quinta-feira, 14 de julho de 2011

Meu olhar sobre a Flip

Era a quarta vez que eu desembarcava naquele paraíso, era a quarta vez que eu iria participar daquela festa literária, era a quarta vez que eu me equilibrava para andar por aquelas ruas de calçadas irregulares e escorregadias. No entanto, era como se fosse a primeira vez, pois tudo me soava como novo, desconhecido e belo.

É, Paraty tem mesmo o encanto da inovação – ou melhor, da reinvenção, de se transformar a cada nova estadia do visitante à cidade. Pelo menos é assim para mim, que não me canso de visitá-la, ainda mais se puder aliar sua beleza e cultura ao fascínio exercido pela literatura.

A Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece na cidade, agora em sua nona edição, reinventou-se, possibilitando uma integração maior entre a margem que abriga o centro histórico da cidade, propriamente dito, e a margem do outro lado da ponte, que desemboca na Praia do Pontal.

Com essa nova estrutura, a tenda do autor, a tenda dos autógrafos aliada à Livraria da Vila, a tenda do telão e a simpática lojinha da Flip, acrescida de bem instaladas máquinas de vender livros, destas que existem nas estações do metrô de São Paulo, passaram a ocupar o mesmo lado, da Praia do Pontal. E ganharam um bonito calçadão, onde foram montados estandes dos patrocinadores da Festa, uma novidade desta edição.

A beneficiada com a mudança foi a Flipinha (direcionada ao público infantil), que adquiriu um espaço maior, no centro histórico, além de uma biblioteca. A única ressalva ficou para a Flipzona (voltada para os adolescentes e jovens), montada no espaço reduzido de um casario do centro, que mal comportava a quantidade de pessoas ávidas pela programação, gratuita, que oferecia.

Infelizmente não pude participar integralmente da Flip, que este ano homenageava o antropofágico Oswald de Andrade. Cheguei à Festa quase no final de seu terceiro dia e, com isso, perdi a mesa da argentina Pola Oloixarac, alçada à musa da edição, dividida – e um pouco ofuscada, se isso é possível – pelo português valter hugo mãe (letras grafadas em minúscula mesmo), que protagonizou – pelo menos foram esses os comentários que ouvi e depois li – um dos momentos mais emocionantes da Flip, ao ler um texto em que falava da sua relação com o Brasil por intermédio de brasileiros que conhecera na infância (veja aqui http://migre.me/5gM5m).

Ao menos tive o prazer de vê-lo, no final da tarde, ainda na mesa de autógrafos, mesmo depois de quase duas horas do término da sua mesa. Seu livro, Remorso de Baltazar Serapião, e o de Pola, As Teorias Selvagens, estão na minha lista de obras a ler.

A surpresa melhor viria mais tarde, quando no espaço da Companhia das Letras, montado num casario no centro histórico, vi Joe Sacco, o jornalista quadrinista, razão principal de ter me aventurado em mais uma edição da Flip, e me atrevi a solicitar uma foto ao seu lado. Gentil e simpático, ele não só tirou a foto comigo, como ainda quis ver o resultado na câmera.

Já, à noitinha, assisti à leitura da peça teatral Tarsila, de Maria Adelaide Amaral, feita pelos atores Eliane Giardini (Tarsila do Amaral), Beth Golfman (Anita Malfatti), José Rubens Chachá (Oswald de Andrade) e Pascoal da Conceição (Mário de Andrade), os mesmos que deram vida aos personagens modernistas na minissérie global Um só coração. Foi uma delícia ouvi-los e conhecer um pouco mais desses brasileiros.

No sábado assisti a tão esperada mesa de Joe Sacco, que mostrou detalhes da obra Notas sobre Gaza e de como os quadrinhos conseguem expressar, sequencialmente – abrangentemente – aquilo que a fotografia traz em apenas um click. E foi enfático em afirmar que, embora seus relatos sejam de guerra, seu interesse não são bombas, massacres, violência, mas sim retratar os civis frente aos conflitos.

O bate-papo com Sacco estava interessante, mas eu comecei a pensar na longa fila que já deveria estar se formando do lado de fora para o autógrafo. Ainda assim, não quis deixar a tenda antes, afinal, era para ouvi-lo que eu tinha ido a Paraty, e disso não iria abrir mão. Ainda bem, porque, por sorte, uma amiga que estava no início da fila veio me resgatar e, assim, pude me deliciar com os autógrafos do autor nos dois volumes de Palestina.

Já me dava por satisfeita, achando que minha ida a Paraty estava mais do que justificada quando, outra boa surpresa me alcançou naquela tarde. Vi João Ubaldo Ribeiro na rua, cercado de fãs que se acotovelavam para tirar uma foto com ele. Juntei-me a eles e também pude tirar uma lasquinha da investida. Ali, vendo-o sorridente e me parecendo até mesmo encantado com os leitores, desfez-se a impressão que tinha: um escritor sério, mal-humorado, sem paciência.

