A literatura
me pegou de vez na adolescência, época em que livros como Fogo Morto, de José Lins do Rego, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, me abriram os olhos para outro
Brasil e me fizeram gostar de obras de cunho puramente regionalista. Passei então
a me aventurar pelos livros dos dois escritores, acrescentando a estes Morte e vida Severina, de João Cabral de
Melo Neto, e Juca Mulato, de Menotti
del Picchia, entre outros.
Durante um
bom período só esse tipo de literatura me interessava, mas, com o passar do tempo, fui me expandindo para outros gêneros e acabei meio que esquecendo daquela
minha primeira predileção literária. Até que, recentemente, foi sugerido, em um
dos Clubes de Leitura que frequento, a leitura de O coronel e o lobisomem, do escritor brasileiro José Cândido de
Carvalho, obra lançada em 1964 pela José Olympio Editora.
Pra ser
sincera eu já havia assistido à adaptação de 2005 do romance para o cinema,
produzida por Guel Arraes e dirigida por Maurício Farias. O ator Diogo Villela
interpretava o Coronel, tendo ainda como parceiros Selton Mello, como
Pernambuco Nogueira, e Ana Paula Arósio, como Esmeraldina. Achei divertido e
gostei do filme, mas só. Depois esqueci.
E foi apenas
quando li o livro que consegui captar a extensão da obra como um todo,
resgatando do meu íntimo aquela antiga paixão pelos romances regionais. Eu
simplesmente amei o livro e foi uma das mais prazerosas leituras que fiz este
ano, até o momento. Uma delícia.
O romance,
que mescla realismo fantástico a fábulas e superstições, narra a história do
coronel Ponciano de Azeredo Furtado, integrante da Guarda Nacional e herdeiro
de Mata-Cavalo e Sobradinho, além de outras propriedades. Órfão de pais, ele
vive com o avô quando menino e, mais tarde, vai estudar em Campos de Goitacazes
(RJ), onde acaba se integrando ao militarismo.
Com
linguagem própria, a história é narrada pelo próprio Ponciano, e ganha
contornos quando o avô morre, e o neto assume as propriedades. Ali conta suas
aventuras e desventuras, mostrando-se como “homem de barba grande e voz grossa”,
destemido e respeitado em seus quase dois metros de altura. Na verdade ele se “mostra”
corajoso e torce os fatos sempre a seu favor nos causos mais engraçados e
inusitados, como, o encontro com a sereia, a descoberta de um lobisomem e a
caça à onça –pintada
São
aventuras fantásticas que fazem o leitor viajar e se deleitar, apesar da
linguagem difícil, carregada dos regionalismos peculiares à obra. Mas vencidas
as primeiras barreiras, o que se tem à frente é um romance bem escrito e saboroso,
com personagens marcantes e divertidos. Dentre estes, além do próprio coronel, destaque
para Vermelhinho Pé de Pilão”, o galo de briga que Ponciano ganhou, chamado por
este carinhosamente de “capitãozinho”.
Mirradinho a princípio, segundo o
coronel, foi alimentado e treinado para se tornar o mais temido e invencível galo
de briga da região. Uma graça, cuja empatia com o dono é de enternecer o
coração, como na passagem em que Vermelhinho para não “estragar” as relações
que Ponciano criou com outro fazendeiro, “resolve” não vencer a briga com o
galo desse. Então o coronel resolve intervir:
Encontrei o capitãozinho na lavagem,
a cabeça empapada de sanativos. Mirou o dono com olho tristento de quem
estivesse dizendo adeus-vou-embora, pedindo desculpas por tão grande desgosto.
Digo que fiquei de coração quebrado e estive a ponto de verter lágrimas no
peitinho dele. Ia fazer essa vergonha, retirar o galo da demanda, quando vi Sinhozinho
em discussão ferrada no meio de um povaréu de boiadeiros. Não podia desmerecer
da confiança do velho, pelo que mandei Antão Periera deixar Vermelhinho por
minha conta:
– Quero ter um particular com esta mimosura.
As aventuras
de Ponciano na fazenda são fantásticas, mas elas acabam mudando de rumo quando
ele se desloca para Campos, tornando-se ali especulador de açúcar e se
estabelecendo na cidade. Mulherengo de mão cheia, não resiste a um rabo de
saia, mas todas suas tentativas de se casar caem por terra, até que conhece
Esmeraldina, esposa de seu amigo Pernambuco Nogueira. Aqui não se pode afirmar
com certeza até que ponto havia uma combinação entre o casal, mas o fato é que
Esmeraldina “joga” seu charme pra cima de Ponciano, enquanto Nogueira recebe de
bom grado os empréstimos e a ajuda financeira oferecidos pelo coronel.
