poderia deixar passar em branco a oportunidade de publicar no blog essa delícia de campanha. E aproveitar ainda para destacar duas decorações especialíssimas deste Natal.

A primeira é a do Santana Parque Shopping, localizado na Zona Norte de São Paulo, que montou uma belíssima decoração para mostrar uma parte da casa do Papai Noel bastante convidativa: a Biblioteca. Ela fica embaixo de uma árvore de 15 metros de altura, enfeitada por bonecos que ficam em constante movimento. Ali, uma série de livros clássicos estão expostos de forma a incentivar a leitura.


A outra decoração de destaque é a da Biblioteca São Paulo, também na Zona Norte da capital, que traz uma árvore decorada com 50 bloquinhos de post-it, simulando livros que desejam Boas Festas. Um charme.

Acredito que mais ideias e iniciativas, envolvendo livros, bibliotecas e leituras, estão sendo feitas neste Natal. Que bom!


Com elas quero deixar aqui os votos de um Feliz Natal a todos os leitores que me acompanham no blog. Obrigada pelo carinho e por fazerem parte desse mundo de leituras que é meu, que é seu, que é nosso.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Uma leitura de A bolsa amarela

Ler é mesmo uma viagem pelos caminhos da imaginação. Mas é também um passeio por estradas percorridas, por tempos vividos, pela infância passada, enfim pela memória. E foi exatamente isso que senti quando li A bolsa amarela, clássico da literatura infanto-juvenil brasileira, da escritora gaúcha Lygia Bojunga.

Publicado na década de 1970, no auge da ditadura militar, o livro conta a história de Raquel, uma menina que está em conflito consigo mesma e com a família. Caçula da prole, com uma diferença de idade bem distante de seus três irmãos, Raquel é cheia de vontades, das quais se sobressaem três mais fortes: ter nascido menino (porque estes têm mais privilégios), ser gente grande (porque podem tudo) e tornar-se escritora.

Naquela época, criança não tinha voz nem vez, nem os direitos tão bem assegurados hoje, depois da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente na década de 1990. Sei bem como Raquel se sentia porque também vivi minha infância nos anos de 1970, período em que costumávamos levantar dos bancos nos transportes coletivos para os mais velhos se sentarem (hoje é o contrário). A criança era mais ou menos colocada à margem, chegando a algumas ocasiões e lugarejos a não ter direito de sentar-se na mesa, junto com os adultos, para fazer suas refeições.

E é nesse panorama em que se encontra Raquel, que veste as roupas que os irmãos não querem mais, que fica com as sobras dos presentes que a família ganha, que não consegue se expressar livremente para falar de sentimentos e transformações. Daí sua imaginação fervilhante e criadora, que “inventa” personagens e dá vida a seres e objetos inanimados, como um pequeno alfinete de bebê que um dia ela encontra jogado na rua e o recolhe para abrigar em sua casa como um querido amigo.

Suas vontades, porém, é que dão o tom da narrativa. Para controlá-las, Raquel decide escondê-las dentro de uma grande bolsa amarela enviada pela tia. Em seu interior havia vários “filhos” de diferentes tamanhos, ou seja, bolsos, onde a menina resolveu esconder seus pertences – coleção de papéis com nomes de pessoas, o alfinete e, a guarda-chuva (sim, no feminino) – e as três grandes vontades. E, para todo lugar que ia, carregava a bolsa que, ora ficava pesada, quando as vontades engordavam, ora ficava mais leve, quando estas emagreciam.

Dentre os personagens criados por Raquel, destaque para o galo Rei (depois Afonso), que passou a ser seu companheiro e com o qual compartilhava muitas das suas aventuras. O galo reinava soberano num galinheiro repleto de galinhas, mas não gostava dessa sina, pois queria que as fêmeas “mandassem” também. Por sua rebeldia acabou preso para “aprender a não ser um galo diferente”. Neste ponto, a autora faz referência ao período sombrio em que a sociedade brasileira vivia, com a ditadura militar:

Me botaram num quartinho escuro. Tão escuro que quando eu saí de lá tava todo preto. Só depois é que a cor foi voltando. Fiquei preso um tempão; sofri à beça. Aí, um dia, eles me soltaram. E foram logo dizendo: “Daqui pra frente você vai ser um tomador-de-conta-de-galinha como o seu pai era, como o seu avô era, como o seu bisavô era, como o seu tataravô era – senão volta pra prisão.” E as galinhas disseram: “Deixa com a gente: se ele não se comportar direito a gente avisa.” Mas eu não era que nem meu avô, que nem meu bisavô, que nem meu tataravô, o que é que eu podia fazer? Eu sei que ia ser muito mais fácil eu continuar pensando igualzinho a eles. Mas eu não pensava, e daí?...

