Considerada
uma das instituições mais antigas, a família, nos primórdios, tinha uma vida
simples, constituída principalmente pelo sistema patriarcal. Nos anos de 1960,
ela chegou a ser considerada falida e tendia a desaparecer, mas, com o decorrer
do tempo, ganhou fôlego, modernizou-se, ampliou-se, diversificou-se, sendo hoje
uma das instituições mais sólidas que existem.
Não é à toa
que um livro, que trate genuinamente desse tema, tenha despertado tanto
interesse, apesar da falta de marketing, se bem que o boca a boca e a internet
representem, aqui, aliados e tantos. Falo de O arroz de Palma, romance de
estreia de Francisco Azevedo, publicado em 2008 pela Editora Record.
O autor,
embora estreante na categoria romance, não é um novato na escrita. Roteirista cinematográfico,
poeta, ex-diplomata e dramaturgo, com sucessos como Unha e carne e Coração na
boca, entre outras, Azevedo publicou dois livros de poesia e prosa poética:
Contra os moinhos de vento (1978) e A casa dos arcos (1984). E, mais
recentemente, o romance Doce Gabito.
O livro
encontrava-se na minha lista desde 2009, quando uma amiga sugeriu para que eu o
lesse, classificando-o como maravilhoso. Outras obras, no entanto, se fizeram
mais urgentes e o tempo passou, até que o romance caiu em minhas mãos neste ano
e não pude mais resistir. Ainda bem, porque o livro é um daqueles achados que
só descobrimos quando nos deixamos levar por uma boa história, que podia ser
minha, sua, nossa.
O arroz de
Palma trata da imigração portuguesa ao Brasil, no século XX, por meio da saga
de uma família em busca de um futuro melhor. A história acompanha cem anos da
vida dessa família, por meio de seus filhos e netos, mas tudo sempre
intercalado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas, José Custódio e
Maria Romana, em 1908, em Viana do Castelo, norte de Portugal.
No momento,
em que o casal saía da igreja, como reza a tradição, é abençoado com uma chuva
de arroz. Palma, a irmã do noivo, comovida com o espetáculo, decide recolher os
grãos e dá-lo de presente ao casal, acrescentando um delicado cartão com os
dizeres:
Este arroz –
plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é
símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha benção. Palma.
A cunhada
fica comovida, mas o irmão reprova a atitude e o arroz, dado com tanto amor,
resulta na primeira briga do casal. Esses 12 quilos de arroz, no entanto, serão
fundamentais em vários momentos da vida da família.
A história,
contudo, começa quando Antônio, o primogênito dos quatro filhos que José
Custódio e Maria Romana tiveram, e agora com 88 anos, está na cozinha
preparando o almoço da família. Ali ele começa a recordar a história de seus
pais, o casamento, o arroz e os ensinamentos da tia Palma, a imigração, o
crescimento da família, filhos, netos, as desavenças, os desencontros, os
afastamentos, os desaparecimentos e tudo o mais. Nesse devaneio, ele fala
diretamente ao leitor, que se coloca como seu confidente para ouvir a história,
as reflexões e os pensamentos sobre família e a vida desse simpático senhor,
como esta:
... Família
é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um
problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da
panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é qualquer
um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de
desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a
conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a
vida – azeitona verde no palito – sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e
abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os
lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida.
Ou esta, em
que desfaz o mito da receita da família perfeita:
O pior é que
ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo
ilusão. Não existe. “Família à Oswaldo Aranha”, “Família à Rossini”, “Família à
Belle Meunière” ou “Família ao Molho Pardo” – em que o sangue é fundamental
para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa
gosta de preparar a família a seu jeito.
Há família
doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm
gosto de nada – seriam assim um tipo de “Família Diet”, que você suporta só
para manter a linha. Seja como for família é prato que deve ser servido sempre
quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
De qualquer
forma, para ele – e me arrisco a dizer para todos – , o importante é aproveitar
ao máximo esse convívio, mesmo porque ele não é eterno.
Precisa
dizer mais?
Adorei esse sabor de Família....
ResponderExcluirQue bacana Vergínia. Adorei também <3
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