Eu não costumo ler tão rápido e, se porventura me pego
correndo por entre as páginas de um livro, paro, respiro, retrocedo, relaxo.
Mas não foi isso o que aconteceu quando li Morro
da Favela, a graphic novel de
André Diniz: eu simplesmente não consegui parar de ler, tão absorta que fiquei
com a leitura, até chegar às páginas finais com a emoção à flor da pele. Linda
demais.
Com roteiro e desenhos de André Diniz, a HQ narra a história de Maurício Hora, sua vida na favela, o relacionamento com o pai – primeiro traficante de drogas do Morro –, as amizades, as batidas da polícia no lugar, a camaradagem na comunidade, a busca pelo significado da existência, a paixão despertada pela fotografia, o reconhecimento como fotógrafo.
O Morro da Providência, conhecido popularmente como o
Morro da Favela, está localizado próximo a Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
A HQ começa explicando a origem do nome popular, surgido por causa da Guerra de Canudos, na Bahia. Na época,
os soldados do governo atacaram o vilarejo de Antonio Conselheiro utilizando um
morro, o Morro da Favela. Na verdade, favela é um arbusto comum na caatinga
baiana, abundante na região.
Ao derrotarem Canudos, os soldados, na volta ao Rio de
Janeiro seriam recompensados com casas concedidas pelo governo. Atrasos
burocráticos, no entanto, atrapalharam a entrega e, em 1897, eles ocuparam o
morro e o apelidaram de Morro da Favela. Com o tempo, o termo passou a
denominar agrupamentos desordenados no Rio de Janeiro e no Brasil, assim, para
diferenciá-lo, passou a se chamar Morro da Providência, nome da região em que
se encontra.
Apesar de retratar a vida de Maurício Hora na favela, a
HQ trata, também, do sentimento de um filho pelo pai que, embora “bandido”,
ainda que um “bandido à moda antiga”, que ajudava e impunha respeito à
comunidade, era o seu herói. E, mesmo diante das adversidades, com todos os
conflitos e discriminação, Maurício soube construir uma vida sólida sem renegar
suas raízes, como expresso na passagem:
Mesmo
sendo filho de bandido, entendi que eu não era ele, então eu fiz a minha
história a contramão da história do meu pai. Passei a me conhecer melhor, a
conhecer a história do morro e a entender que não tinha vergonha de ser favelado.
Descobri um lado maravilhoso da Providência.
Um dos momentos mais emocionantes da história é a parte
em que Maurício, convidado para dar aulas de fotografia aos moradores da região,
constata que a maioria dos alunos não têm câmeras, mas não desanima por isso. E
ensina da maneira como ele próprio aprendeu, sem câmera, enquadrando as imagens
com a mão e observando-as com o olhar:
Fotografia
é isso, é ver antes de ter feito a imagem. Antes tem que formar a imagem nas
suas cabeças.
A
câmera só registra o nosso olhar. A gente aprende a usar uma câmera e depois
ela fica ultrapassada. Mas quando você desenvolve um olhar fotográfico, isso é
seu para toda a vida.
Publicada em 2011 pela Leya / Barba Negra, a HQ traz
desenhos em preto e branco, em que se alternam luz e sombras no traço anguloso,
ressaltando ainda mais o excelente roteiro. Ao final, a graphic novel traz fotografias coloridas feitas por Maurício Hora,
cujo trabalho visa transformar e dar visibilidade à favela.
André Diniz, além de roteirista e desenhista de HQs, é autor
e ilustrador de livros infanto-juvenis. Em 2010 ganhou o prêmio HQMix de melhor
roteirista por seus trabalhos publicados em 2009: 7 Vidas e Ato 5. E acabou
de lançar o álbum Morro da Favela em
Portugal, pela editora Polvo. A edição apresenta nova capa e ilustrações de sete
quadrinhistas brasileiros: Laudo, Will, Pablo Mayer, José Aguiar, Marcelo
Costa, Magno Costa e Ricardo Manhães.
Já Maurício Hora, fotógrafo autodidata, foi em 2005
diretor de fotografia do projeto Favelité,
que levou o cenário da favela para o metrô de Paris. Em 2009 foi convidado pelo
fotógrafo francês, JR, para exporem juntos suas fotos sobre a Providência, na
Casa France Brasil.
Neste Dia do
Quadrinho Nacional, a graphic novel
de André Diniz é um convite ao deleite.
Olá, Cecilia!
ResponderExcluirGostei muito de sua indicação de grafic novel! Vou querer lê-la se achar no acervo das bibliotecas de Sampa.
Gostei bastante do conteúdo do blog numa rápida passada de olhos, retornarei :D
Beigos,
mauraparvatis.blogspot.com.br
PS: Sem querer, exclui meu primeiro comentário :|