E é assim, mesclando o mundo real da família com seu mundo imaginário que Raquel vai tecendo seu dia a dia, em uma aventura saborosa que, pouco a pouco, leva-a a aceitar sua condição de menina e de criança. Só uma vontade prevalece: a de ser escritora. É o início do amadurecimento.

O livro foi traduzido em diversos idiomas e encenado em teatros do Brasil e da Bélgica. Recebeu da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil o prêmio “O melhor para a criança” e foi incluído na lista de honra do Ibby – International Board on Books for Young People. Ganhou, ainda, o prêmio “Hans Christian Andersen”, como parte integrante da obra de Lygia Bojunga.

Enfim, altamente recomendável.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Espírito Vivo de Will Eisner

Dez anos atrás, quando fazia pesquisas e leituras para a monografia da pós em Jornalismo Internacional, centrada em Palestina – uma nação ocupada e Palestina – na faixa de Gaza, as reportagens em quadrinhos de Joe Sacco, acabei esbarrando, é claro, em Will Eisner, um dos mais importantes artistas em HQs.

Considerado como a principal influência para que as HQs deixassem de serem vistas como leitura para crianças, Eisner popularizou o termo graphic novels, ou novelas gráficas. Na verdade, romances gráficos que contam uma longa história por meio de arte sequencial – banda desenhada ou quadrinhos.

Da sua extensa – e belíssima – obra, iniciei-me por New York – The Big City, publicada em 2000 pela Martins Fontes. Nela, uma cidade inteira é desvendada sob ângulos insuspeitados, com uma suavidade de traços e detalhes de encher os olhos. Depois dela, conheci outras graphic novels do artista como Um contrato com Deus, A força da vida e Avenida Dropsie, entre outras, além da série de tiras The Spirit, codinome de Denny Colt, um homem tido como morto, mas que vivia secretamente – e anonimamente – como um lutador no mundo do crime.

Boa parte desse seu trabalho revi recentemente, com fascínio, na exposição O Espírito Vivo de Will Eisner, que está em cartaz no Centro Cultural São Paulo até o próximo dia 18 de dezembro. A mostra foi apresentada, primeiramente, no Rio de Janeiro, durante o RioComicon. Ao todo são 106 obras originais, que cobrem toda a carreira de Eisner, além de pinturas, ilustrações inéditas, materiais de trabalho e, uma jóia rara: a estátua forjada em bronze do personagem Spirit, parceria entre Eisner e o escultor Peter Poplaski. A exibição da peça é inédita, sendo o Brasil o país escolhido para mostrá-la em primeira-mão.

Para quem é fã, o programa é imprescindível. Para os que ainda não conhecem o artista, é uma excelente oportunidade para saber mais sobre o mestre e sua valiosa obra.

Serviço:

Centro Cultural São Paulo

Rua Vergueiro, 1000 (Estação Vergueiro do metrô)

Até 18/12/2011

Horário: Sexta, das 10h às 20h; sábado e domingo, das 10h às 18h.

Grátis.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Festa do Livro USP

Como acontece anualmente, a Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, uma das maiores editoras universitárias brasileiras, está promovendo a Festa do Livro, um evento tradicional da instituição e uma excelente oportunidade de adquirir obras de qualidade, com desconto mínimo de 50% sobre o preço de capa.

A 13ª edição, que deveria ter acontecido de 24 a 25 de novembro, por problemas de logística, foi transferida para outra data, agora confirmada: 14, 15 e 16 de dezembro, na Escola Politécnica da USP (Prédio da Mecânica e da Civil), cujos acessos podem ser feitos pelo bolsão da Poli: Av. Prof. Luciano Gualberto, travessa 3 ou Av. Prof. Mello Morais, próximo a Mecânica.

Mais de 120 editoras estarão presentes nessa edição, oferecendo aproximadamente 60 mil títulos, cuja temática vai de livros acadêmicos a ficção, passando por obras infantis, de arte, quadrinhos até interesse geral.

O mais legal de tudo é que a parceria entre Edusp e as editoras participantes é o compromisso destas em doar cinco títulos do seu catálogo ao Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBi. A iniciativa, além de promover o livro e a leitura, oferecendo obras a um preço reduzido, contribuir para ampliar o acervo das bibliotecas da Universidade.

