quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Família é prato difícil de preparar, mas é bom!

Considerada uma das instituições mais antigas, a família, nos primórdios, tinha uma vida simples, constituída principalmente pelo sistema patriarcal. Nos anos de 1960, ela chegou a ser considerada falida e tendia a desaparecer, mas, com o decorrer do tempo, ganhou fôlego, modernizou-se, ampliou-se, diversificou-se, sendo hoje uma das instituições mais sólidas que existem.
 
Não é à toa que um livro, que trate genuinamente desse tema, tenha despertado tanto interesse, apesar da falta de marketing, se bem que o boca a boca e a internet representem, aqui, aliados e tantos. Falo de O arroz de Palma, romance de estreia de Francisco Azevedo, publicado em 2008 pela Editora Record.
O autor, embora estreante na categoria romance, não é um novato na escrita. Roteirista cinematográfico, poeta, ex-diplomata e dramaturgo, com sucessos como Unha e carne e Coração na boca, entre outras, Azevedo publicou dois livros de poesia e prosa poética: Contra os moinhos de vento (1978) e A casa dos arcos (1984). E, mais recentemente, o romance Doce Gabito.
O livro encontrava-se na minha lista desde 2009, quando uma amiga sugeriu para que eu o lesse, classificando-o como maravilhoso. Outras obras, no entanto, se fizeram mais urgentes e o tempo passou, até que o romance caiu em minhas mãos neste ano e não pude mais resistir. Ainda bem, porque o livro é um daqueles achados que só descobrimos quando nos deixamos levar por uma boa história, que podia ser minha, sua, nossa.
O arroz de Palma trata da imigração portuguesa ao Brasil, no século XX, por meio da saga de uma família em busca de um futuro melhor. A história acompanha cem anos da vida dessa família, por meio de seus filhos e netos, mas tudo sempre intercalado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas, José Custódio e Maria Romana, em 1908, em Viana do Castelo, norte de Portugal.
No momento, em que o casal saía da igreja, como reza a tradição, é abençoado com uma chuva de arroz. Palma, a irmã do noivo, comovida com o espetáculo, decide recolher os grãos e dá-lo de presente ao casal, acrescentando um delicado cartão com os dizeres:
Este arroz – plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha benção. Palma.
A cunhada fica comovida, mas o irmão reprova a atitude e o arroz, dado com tanto amor, resulta na primeira briga do casal. Esses 12 quilos de arroz, no entanto, serão fundamentais em vários momentos da vida da família.
A história, contudo, começa quando Antônio, o primogênito dos quatro filhos que José Custódio e Maria Romana tiveram, e agora com 88 anos, está na cozinha preparando o almoço da família. Ali ele começa a recordar a história de seus pais, o casamento, o arroz e os ensinamentos da tia Palma, a imigração, o crescimento da família, filhos, netos, as desavenças, os desencontros, os afastamentos, os desaparecimentos e tudo o mais. Nesse devaneio, ele fala diretamente ao leitor, que se coloca como seu confidente para ouvir a história, as reflexões e os pensamentos sobre família e a vida desse simpático senhor, como esta:
... Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida – azeitona verde no palito – sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida.
Ou esta, em que desfaz o mito da receita da família perfeita:
 
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe. “Família à Oswaldo Aranha”, “Família à Rossini”, “Família à Belle Meunière” ou “Família ao Molho Pardo” – em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há família doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada – seriam assim um tipo de “Família Diet”, que você suporta só para manter a linha. Seja como for família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
 
De qualquer forma, para ele – e me arrisco a dizer para todos – , o importante é aproveitar ao máximo esse convívio, mesmo porque ele não é eterno.
 ... O que um veterano cozinheiro pode dizer é que por mais sem graça por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana na louça, no alumínio ou no barro, Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, numa mais se repete.
 
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