sexta-feira, 6 de junho de 2014

Agonia e êxtase

Nunca tinha lido nada de William Faulkner, o premiado escritor norte-americano, agraciado em 1949 com o Nobel de Literatura, em 1951 e 1955 com o National Book Awards, e em 1955 e 1962 com o Pulitzer. Por isso, nem sabia por onde começar. Já tinham me falado que seus livros eram muito densos e difíceis de ler, o que me deixava com um pé atrás, mas acabei me deparando com Enquanto agonizo, obra publicada em 1930, indicada em um dos Clubes de Leitura dos quais participo.

Faulkner alegou ter escrito o romance em seis semanas, enquanto trabalhava, em uma usina elétrica, levando carvão para a caldeira. Durante a noite, não tinha muito trabalho, então aproveitou para escrever. Uma façanha e tanto, já que o livro é considerado uma de suas principais obras, na qual utiliza da técnica da narrativa de fluxo de consciência, com vários narradores. Cada um abre um capítulo, alguns mais longos e outros mais curtos.

Confesso que narrativas com fluxo de consciência me cansam. Fico perdida entre os pensamentos dos personagens e acabo confusa, o que fatalmente me obriga a retomar os trechos lidos. Com Faulkner não foi diferente, embora os capítulos, não muito extensos, facilitassem a leitura, mesmo com a diversidade de vozes narrativas.

Da estranheza e dificuldades iniciais surgiu uma empatia grande que, por fim, se transformou em um fascínio, uma entrega ao livro, à história. Rendi-me a Faulkner e terminei o livro completamente encantada.

São 59 capítulos nos quais se alternam as vozes de 15 personagens diferentes. A história gira em torno da morte da matriarca de uma família pobre do sul dos Estados Unidos: Addie Bundren, casada com Anse Bundren, com o qual tem cinco filhos: Cash, Darl, Jewel, Dewey Dell (a única mulher) e Vardaman (este um menino ainda).

Moribunda, a mãe assiste da janela a confecção de seu caixão por Cash, o filho mais velho que é carpinteiro e tem um problema na perna em razão de um acidente. A cena é, no mínimo, surreal, como neste trecho narrado por Darl:

É por isso que ele está lá fora embaixo da janela, martelando e serrando aquele maldito caixão. Onde ela pode vê-lo. Onde todo ar que ela aspira está impregnado das marteladas e serradas onde ela pode vê-lo dizendo Veja. Veja que beleza estou fazendo para a senhora.

Com a morte de Addie, seguida de seu funeral, começa o martírio da família para enterrá-la, pois era seu desejo ser sepultada na cidade de Jefferson, distante do lugarejo onde moram. Nessa empreitada vamos conhecendo os personagens e, principalmente, o marido e os filhos de Addie, cada qual com seus problemas, como se vivessem em um mundo à parte: da gravidez de Dewey Dell (que vai em busca do aborto, pois a família não sabe de seu estado), passando pelas loucuras de Darl (o personagem com mais voz) até Vardaman, que associa a mãe a um peixe, as histórias vão se encaixando.

Mas a viagem não é fácil, dificultada ainda mais pelas recentes chuvas que caíram na região e acabaram inundando as pontes principais sobre o rio. Na travessia, o caixão é jogado para fora da carroça em que era transportado, mas Jewel, um dos filhos, consegue resgatá-lo. Assim, a viagem prossegue por mais de uma semana, uma peregrinação em que o leitor acaba se enredando, como se fizesse parte daquela caravana absurda, que já começa a trazer no bojo o cheiro da morte.

Uma das passagens mais interessantes é quando a morta, Addie Bundren, tem sua vez na narrativa. Faulkner também dá voz à mulher, que conta sua versão dos fatos, esclarecendo e enriquecendo partes da história. Aos poucos tudo vai ficando mais claro e o leitor se vê tomado pelo livro.

O desfecho da história é surpreendente, mas não deixa de ser engraçado. E ao chegar ao fim, temos a certeza de que valeu a pena a persistência, esquecer as estranhezas iniciais, avançar um pouco mais na leitura e se deleitar com a escrita de Faulkner.

2 comentários:

  1. Nunca li esse livro, mas pela sua resenha deve ser bem interessante!
    Quem sabe um dia...
    Gostei do blog, seguindo...
    Bjs, Lu
    http://resenhasdalu.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Luiza, pra mim foi uma bela surpresa.
      Se um dia quiser ler, acho que não vai se arrepender. Beijos.

      Excluir