Confira no link as editoras participantes da 13ª Feira do Livro:

E neste link o catálogo das editoras:

Bom, eu estou indo nessa!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Lendo Clarice

Contista, cronista, romancista, jornalista. Clarice Lispector transitou por todos os gêneros literários, deixando em cada um sua marca indelével de grande escritora. Não é à-toa que tem uma legião de leitores apaixonados, muitos destes súditos jovens internautas que usam a rede para propagar os escritos e declarar seu amor à escritora.

Apesar de amplamente divulgada, ainda assim não sei por que li pouca coisa de Clarice, mas lembro-me bem de um conto, que ouvi – e li – há quase dez anos, chamado Felicidade clandestina, que me tocou profundamente. Nele, a narradora, fala sobre sua infância no Recife e do quanto gostava de ler, mas, por ser pobre não comprava muitos livros, e acabava emprestando de uma colega. Quando esta informou-lhe que tinha “As reinações de narizinho”, de Monteiro Lobato, e que iria emprestar-lhe, a menina ficou eufórica. No entanto, isso não acontecia, pois a colega sempre inventava uma desculpa para não entregar o livro. Até que a mãe da colega, percebendo o que acontecia, recriminou a atitude da filha e emprestou o livro à menina. Esta, encantada, adiava o máximo que podia a leitura para melhor saboreá-la depois, fazendo questão de “esquecer” que tinha o livro, só para depois surpreender-se encontrando-o. A comparação que a narradora faz, ao final, revela sua felicidade clandestina: "Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante."

E qual não foi minha alegria quando este conto, outra vez, caiu em minhas mãos na leitura de Clarice na cabeceira, seleção afetiva de 22 contos de Clarice Lispector, escolhidos por escritores, atrizes, cineastas, cantoras, críticos literários e jornalistas. O livro, que foi publicado em 2009 pela Editora Rocco, foi organizado por Teresa Montero, doutora em Letras pela PUC-RJ e autora de Eu sou uma pergunta. Uma biografia de Clarice Lispector, também publicado pela Rocco.

Clarice na cabeceira reúne contos de cada um dos seis livros da produção contista da escritora. São eles: Laços de família (1960), A legião estrangeira (1974), Felicidade clandestina (1971), A via crucis do corpo (1974), Onde estivestes de noite (1974) e A bela e a fera (1979).

O conto Felicidade clandestina é apresentado pela atriz Malu Mader, que o escolheu, entre outros de sua preferência, pelo título: Quando o li pela primeira vez pensei: “Isso sou eu.” É assim que me sinto em relação à Clarice Lispector: apesar de ser ela puro mistério, quando estou com um livro seu aberto no colo, em êxtase puríssimo sou uma mulher com sua amante, sou uma criança descobrindo o mundo.

Os contos, em sua maioria, trazem mulheres como protagonistas, muitas em questionamento sobre a vida, tentando fugir ao seu destino, mas retornando infalivelmente a ele, embora sobre outro ângulo. Dentre estes, Ruído de passos, apresentado por Adriana Falcão; A fuga, por Artur Xexéo, A procura de uma dignidade, por Benjamin Moser; e A língua do “P”, por Fernanda Takai.

Pela Rocco, foram publicados, ainda, em 2010, Clarice na cabeceira – Crônicas, também organizado por Teresa Montero; e este ano, Clarice na cabeceira – Romances, organizado por José Castello.

Como porta de entrada ao mundo ficcional da escritora, a série Clarice na cabeceira é um gostoso aperitivo, que desperta ainda mais o interesse pela sua obra. Quero fazer desta aventura a minha Hora de Clarice, numa perfeita sincronia com o projeto Hora de Clarice, iniciativa do Instituto Moreira Salles em parceria com a Editora Rocco, que divulgará e homenageará a escritora no dia 10 de dezembro, data em que Clarice completaria 91 anos.

Para saber e acompanhar a programação do dia, acesse: http://www.claricelispector.com.br/agenda.aspx

Curiosamente, em 9 de dezembro faz 34 anos que Clarice morreu.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

(imaginária) Estante excêntrica

Em um dos ensaios do livro Ex-libris: confissões de uma leitora comum, intitulado “Minha Estante Excêntrica”, a escritora e jornalista Anne Fadiman fala sobre sua coleção de livros, “cujos assuntos não têm a menor relação com o restante da biblioteca, embora, numa investigação mais detalhada, revelam um bocado sobre seu dono.”

Segundo ela, ainda, todo leitor possui uma Estante Excêntrica também. No caso do escritor George Orwell, autor de clássicos como 1984 e A Revolução dos Bichos, sua biblioteca continha uma coleção encadernada de revistas para senhoras da década de 1860; já Philip Larkin, poeta inglês, dispunha de uma estante repleta de pornografia, com ênfase em espancamento.

