Faz quase nove meses que mudei de casa para outra
residência no mesmo bairro onde me encontrava, de forma que tudo pode se
ajeitar perfeitamente. Tudo não. Quase tudo. Apesar do tempo, ainda não montei
minha tão sonhada estante com livros, o que significa que meus livros
encontram-se encaixotados. Ou melhor, acomodados em uma grande e imensa caixa
que fica ao lado do meu guarda-roupa, esperando pacientemente que eu dê um destino
mais digno a eles.
Para quem ama livros, anda diariamente com eles e se
aventura por suas páginas é inconcebível uma situação dessas. Bom, pelo menos
era assim que eu pensava até há pouco tempo, uma semana para ser mais exata. É
que foi mais ou menos por essa época que me deparei com um artigo na edição 11 ½
da revista Serrote, publicação
quadrimestral do Instituto Moreira Salles que foi distribuída especialmente na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty,
em julho último.
Intitulado “A vida encaixotada”, (veja aqui), o artigo é assinado por Rodrigo Fresán, escritor e jornalista
argentino, autor de La velocidad de las
cosas (1998) e Jardins de Kesington,
publicado no Brasil pela Conrad em 2007. O artigo foi publicado originalmente
na revista literária Eñe no verão de
2008.
Nele, o autor discorre primeiramente sobre um ensaio
do escritor John Cheever sobre a difícil arte de se mudar, mas questiona a
falta de linhas sobre aquilo que acontece com os livros nas mudanças. “Abundam
os diários de leituras, mas não sei da existência de nenhum diário que trate da
mudança dessas leituras, de todo esse vivíssimo peso morto”, declara Fresán,
antes de iniciar um diário que vai de 5 de fevereiro a 23 de abril, período em
que se mudou de casa e se propôs a tarefa de arrumar sua biblioteca.
O interessante é vê-lo descrever desde o encaixotamento
dos seus livros, passando pela mudança propriamente dita, a chegada à nova
residência, a compra de novos livros sendo que os antigos ainda se encontravam
encaixotados, a lembrança de outras bibliotecas e livros, até chegar à data
estipulada do término da arrumação sem ter concluído seu intento. E é aí que
encontro consolo, embora meu tempo de arrumação seja bem maior que o dele. Mas
tenho como atenuante o fato de não possuir uma estante física para acomodar os
meus livros, ao passo que Fresán sim.
Seja como for, desencaixotar e arrumar os livros não
é uma algo assim tão fácil, por isso vamos protelando, mas não sem pagar um
preço por isso. No meu caso, vivo abrindo a minha caixa e – tarefa ingrata –
vasculho a procura de um livro ou outro que quero reler ou ler, até chegar à
inglória descoberta de que o exemplar está lá no fundo. É preciso remover os de
cima para então se chegar até eles, o que fatalmente acaba me desanimando.
Mais triste, porém, é descobrir que o livro que se
procura não está mais entre os outros exprimidos na caixa. Sabe-se Deus por uma
dessas razões que a gente não tem como explicar, no processo de mudança, na
necessidade de fazer uma seleção, acabamos dando outro destino a alguns de nossos
livros, doando-os a bibliotecas ou leitores interessados.
Foi isso o que aconteceu, por exemplo, com um
livrinho que vinha me acompanhando desde a adolescência: O príncipe feliz e outros contos, de Oscar Wilde, publicado pela Editoro,
com tradução de Paulo Mendes Campos. Uma joia do meu tempo de colégio.
O livro reúne nove contos, cuja linguagem
assemelha-se a fábulas, nas quais valores como amizade e humildade são
ressaltados, sem deixar de discorrer sobre o egoísmo, um dos principais males
da humanidade, segundo Wilde. Dos contos destacam-se “O gigante egoísta”, “O
rouxinol e a rosa”, “O amigo fiel”, “Um foguete extraordinário” e “O príncipe
feliz”, o meu preferido, por retratar a solidariedade, a amizade e a compaixão,
embora a maldade humana também esteja ali presente.
É um livro que vem me fazendo cobranças, que está me
fazendo falta e que, infelizmente, me arrependo de ter me desfeito. Comprar
outro não será o mesmo, ainda porque as edições que vi pela internet são
diferentes daquela que eu tinha. Era um exemplar antigo, com uma capa antiga e
que tinha as minhas marcas de leitura. Ficaram apenas as lembranças, as boas
lembranças.
Para não ter mais surpresas desagradáveis como essa,
o jeito é deixar meus livros repousando na caixa por mais um tempo. Mas não
muito, pois outros reclamam meu contato e eu já começo a sentir falta deles em
minhas mãos.
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