Sua mesa, Alegoria da ilha Brasil!, foi divertidíssima, uma das melhores – e mais lotada nas duas tendas - que assisti nesses anos que frequento a Flip. Franco, aberto, bem humorado, João Ubaldo surpreendeu ao falar sobre as razões que o levaram a escrever um de seus maiores sucessos – Viva o Povo Brasileiro: “quis fazer um livro grosso para esfregar na cara do Pedro Paulo (Sena Madureira, então editor na Nova Fronteira), o que efetivamente fiz”. Na época, o editor dissera a Ubaldo que escritor brasileiro só fazia livros finos para serem lidos na ponte aérea, daí sua revelação na Flip: “Não quis reescrever a história do Brasil. Quis escrever um romance bem escrito, caprichado e grosso”, e lembrou que os originais pesavam 6,7kg!

No final da noite assisti Lugares escuros, uma das mesas mais aguardadas da Flip com o escritor americano James Elroy. Da infância marcada pelo brutal assassinato da mãe, Elroy enveredou pelos caminhos do romance policial, sendo autor de sucessos como Dália Negra e Los Angeles - Cidade Proibida, ambos adaptados para o cinema. Era natural a expectativa em torno dele. No entanto, embora os comentários pós mesa tenham sido favoráveis, sua entrada performática e teatral no palco me irritou, mas mesmo assim insisti em continuar. Suas declarações e comentários, no entanto, foram poucos claros para mim e acabei desistindo de assistir a mesa até o fim. Mas isso não significa que não queria ler seus livros, uma coisa não exclui a outra.

Mas nem só de literatura se vive na Flip, embora ela seja o fio condutor dos acontecimento. A Festa ainda proporcionou reencontros memoráveis, de amigas queridos, como Mari, de Curitiba, que tem um blog bacana, o Orelha do Livro ( http://www.orelhadolivro.com.br/ ) e que conheci na primeira vez que fui a Paraty. Comigo, Gil, a Princesa Amnésia, de São Paulo, também descoberta na minha primeira Flip, e que escreve textos lindos, como os do seu blog http://www.mundodaamnesia.blogspot.com/ E ainda tive a oportunidade de conhecer o garoto  Heitor, do blog do Le-Heitor (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/), acompanhado de seus pais. Um personagem simpático, apaixonado pela literatura.

E, por fim, o maracatu nas ruas, o show quadrilhanesco (se é que existe esta palavra), as performances artísticas nas calçadas, o artesanato local, a beleza das igrejas, o som repousante das ondas na Praia do Pontal, o sol iluminando o centro histórico, as carrocinhas de doces e os bares lotados na noite paritiense dão sempre um colorido a mais à Festa.

Fui embora de lá com gostinho de quero mais... A nona edição nem bem terminou e já estou sonhando com a próxima. Será que 2012 ainda demora muito a chegar?


* A foto da Pola Oloixarac é de Carolina Campos, a de valter hugo mãe é de Ana Pereira, e a de James Elroy é de WikimediaTripsspace. As demais são de autoria da Princesa Amnésia.

6 comentários:

  1. Em 2012 estarei lá... sempre quis,nunca foi possível por compromissos de trabalho.No próximo ano ,será.Seu relato aumentou o desejo.

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  2. Geeeente, eu não sabia a origem do tamanho do livro do Ubaldo! Cecília, já aprendi horrores contigo! E já acho Paraty tudo de bom, mas com a Flip fica melhor ainda. Beijão

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  3. Puxa Cecilia, fiquei com inveja, juro! Tenho muita vontade de conhecer Paraty em qualquer época do ano, mas o bom mesmo, era se eu fosse para a Flip. quem sabe em 2012!Bju

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  4. Oi, Ceci! Adorei tudo e ainda mais sua foto com Ubaldo. Ele é fera!
    Não estive na Flip, mas fiquei interessa, pelas coisas que li e vi, em ler o livro da Pola, mas principalmente os de Péter Esterházy, "Os verbos auxiliares do coração" e "Uma mulher". Só os nomes já são lindos.

    Obrigada por dividir com a gente esse momento! ;)

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  5. Que delícia de aventura! =D
    Fiquei sabendo da FLIP na semana passada, porque comprei o jornal "Folha de São Paulo" no domingo, e na "Revista da Folha" tinha uma reportagem sobre os escritores que NÃO foram convidados para o evento. Achei bem desnecessário fazerem essa reportagem, ainda perguntando para os escritores se eles haviam já haviam sido convidados ou não para o evento, e cada um deles dando as suas justificativas - algumas bem polidas e educadas, outras bem mais amargas. Acho que se fizessem um apanhado com todas as coisas interessantes que o evento traz/trouxe, seria uma reportagem muito mais proveitosa, especialmente para as pessoas que não foram. Mas como você já fez um apanhado sensacional no seu blog...não fiquei desinformada! ;D Reportagem completa, haha!

    E o João Ubaldo...até o citei em meu TCC, haha! Seria um grande prazer conhecê-lo. Sensacional a sua viagem!

    Grande beijo e saiba que deixou muitos leitores (e apreciadores da arte, em geral) com invejinha branca, agora! hahaha!

    (e quanto ao que disse no meu blog, nem precisa agradecer! Gosto muito de passar aqui e ler o que escreve!)

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  6. Oi, Cecilia. Adorei conhecer você lá na Flip, meus pais também gostaram. Lendo o seu post agora, descobri muito mais coisas de lá. Você tinha razão, a Flip é muito legal! Também quero voltar no ano que vem. Beijos!

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