terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Ulysses da minha vida

 




Já li muitos e diferentes livros - porém não tanto quanto gostaria, mas acredito ser uma quantidade razoável - e boa parte deles estão dentro de mim, porque vez ou outra me pego pensando e lembrando de trechos e passagens das histórias. Alguns me marcaram mais, outros menos, tenho os preferidos, os queridinhos, os lindos, o que se parecem comigo, os que recomendo sempre, os que me fizeram ler mais e melhor e os de cabeceira, entre outros, mas existem dois que considero como os livros da minha vida.

O primeiro deles é Fogo Morto, de José Lins do Rego, livro que li na adolescência, aos 15 anos, quando cursava o segundo grau. Esse livro me proporcionou grande fascínio e me marcou de tal forma que me vi apaixonada pelo universo regionalista brasileiro. O segundo livro é Ulysses, do escritor irlandês James Joyce, que li aos 56 anos, e é sobre ele que quero falar.

Neste 2 de fevereiro, Ulysses completa 100 anos da sua publicação, exatamente no mesmo dia em que James Joyce comemorava seus 40 anos - hoje ele teria 140. O livro chegou causando muita polêmica e ojeriza, mas também quebrou paradigmas, revolucionou e abriu novas possibilidades ao romance moderno. A trama descreve um dia - o 16 de junho - na vida de Leopold Bloom, homem comum da Dublin de 1904, e seus compatriotas, traçando assim um panorama da experiência humana, tendo como estrutura a Odisseia, de Homero, mas de uma forma transgressora.

Ulysses sempre foi um mistério para mim, e só depois de lê-lo, há apenas seis anos, é que me dei conta de que ele estava ligado à minha vida de leitora. A primeira vez que ouvi falar de Ulysses, acho que na verdade do autor, foi na pré-adolescência, mas ainda como algo distante, apenas sendo citado pelo meu pai como um escritor que não deveria ser lido. Essa lembrança é um tanto nebulosa, eu era criança, e a impressão é vaga, mas lembro de ter despertado uma curiosidade em mim, talvez por ser algo meio transgressor, e foi ali que a ideia de ler os livros de Joyce começou a surgir, embora eu ainda não soubesse disso.

Mais tarde, os livros em geral passaram a ter uma importância maior na minha vida e fui descobrindo autores, outras publicações e a literatura, ficando cada vez mais fascinada e apaixonada pela vida de leitora. Comecei a me interessar pelos clássicos e percebi que em todas as listas de livros para ler, Ulysses, de James Joyce, sempre aparecia. Sim, o livro daquele autor que ouvi falar na minha infância e que despertou algo em mim. Decidi então, que era a hora e passei a me preparar para lê-lo, já que as análises o apontavam como desafiador.

Participei de debates e cursos sobre o livro, li algumas resenhas, passei a pesquisar guias de leitura, busquei referências e li os dois livros de James Joyce que me levariam a Ulysses, sua obra máxima: Dublinenses e Retrato do Artista Quando Jovem, cuja leitura me fazia delirar a cada parágrafo - ainda que eu não entendesse muito bem - por ter me iniciado em James Joyce.

O tempo passou, mas ainda não me sentia pronta para a leitura de Ulysses, até que em 2016 surgiu a oportunidade de viajar para Dublin, na Irlanda, terra natal de Joyce e cenário do livro. Na verdade, a escolha foi proposital, fui para lá para ler Ulysses, conhecer a cidade onde se passa a história, andar pelas mesmas ruas que Leopold Bloom faz sua jornada homérica e estar nos lugares de parada citados no livro. Foi bárbaro, foi mágico, foi incrível.

Em Dublin, cercada de referências ao livro e a Joyce, eu comecei Ulysses, na edição da Penguin/Companhia das Letras, com a tradução para o português de Caetano Galindo, já que o meu inglês não chegava (e ainda não chega) a tanto para ler um livro tão denso e engenhoso na sua língua original. Mas tive a oportunidade de ler duas páginas de um capítulo em inglês, em uma roda de leitura da obra na famosa Sweny's Pharmacy, hoje uma livraria. No livro, Leopold Bloom para no local, uma espécie de botica antiga, com prateleiras repletas de frascos alquímicos, para encomendar uma loção para a esposa, Molly Bloom, e comprar um sabonete de limão para um banho. Esse sabonete é vendido hoje como um souvenir e é claro que o adquiri.

Minha estadia em Dublin coincidiu com o Bloomsday, em 16 de junho, dia dedicado ao livro, na verdade não foi uma coincidência, viajei para estar nessa data na cidade. Foi uma experiência única, fascinante e que abriu ainda mais meus horizontes e a disposição para encarar o livro. Não foi uma leitura fácil, não li rápido, levei meses, mas foi uma caminhada firme, trabalhosa, constante e extremamente gratificante, porque desafiadora e exigente. Não se sai a mesma pessoa depois dessa leitura.

Ulysses é um livro envolvente e sua leitura, embora difícil, enriquece, fascina, atordoa. Espero voltar às suas páginas novamente, quem sabe um dia, mas, enquanto isso, vou acompanhando os estudos, os cursos, as palestras e as análises dessa obra prima de James Joyce.

Parabéns, Ulysses! Parabéns e obrigada, James Joyce!

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