Depois que comentei a mania que tenho de ler no metrô e como as imagens de leituras passadas aparecem como um flash na minha mente quando estou no trem, minha amiga Mari sugeriu, um tempo atrás, que eu lesse o conto “O perseguidor”, do escritor argentino Julio Cortázar. Eu saberia depois porque.
Procurei o conto, então, com uma curiosa ansiedade. E fui encontrá-lo em uma coletânea que reúne cinco contos de Cortázar: Cartas de mamãe, Os bons serviços, As babas do diabo, O perseguidor e As armas secretas. Este último dá título ao livro.
Nem é preciso dizer que degustei, com muito prazer, todos eles. São textos curtos, à exceção justamente de O perseguidor, que tratam do cotidiano do homem moderno, com seus conflitos e angústias, de forma poética e dramática, e finais muitas vezes em aberto.
Com relação ao O perseguidor, texto que o próprio Cortázar considerava como um “divisor de águas” da sua obra, entendi sim o porquê de Mari o ter sugerido. O conto fala sobre Johnny, um músico de jazz que busca obstinadamente o ideal da arte, nem que isso o leve a autodestruição. Em um dado momento ele fala ao seu amigo Bruno, crítico de música que escreveu sua biografia, sobre algo que lhe ocorrera no metrô. Enquanto viajava, pensava na ex-mulher, nos filhos, no bairro em que viviam, nas pessoas da época, nas roupas que usavam, das conversas e lembranças que lhe ocorriam. E não era só um pensar, mas um ver claramente, cheio de detalhes, em que ele se via também no lugar, apesar de saber que estava no metrô. Passou-se então um minuto e meio e logo o trem chegou à próxima estação. Aí, ele disse ao amigo crítico que havia contado apenas um pedacinho do que se passara, mas que se tivesse de descrever detalhe por detalhe do que havia pensado levaria bem mais tempo... – passariam uns bons 15 minutos – o amigo falou. Foi o bastante para ele indagar:
– Um minuto e meio, nada mais, pela sua conta, pela conta do tempo dessa aí – disse rancorosamente Johnny. – E também pelo do metrô e pelo do meu relógio, malditos. Então, como pode ser que eu tenha pensado durante quinze minutos, hein, Bruno? Como se pode pensar um quarto de hora em um minuto e meio? Juro que naquele dia eu não havia fumado nem um pedacinho, nem uma folhinha – acrescenta, como um menino que pede desculpas. – E depois tornou a me acontecer, agora começa a me acontecer em todos os lugares. Mas – acrescenta astutamente – só no metrô posso perceber porque viajar no metrô é como estar metido num relógio. As estações são os minutos, você entende?, é esse o tempo de vocês, de agora; mas eu sei que existe outro e andei pensando, pensando...
E cada vagão do trem é como se fosse uma sala de leitura, onde as pessoas se acomodam da melhor maneira possível, para se debruçar sobre um livro, sejam sentadas ou em pé. Mas há ainda salões alternativos, que podem servir de espaços livres de leitura, como as escadas e as cadeiras existentes nas plataformas, utilizadas sobretudo quando não é possível embarcar imediatamente. Só que ali, diferente de uma biblioteca comum, o barulho de vozes e de passos, o apito da porta do trem ao fechar e a sonoridade arrancada dos trilhos quando o trem avança ou pára não chegam a incomodar.
E assim, na correria do dia a dia, numa cidade como São Paulo – ou Paris, como em O perseguidor ou ainda de qualquer metrópole –, dentro de um transporte coletivo, é possível atenuar a pressa e se deixar levar por alguns minutos a um outro mundo, seja pelas páginas de um livro, seja pela velocidade dos pensamentos. O tempo ali é outro.
grande Julio Cortázar...tenho esse livro,mas ler o trecho dele aqui me fez ter vontade de lê-lo novamente e ler Cortázar sempre e novamente é muito bom!
ResponderExcluire não vejo a hora de chegar o mês que vem pra comprar o dicionário amoroso da lingua portuguesa e levá-lo para viajar comigo nas estações do metrô!
"Viajar no metrô é como estar metido num relógio. As estações são os minutos". Não é incrível essa compreensão da vida, Ciça? Bom que tenha apreciado a leitura. Desse livro, gosto ainda de 'As Babas do Diabo', que virou o filme Blow Up do Michelangelo Antonioni. E o conto final, q dá título ao livro, também é assombroso! Abraços!
ResponderExcluirNossa, sou assim também, SÓ leio no metrô! Faço da ida e volta do trabalho um tempo bem aproveitado!
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