quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Viajantes de Terramarear

Narrativas de viagem costumam render boas histórias, aguçam os sentidos, alimentam a alma, fazem aflorar a nossa imaginação. Não é à toa que os escritores Ruy Castro e Heloísa Seixas (que são marido e mulher na vida real) se aventuraram por esse caminho ao lançarem, na Bienal do Livro do Rio, Terramarear, obra publicada pela Companhia das Letras e onde contam histórias das viagens realizadas nas últimas décadas, mas que fogem do padrão turístico tradicional. No livro falam de lugares com os quais têm relação com o cinema, literatura, gastronomia, música, história e arquitetura.

Em São Paulo o livro foi apresentado pelos autores durante o Sempre um Papo, no Sesc Vila Mariana, seguido de sessão de autógrafos. E eu fui até lá para dar uma conferida.

Enquanto aguardava a sessão começar, na sala de leitura montada ao lado do auditório, vislumbrei, no andar acima, por uma brecha, o momento em que Ruy e Heloísa estavam sendo filmados, concedendo uma entrevista. Esta visão suscitou uma estranha sensação em mim, uma espécie de intimidade em relação aos autores.

Mas de onde vinha aquela sensação? Seria do ato de espionar, de observar sem ser vista, de olhar secretamente? Não, acho que não! Aquela familiaridade vinha de algo mais profundo e distante... Ah, com certeza era do livro No lugar escuro, o Ensaio Pessoal que Heloísa escreveu sobre a mãe e que li no ano passado. No livro, a autora conta, com coragem, a história de senilidade e loucura da mãe, relembrando, com riqueza de detalhes e minúcias – e sem autopiedade –, as fases de degradação de uma mente comprometida até a insanidade, os conflitos familiares, o relacionamento difícil até chegar à compreensão e a paz de espírito.

Ao falar da sua privacidade, Heloísa de certa forma tornou-se familiar para mim, estendendo essa intimidade a Ruy Castro que, embora fosse citado algumas vezes no livro, também provocou a mesma sensação em mim.


Passado esse primeiro impacto segui para a apresentação e o que vi foi um bate papo bem-humorado e recheado de histórias inusitadas, como aquela de Rapallo, na Riveira Italiana, cidade onde o poeta americano Ezra Pound morou. Caminhando pelo cais em direção ao Hotel Itália, uma construção amarela, de toldos verdes, de aspecto modernoso, local que Pound frequentara nos anos de 1920, eles resolveram parar para jantar. O lugar estava vazio, mas entraram mesmo assim, foram atendidos e nada de excepcional aconteceu.

Ruy, no entanto, não se deu por vencido, e vendo uma senhora sozinha, atrás de um pequeno balcão no interior do hotel, decidiu falar com ela e perguntar se aquele era o hotel em que Pound se hospedara. A mulher ficou muda a princípio, mas depois sorriu e disse que ele era a primeira pessoa, depois de 40 anos, que perguntava sobre o poeta. Depois os conduziu para o corredor e abriu uma porta, cujo interior estava coberto por fotografias de Ezra Pound e de seu pai que registravam sua passagem pelo hotel. A mulher então explicou: “Meu pai e o senhor Pound eram grandes amigos”.

É neste espírito que segue o livro, narrando histórias das viagens pelo Brasil e pelo exterior, a passeio ou a trabalho, de Ruy Castro e Heloísa Seixas, juntos ou separados, mas sempre tentando resgatar o espírito e as histórias do lugar. O importante, para eles, é caminhar, andar pelas ruas das cidades, se integrar a elas, pois só assim é possível conhecer – e desvendar – seus mistérios.

Depois da leitura de Terramarear e com as aventuras descobertas, acho que vou me sentir ainda mais íntima dos escritores. Uma pessoa da família.

Ainda em tempo: o título do livro, Terramarear, foi tirado da lendária coleção da Companhia Editora Nacional que, a partir de 1933, publicou no Brasil 18 livros de Tarzan, do qual Ruy Castro é fã. Na década de 1970, a Editora Record relançou oito desses volumes.

4 comentários:

  1. Para quem gosta de viajar como eu, um livro desses vinha a calhar. Valeu a dica, bju

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  2. Amo livros sobre viagens, tenho vários e "viajo" com eles. Não sabia (que horror!) desse lançamento do Ruy Castro, autor de quem tenho absolutamente tudo.Pelo menos não vi em Florianópolis ainda. Vou descer correndo até a livraria aqui em frente para ver se encontro. Ciça, vc é minha total inspiração ,amiga! beijosssss

    PS. Achei sensacional tua postagem sobre o livro de Heloísa Seixas outro dia, mas esse eu não tenho coragem de ler...

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  3. Já comprei! Bastou atravessar o calçadão e "caí" em frente ao expositor... rsrs

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  4. Ruy também escreveu "Chega de Saudades" onde viajamos pela história da bossa nova. Ainda lembro como adquiri. Entrando na livraria e sem qualquer título para procurar, escolhi o de Ruy, sentei confortavelmente na bela poltrona da Nobel em Torres e só parei a leitura para pagar e ir à primeira praça dar continuidade ao mundo da música. Ruy é envolvente.

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