domingo, 11 de maio de 2014

Em nome da mãe

“Em nome do pai” inaugura o sinal-da-cruz. Em nome da mãe inaugura-se a vida. (pág. 10).

E é sobre a vida, esse mistério que é a vida, por meio da Maternidade que Em nome da mãe, livro de Erri de Luca, publicado pela Companhia das Letras,em 2007, se centra. Com a palavra Maria – Miriam, na versão hebraica –, a mãe do Menino Jesus – Ieshu –, que vai contar os nove meses entre a Anunciação, na aldeia de Nazaré, à Natividade, em Belém.


Muito se sabe sobre a história de Maria, quando da Anunciação e o Nascimento de Cristo, mas o período da gestação, da dimensão humana da Maternidade, quase nada se conta. O autor, estudioso dos textos bíblicos, por meio de seu conhecimento, mas principalmente da sua sensibilidade, se propõe a desvendar, mas sem compromisso com conceitos teológicos e filosóficos.

A história tem início no final de uma manhã do mês de março, quando Maria é surpreendida por um vento que entra pela janela, e a voz de um anjo faz a Anunciação. Tocada pela graça, ela se apressa em contar a José (Iosef), seu noivo que, depois da estranheza do primeiro momento e por ser homem justo, não só crê na história, como enfrenta a comunidade judaica para proteger Maria e o filho que ela carrega (pelas leis, uma mulher grávida antes do casamento, e ainda de outro homem, deveria ser apedrejada), mas para isso, ele pede que ela lhe conte tudo, palavra por palavra, como foi dito.

Os homens dão tanta importância às palavras, para eles são tudo o que conta, que tem valor. Iosef queria conhecê-las para poder guardá-las, relatá-las. Logo imaginou as consequências legais. O anúncio quebrara nosso compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do casamento. Por isso ele pedia outras palavras, para citar na assembleia, em busca de uma defesa perante a aldeia.

Enfrentando todos, os dois mantêm o compromisso do casamento em setembro, e vão tocando suas vidas. Mas ele perde o emprego na oficina onde trabalhava como ajudante, tendo de montar seu próprio negócio e contar com seu talento para os trabalhos que surgirem. E ela, vítima de acusações e intrigas, segue tranquila, sem se deixar intimidar.


As mulheres cuspiam depois que eu passava por elas. Eu saía para a função do sábado. Diante e seus insultos, endireitava mais a coluna, estufava mais a barriga...

... Estar grávida, crescer feito a lua, contar as semanas como para o transvasamento do vinho, não ter as regras, tudo era uma pureza que me inebriava de alegria...

Em setembro, ao término dos trabalhos nos campos, realizaram-se as bodas. Enfim, casados! Porém, José promete não tocá-la até que o filho nasça. Assim, a vida vai se encaminhando até que chega dezembro e, próximo ao nascimento, José e Maria têm de ir a Belém para o recenseamento, de forma que ela terá de dar à luz sozinha, sem o auxílio de parteiras e da mãe, que ficaram em Nazaré.

A viagem é difícil, mas por fim chegam a Belém. A cidade está cheia por causa do recenseamento e não há hospedaria vaga. José consegue lugar em uma estrebaria, onde poderá abrigar a mulher grávida. Ela diz que o menino nascerá naquela noite, mas não sente medo, sua mãe lhe dera instruções e ela sente que poderá fazer o parto sozinha, uma vez que pelas leis judaicas, o homem não pode participar desse momento.

Senhor, Adonai, a tua frase dirigida à nossa mãe Eva: “Com dor darás à luz filhos” não me amedronta. É correta a hora dos empurrões para fora, do esforço. Será preciso bastante esforço para arrancar o menino de mim. Estamos muito bem, nós dois, num só corpo. Bendito o esforço que nos impõe.                                                  


É tocante o momento do nascimento de Cristo, quando Maria tem de fazer o esforço para ter seu filho, tendo como assistência o jumento no qual viajara e um boi. Mas a melhor parte é depois, quando ela, já com o menino no colo, resolve não chamar José (que ficou do lado de fora do estábulo) de imediato. Era noite, e Maria disse ao marido que pela manhã teria o menino, assim, aproveita esse momento único com o filho para tê-lo só para ela e pensar na sua jornada, sonhar com seu futuro, com uma vida comum. Depois se lembra do Anúncio e roga a Deus que esqueça dele, que não se faça notar, que seja um homem simples, mas sabendo que a hora chegará em que terá de entregá-lo ao serviço de Deus. Então pede que isso não aconteça antes dos 30 anos. Muito mãe, muito lindo.

Erri de Luca é napolitano de origem judaica, estudou iídiche e hebraico, traduziu o Eclesiastes e o Livro de Ruth, mas não é religioso. Foi dirigente do grupo de extrema esquerda Lotta Continua, caminhoneiro e pedreiro. Escreveu seu primeiro livro Non ora, non qui, aos 39 anos, publicando depois outras obras como Aceto, arcobaleno (Prêmio France Culture, 1994), Três cavalos (Berlendis & Vertecchia Editores, 2006) e Montedidio (Prêmio Femina Étranger, 2002).

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