O triângulo
amoroso me fez lembrar de Quincas Borba,
de Machado de Assis, quando o protagonista Rubião se vê enamorado de Sofia,
esposa de Cristiano, e, enredado pelos dois, acaba perdendo sua fortuna para
esses.
O final de O coronel e o lobisomem não poderia ser
mais emblemático do caráter e das disposições de Ponciano, mas também triste e
belo. O que se sente, ao terminar o livro, é ter embarcado em uma viagem cujo
retorno é difícil, mas, ao mesmo tempo, inesquecível.
José Cândido
de Carvalho nasceu em 1914, em Campos dos Goitacazes. Era filho de lavradores
emigrados do norte de Portugal que se aventuraram no comércio. No Rio de
Janeiro iniciou carreira de jornalista e, admirador dos romances de José Lins
do Rego, começou sua vida literária com o romance Olha para o céu, Frederico, em 1939. O coronel e o lobisomem foi seu segundo romance, mas apenas publicado
25 anos depois, causando grande impacto. Publicou ainda mais sete romances,
inscrevendo, definitivamente, seu nome na literatura brasileira.
Passando para leitura rápida e gostosa.
ResponderExcluirAle Baby
Sempre tive um amor especial pelos romances regionalistas,eles esboçam a cultura local e aproximam o leitor desse universo. Aqueles que fazem parte do local se deleitam a se verem espelhados e descobrem que fazem parte da trama, uma emoção extasiante. Pó outro lado, muitos desses escritores teimam eu construir uma linguagem erudita ao alcance de poucos. Como convencer um jovem a ler O Coronel e o Lobisomem, principalmente nos dias de hoje?
ResponderExcluirDesculpa Cecilia, foi apenas um desabafo. Longe de mim fazer alguma critica a esse ou aquele escritor, mas a verdade é que poucos leem esse estilo riquíssimo de nossa literatura. Eu tinha 14 anos quando um professor nos obrigou com uma prova a ler Os Sertões.Claro que ele deu um bom tempo para isso. Só eu li na turma, os outros deram lá seu jeito e passaram de ano. Eu li e me deleitei, claro que com um dicionário do lado. Quando fiz faculdade de Letras numa cadeira de Literatura Brasileira, o professou passou várias aulas falando de Guimarães Rosa e sugeriu que lêssemos para prova alguns de seus livros de contos. Ele não teve coragem de sugerir o Grande Sertão: Veredas. Sabia que a maioria ia recorrer a outros meios para saber do livro. Eu, já sabendo que ia estudar o tal escritor, o li nas férias, antes da disciplina. Não sou melhor que ninguém, o que eu acho é que, até os adultos, poucos gostam de ler pelo prazer da riqueza da narrativa. Mas também acho que muitas pessoas que gostam também têm preguiça, sim pois se precisa recorrer aqui e ali a um dicionário, ou esperar entender o sentido do texto.
Não li O Coronel e o Lobisomem, ainda, mas fiquei tentada ao ler sua resenha.
Beijos
Monica, que prazer receber sua visita e um comentário. Fique à vontade para fazer sempre.
ResponderExcluirVocê tem razão, são leituras difíceis e muitas vezes feitas por obrigação na época da escola, o que dificulta ainda mais. Eu tive a felicidade de fazer todas, com exceção de Fogo Morto (que amei) por pura opção e prazer. Confesso que tem muitas palavras que não entendo, mas vou passando por elas e tentando entender no contexto, quando não dá procuro no dicionário, mas, apesar disso, vale a pena, o que se conquista ao fim é algo pra toda a vida. Beijos.
Beijinhos, Alê, apareça mais vezes.
ResponderExcluirOlá!! encanta-me seu blog quisesse afiliarlo em meus sites e você enlaça ao mio, se aceita me responde com uma mensagem a emitacat@gmail.com
ResponderExcluirbeijos!!
Emilia
Pelo jeito faz tempo que alguém não faz um comentário aqui. Mas hoje no ano de 2017, acabei de ler "O Coronel e o Lobisomem" e achei seu blog. Tenho 18 anos. Esse livro simplesmente é fantástico e um dos melhores romances que já li e isso é muito pq sou homem de muitas leituras. O seu texto está de parabéns e alias, eu li a mesma edição que você leu. A capa é igual. Peguei em uma biblioteca por acaso e pelos anos que está lá pelo que me parece sou o segundo a ler.
ResponderExcluirOi Ivan, fico feliz por você encontrar meu blog. Já fui mais assídua para escrever, mas estou ensaiando voltar. Que bom que gostou do livro e fico admirada, pois um rapaz tão jovem ler esse livro e gostar, puxa, que maravilha. Também peguei o livro na biblioteca e amei. Obrigada pelos elogios e continue nesse caminho. Volte mais vezes. Abs.
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