Nestes dias turbulentos
em São Paulo, e por todo o país, lembrei-me de um poema de Eduardo Alves da
Costa intitulado "No caminho, com Maiakóvski". Escrito na década de
1960, era uma manifestação de revolta aos terrores da ditadura militar no
Brasil.
Achei oportuno nesse
momento e transcrevo-o abaixo:
No Caminho, com
Maiakóvski
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de
ti, Maiakóvski.
Não importa o que me
possa acontecer
por andar ombro a
ombro
com um poeta
soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter
coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do
que eu
a velha história.
Na primeira noite
eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já
não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em
nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso
medo,
arranca-nos a voz da
garganta.
E já não podemos
dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a
cerviz;
e nós, que não temos
pacto algum
com os senhores do
mundo,
por temor nos
calamos.
No silêncio de meu
quarto
a ousadia me
afogueia as faces
e eu fantasio um
levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de
germes
capaz de me
destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança
dizer mãe
e a propaganda lhe
destrói a consciência.
A mim, quase me
arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que
aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no
balcão.
Mas eu sei,
porque não estou
amedrontado
a ponto de cegar,
que ela tem uma espada
a lhe espetar as
costelas
e o riso que nos
mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os
arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao
nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da
colheita
lá estão
e acabam por nos
roubar
até o último grão de
trigo.
Dizem-nos que de nós
emana o poder
mas sempre o temos
contra nós.
Dizem-nos que é
preciso
defender nossos
lares
mas se nos rebelamos
contra a opressão
é sobre nós que
marcham os soldados.
E por temor eu me
calo,
por temor aceito a
condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra
liberdade,
procurando, num
sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um
milhão de vozes,
o coração grita -
MENTIRA!
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