sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Poema inesquecível

Não costumo ler poesias, só de vez em quando. Gosto mais de prosa. Mas toda vez que me aventuro a ler uma poesia gosto tanto que sinto um lamento por não ter me aprofundado mais nesse gênero literário. Há uma, porém, que me acompanha desde a época da adolescência e não me sai da cabeça desde então. Trata-se de Juca Mulato de Menotti Del Picchia.

Ela me foi apresentada na escola, nas aulas de Português e de tanto ler e analisar, os versos aderiram-se ao meu ser e, ainda hoje, me pego declamando. Aliás, quando a estudava, lembro-me que passava horas no quarto lendo e recitando em voz alta, de tanto que gostava da sonoridade das rimas.
O poema trata do amor do caboclo do mato Juca Mulato pela filha da patroa. Atormentado com o sentimento, tenta de todas as formas aplacá-lo. Recorre então a um curandeiro e chega a buscar a morte, da qual é resgatado por seres da natureza.
O poema é comprido, mas acho que vale a pena transcrever aqui pelo menos um trecho dele:

...
Mas de onde vem o mal que tanto de abateu?

- Ele vem de um olhar que nunca será meu...
Como está para o sol a luz morta da estrela
a luz do próprio sol está para o olhar dela...

Parece o seu fulgor quando o fito direito,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais
e, sabendo que mata, eu quero beber mais...

- Eu já compreendo o mal que teu peito povoa.
Dize Juca Mulato, de quem é esse olhar?
- Da filha da patroa.

- Juca Mulato! Esquece o olhar inatingível!
Não há cura, ai de ti, para o amor impossível.
Arranco a lepra do corpo, estirpo da alma o tédio,
só para o mal de amor nunca encontrei remédio...
Como queres possuir o límpido olhar dela ?
Tu és qual um sapo a querer uma estrela...

A peçonha da cobra eu curo... Quem souber
cure o veneno que há no olhar de uma mulher!
Vencendo o teu amor, tu vences teu tormento.
Isso conseguirás só pelo esquecimento.
Esquecer um amor dói tanto que parece
que a gente vai matando um filho que estremece
ouvindo, com terror, no peito, este estribilho:
"Tu não sabes, cruel, que matas o teu filho?"

E, quando se estrangula, aos seus gemidos loucos,
a gente quer que viva e vai matando aos poucos!
Foge! Arrasta contigo essa tortura imensa
que o remédio é pior do que a própria doença,
pois, para se curar um amor tal qual esse...

- Que me resta fazer ?

- Juca Mulato: esquece!

3 comentários:

  1. lindo!
    da minha época escolar,o que me raptou foi o de Casimiro de Abreu,aquele famoso na qual chora a "saudade da infância querida que os anos não trazem mais",lia repetidamente pra mim mesma,talvez encontrando ali uma saudade também minha.

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  2. Eu gosto muito de Menotti Del Picchia, apesar de não conhecer muito a sua poesia... Essa, aliás, era uma que eu não conhecia ainda...

    Seu blog é ótimo!
    Vai pros meus favoritos...

    Beijos, Ciça!

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  3. Conversarmos sobre literatura, prima, dá nisso, vai-se descobrindo mundos fantásticos, inteligências impressionantes e tudo com muita criatividade. E quando alguém nos mostra este mundo, merece nossa admiração.
    Que belos trechos, quanto amor pela sonoridade, quanta vontade em revelar formas diferentes para descrever um instante. Belo texto. Valeu!

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