A Estante Excêntrica de Anne Fadiman contém 64 livros sobre explorações polares, que trazem narrativas de expedições, periódicos, coleções de fotografias, trabalhos de história natural e manuais de navegação. “Meu interesse é solitário. Não posso comentá-lo em coquetéis. Sinto-me algumas vezes como se tivesse passado grande parte da vida aprendendo uma língua morta, que ninguém conhecido consegue falar”, comenta a escritora no ensaio.

Se Anne estiver certa, como leitora, eu também devo ter a minha Estante Excêntrica. Durante muito tempo fiquei pensando nela, hipoteticamente falando, já que não tenho uma biblioteca física, apenas um amontoado de livros – que crescem a cada dia – encarcerados no meu guarda-roupa, clamando por libertação.

Pensei que ela podia ser de livros que falam sobre livros, como este, da Anne Fadiman, Ex-libris: confissões de uma leitora comum, publicado no Brasil em 2002, pela Jorge Zahar Editor, e que se constitui em uma verdadeira declaração de amor aos livros. Por meio de ensaios, a autora fala de bibliotecas, da sua em particular e da relação que tem com os livros.

Além deste, tenho outros sobre o mesmo assunto, como Os livros e os dias, de Alberto Manguel; A casa de papel, de Carlos María Domínguez; Como te leio? Como-te livro! de Marcia Grossmann; e No Mundo dos Livros, de José Mindlin, entre outros. Mas acho que ainda não seria esta a Estante Excêntrica, mesmo porque ela é óbvia demais para quem gosta de livros.

Depois de muito pensar – e nem precisava ser tanto assim porque a resposta estava bem à minha frente – descobri que minha (imaginária) Estante Excêntrica é composta por uma coleção de quadrinhos. Sim, quadrinhos. O que tem de excêntrico nisso? Bom, se pensar que já não sou uma adolescente ou uma jovenzinha e que meu interesse pela arte surgiu depois dos 40, aí então é algo que pode ser considerado excêntrico.

E mais: gosto de livros, mas acho que gosto mais de bibliotecas, assim vivo frequentando elas para emprestar livros, mas em se tratando de quadrinhos, faço questão de comprá-los. Assim, comecei a formar uma pequena – sim pequena mesmo – coleção que hoje tem cerca de 40 volumes, entre graphic novels, mangás, livros e álbuns, mas sobretudo graphic novels, ou romances gráficos. E uma lista enorme de outros tantos a adquirir.

Entre os títulos que tenho estão as reportagens em quadrinhos do jornalista e cartunista Joe Sacco: Palestina – Uma nação ocupada, Palestina – Na faixa de Gaza, Área de segurança – Gorazde, Uma história de Sarajevo e Derrotista, este último um quadrinho mais biográfico. Além destes, dois títulos sobre o guerrilheiro Che Guevara, um do coreano Kim Yong-Hwe, e outro do roteirista argentino Hector Oesterheld e do desenhista uruguaio Alberto Breccia.

Do mestre Will Eisner, que popularizou a expressão graphic novel, tenho A força da vida e Quadrinhos e arte sequencial, embora tenha lido outros títulos dele. Do escritor Neil Gaiman, possuo oito volumes de Sandman, publicados pela Conrad Editora (é faltam dois números), Stardust em parceria com Charles Vess (desenhos), 1602 com desenhos de Andy Kubert e Os livros da magia, dividida em quatro revistas, cada uma desenhada por um artista diferente (em ordem, John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess e Paul Johnson).

Ah, não posso esquecer de citar Art Spiegelman, com À sombra das torres ausentes, escrita depois do 11 de setembro; Frank Miller com 300, que foi levado às telonas; Alan Moore e David Lloyd com V de Vingança, que adquiri depois de assistir ao filme; e Didier Lefèvre (argumento e fotografias), Emmanuel Guibert (roteiro e desenhos) e Frédéric Lemercier (diagramação e cores) com O fotógrafo, um encadernado em três volumes que fala da experiência de atravessar o Afeganistão a pé em 1986 para registrar a expedição da organização Médicos Sem Fronteiras. Um marco também no jornalismo em quadrinhos.

E, claro, os brasileiríssimos Fábio Moon e Gabriel Bá, os quadrinistas gêmeos, com seu 10 pãezinhos – A crítica e a recém-lançada graphic novel Daytripper, que conta a história de Brás, brasileiro do sul do país, escritor e editor de obituário de um jornal. Destacando diferentes momentos da vida do personagem, que tenta ainda fugir da sombra do pai, o texto centra-se na busca de um caminho para a vida.

