quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O meu apocalipse

A aula de Português estava animada e produtiva, como acontecia todas as vezes que a disciplina era ensinada, com os alunos fazendo várias intervenções e brincadeiras. A professora, no entanto, mantinha o controle da sala e conseguia monopolizar a atenção de todo mundo. Esta era uma das aulas de que mais gostava, só que não me lembro bem o ano, só sei que estava no 1º grau – hoje equivalente ao Ensino Fundamental – época em que as ideias fervilhavam na minha cabeça.

Ainda com aquela ideia de ser escritora, mas quase mudando para o jornalismo, tive um rápido insight e acabei levando a minha imaginação a criar uma história, ou melhor, a começar uma história, um pequeno conto em que da animada aula, viveríamos um pesadelo imenso ao sair da sala.

Era mais ou menos assim: a aula acontecia naturalmente, com a matéria sendo explicada e a turma recebendo as lições com interesse, haveria espaço para questionamentos e até brincadeiras. Lá fora caía uma tempestade forte, recheada de trovões e relâmpagos, que duraria até o término das aulas. Dado o sinal, todos se apressam em ir embora, mas ao transpor o portão do colégio a turma sente alguma mudança no ar e percebe, aos poucos, que o mundo ao redor já não é o mesmo e que o tempo dera um salto enorme, de forma que toda aquela vida que conhecíamos havia ficado para trás, perdida num passado longínquo. Apenas “nós” ainda éramos os mesmos.

Bom essa era a trama central, mas não cheguei a desenvolver a continuação. Não consegui pensar em mais nada e ir em frente com o texto. Acabava assim a trajetória da “aspirante” a escritora de ficção para dar lugar a jornalista da vida real.

A ideia do meu conto, eu sei, não é tão original assim. Mas qual não foi minha surpresa quando li Blecaute, de Marcelo Rubens Paiva, que lembrava a minha história, mas claro, muito melhor, com mais ação e uma continuação digna de nota. A narrativa é despojada, instigante, imaginativa. É uma leitura de um fôlego só, que não se consegue largar até chegar ao fim.

O enredo se passa em São Paulo, onde dois rapazes e uma garota, de volta de uma expedição que fizeram a uma caverna do Vale do Ribeira, percebem a cidade deserta, ou melhor, com pessoas, mas estas se encontram duras, como que cobertas por uma capa plástica. Cada uma parada conforme a atividade que estivesse executando no momento em que aconteceu essa espécie de “blecaute”, paralisando tudo, para sempre.

Sozinhos em meio a uma São Paulo caótica, os três personagens – Rindu (narrador), Martina e Mário – tentam sobreviver, buscando entender o que aconteceu à cidade e descobrindo que a situação se estendia ainda a outras regiões do estado, do país, do mundo.

A ideia recorrente de apocalipse sempre acompanhou a humanidade, talvez por isso as catástrofes populacionais na ficção não sejam uma novidade. Mas a maneira de contar sim.

No início do livro, Marcelo Rubens Paiva lembra que para escrever Blecaute se inspirou nos episódios da série Além da Imaginação, telessérie americana, que apresentava histórias de ficção científica e terror, em diversas temporadas, nos anos de 1959, 1985 e 2002.

No livro, a personagem Martina, tentando entender a nova realidade, recorda do filme A última esperança da terra, com Charlton Heston no papel principal, cuja história gira em torno de um cientista que, após a devastação da Terra por uma poderosa peste, se dá conta de ser o único sobrevivente vivo.

O filme, por sua vez, foi baseado no romance de ficção científica Eu sou a Lenda, do escritor americano Richard Burton Matheson, que teve ainda outras duas adaptações cinematográficas: O último homem da terra, com Vicent Price, e Eu sou a lenda, com Will Smith.

Blecaute é, sem dúvida, inspirado nessas histórias para lá da imaginação. Entretanto, para escrever o livro, Rubens Paiva teve também outros estímulos, como as músicas de Tom Waits, King Crimson e Duke Ellington. Confessa ter estado ”deprimido por descobrir o tédio e a solidão, apesar dos apelos, o vício acima de tudo, apesar do universo em expansão (ideia recorrente na obra), sentindo amor pela juventude e ódio pela verdade”.

Todos esses sentimentos estão expressos, de uma forma ou de outra, no livro, como na passagem, no início da história:

No princípio, o Céu e a Terra eram fenômenos divinos; e só. Em seguida, a Razão, a Ciência encontrou teorias que os definissem. A luta da humanidade era explicar o inexplicável. Hoje... meu corpo se curvou para a frente, cansado, desiludido. Dane-se! Me lembro de uma música que falava “Tudo, tudo, tudo vai dar certo...” e acho engraçado. Nada deu certo. Já me falaram de uma nova Era. Já me falaram do universo em expansão. Mas nada deu certo. Nada.
Começou há muito tempo. Sei lá, há uma porrada de tempo.

Depois da leitura de Blecaute entendo o porquê de não ter dado prosseguimento à minha história. Acho que tudo o que pudesse imaginar não ficaria tão bom assim. Adoro ficção, mas definitivamente sou uma escritora da vida real.

3 comentários:

  1. Oi, Cecilia
    Li esse livro na adolescencia e adorei..pena que emprestei para alguem que nunca me devolveu...bjs

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  2. Eu deveria ter uns 15 anos quando li esse livro e na época me impressionou bastante.

    Ainda hoje recomendo sempre que tenho oportunidade.
    Merece uma releitura.

    Falando de temas catastróficos, também gostei de Não verás país nenhuma. A história também é ótima.

    Beijos,
    Dri Ornellas
    http://a-menina-do-fim-da-rua.blogspot.com

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  3. minha prof de portugues era excelente, tudo o que sei hoje devo a ela!
    bjs, boa semana!
    Cris

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