Já que não dá para falar de todos, esta é uma pequena mostra da minha (imaginária) Estante Excêntrica, e que pode ser melhor apreciada virtualmente na minha estante de quadrinhos no Skoob - http://www.skoob.com.br/estante/quadrinhos/todos/32747/page:1/  Ali, pelo menos ela está organizada.

A única dúvida, agora, é saber se esta Estante revela algo de mim. Mas isto é assunto para um outro post.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

“A vida só não basta”

A minha expectativa era toda para Ribamar, o livro de José Castello que estou terminando – e amando –, mas os resultados apontaram para o reverso da prosa, porque o Prêmio Jabuti de Livro do Ano de 2011, em ficção, foi concedido a Em alguma parte alguma, de Ferreira Gullar.

Poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta, Ferreira Gullar é o pseudônimo de José Ribamar Ferreira. E quem diria, o mesmo prenome do pai de José Castello, a quem ele dedicou o livro Ribamar. De certa forma, minha torcida surtiu efeito, e a premiação mais do que merecida.

Devo confessar, porém, que no íntimo já estava virando casaca. Afinal, presente à cerimônia de premiação do 53º Prêmio Jabuti, na Sala São Paulo, Ferreira Gullar ficou me “rondando” – ou eu a ele – durante o coquetel que precedeu o evento.

Quando o vi entre os convidados espalhados pelos salões e corredores que antecedem o auditório da Sala São Paulo (e aqui preciso fazer um parênteses sobre o lugar, um espaço belíssimo que, quando conheci, tive uma impressão que nunca mais me saiu da cabeça: o de ostentação em meio a uma região fétida, povoada de moradores de rua e consumidores de crack. Impossível não sentir o impacto e o incômodo da diferença ao entrar e sair do espaço), fiquei admirada, tanto pela sua fragilidade física quanto pela sua força poética.

O mais engraçado nisso tudo é que por onde eu ia, Ferreira Gullar esbarrava pelo meu caminho até que, cansada, sentei em uma dos bancos existentes ao longo do salão. De repente senti que alguém me empurrava, tentando sentar-se às minhas costas, e já ia reclamar quando, para minha surpresa, reparei que era o poeta. Fiquei sem graça, ainda mais quando a mulher que o acompanhava disse: “que sorte a sua”. Sorri, concordando.


Fiquei ali um bom tempo, o suficiente para ver que ele era o mais requisitado em fotos, entrevistas, autógrafos, tietagem. E, mais, cedendo a eles com simpatia e cordialidade. Claro, não me furtei da oportunidade para, também, me fotografar ao seu lado.

O Prêmio

O Jabuti é o mais tradicional prêmio do setor editorial brasileiro e tornou-se referência para o mercado. Foi criado em 1958 e recebeu esse nome emprestado de um dos personagens da literatura infantil de Monteiro Lobato: o jabuti, uma tartaruga vagarosa, mas esperta e obstinada a vencer obstáculos, ludibriando concorrentes para chegar à frente na jornada.

A cerimônia de premiação foi longa, apresentada por um Pedro Bial sorridente, mas por vezes apressado. Era justificável, afinal, foram laureados os autores 1º, 2º e 3º colocados de 29 categorias! Ferreira Gullar, com Em alguma parte alguma, foi o vencedor em Poesia; José Castello, com Ribamar, em Romance (confira no link os vencedores de todas as categorias: http://www.cbl.org.br/jabuti/telas/resultado/resultado_categoria.aspx?f=2

O ponto alto da festa, no entanto, ficou para o final, quando foram anunciados os ganhadores do Jabuti de Livro do Ano de Ficção e Livro do Ano de Não Ficção, escolhidos entre os primeiros colocados em cada uma das categorias. E os grandes vencedores da 53ª edição foram Ferreira Gullar e o historiador e jornalista Laurentino Gomes.

Gullar consagrou-se com Em alguma parte alguma, considerado o Livro do Ano de Ficção, e editado pela José Olympio. Já Laurentino recebeu o troféu Livro do Ano de Não Ficção com 1822, editado pela Nova Fronteira, que venceu na categoria Reportagem. Para ele, “a história serve para iluminar o passado, compreender o presente e construir o futuro. Queria fazer uma homenagem a todos os historiadores brasileiros, aos livros nos quais eu bebo para fazer os meus.”

E, lembrando que no meu post anterior indaguei sobre a utilidade da poesia, vale aqui lembrar as palavras de Gullar, ao receber o prêmio: "estou ganhando este prêmio num ano em que a José Olympio completa 80 anos a serviço da literatura brasileira. Não sei se poesia é literatura. Fora isso, fazemos poesia porque a vida não basta”. Esta é a resposta que buscava.