quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Sonhadores, solitários e loucos

“...Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudêncio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real. (...) Então entraram no quarto de José Arcádio Buendía, sacudiram-no com toda a força, gritaram-lhe ao ouvido, puseram um espelho diante das fossas nasais, mas não puderam despertá-lo”.
Empreendedor e atuante, mas sobretudo sonhador, o personagem José Arcádio Buendia, o pai, de Cem Anos de Solidão, morre alheio a tudo, como um louco. A cena é forte e fica na minha cabeça martelando. Penso então se os sonhadores tendem a solidão e a loucura.
Arrojado por natureza, Buendia e outros amigos fundaram Macondo, cidade fictícia onde acontece a trama do livro, e graças a ele, a vida no local foi concebida de forma a trazer muita harmonia para a população. Buendia, aliás, impunha a ordem, a segurança, o bem-estar e tudo o mais que era necessário para o povo.
Mas ele era um sonhador nato, vivia com muitas ideias na cabeça, se debruçava sobre cada uma delas, queria descobrir o porquê das coisas, esquecendo até mesmo da sua vida, da sua casa, da sua família, da sua mulher, dos seus filhos. Ficava trancado em um quartinho, arquitetando formas de facilitar a vida, atraído pelas novidades e pelas aparelhagens que os ciganos traziam à pequena cidade.
A mulher, Úrsula, personagem de muita fibra e coragem, era quem fincava os pés no chão e garantia a sobrevivência de todos. No entanto, Buendia ainda era capaz de se entregar a momentos de grande empreendedorismo, mas deixados de lado logo em seguida pelos seus incontáveis sonhos. Ele sonhava tanto que passados os anos começou a falar coisas sem nexo, a gritar, a agir estranhamente, como um louco, e acabou sendo amarrado ao pé de um castanheiro. Ali ficou, dias e noites, ano após ano, no sol e na chuva, no frio e no calor, até perto da sua morte. Fico imaginañdo a solidão que sentiu. Fiquei baqueada com o fim dele, incapaz de acreditar no que lia, pois apesar de sonhador ele era um homem atuante na comunidade e, por um desvio de focos, terminou dessa maneira, solitário e como louco, embora a solidão fosse mais evidente nos personagens que carregavam o nome Aureliano, ciclo iniciado pelo segundo filho de Buendia.
No entanto, o destino de José Arcádio Buendia se assemelha ao de outros personagens que conheci nas histórias contadas por outros livros. De Miguel Cervantes, Dom Quixote de La Mancha, o cavaleiro da triste figura, perde o juízo e parte em busca da sua própria história na cavalaria, regressando depois amargurado, talvez porque “lúcido”. E o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, personagem descrito por José Lins do Rego em Fogo Morto, livro que marcou minha adolescência e despertou em mim a paixão pelos livros.
Na trama, o capitão Vitorino é uma paródia de Dom Quixote, só que do sertão, um herói cômico, ironizado pelas crianças e pelos adultos, que também sonhava e idealizava um mundo melhor. Sua trajetória é marcada pelas esquisitices e, por isso, pela solidão.
Seja como for, José Arcádio Buendia, Dom Quixote, Capitão Vitorino e tantos outros personagens foram construídos dentro de um mundo ficcional, embora não menos real que o nosso. São sonhadores por excelência, vivem solitários nessa condição e tendem à loucura quando chegam ao fim da jornada. Mas sem eles, as histórias não teriam o menor fascínio e graça. Talvez por isso sejam mais dotados de razão do que aqueles personagens descritos como “normais”.

4 comentários:

  1. Amiga parabéns pelo blog. Escrevi um comentário enorme mas a bostinha aqui deu pau. Visita meu site tbem. www.coolrect.com.br vou voltar e ler o que vc escreveu, amo vc amiguinha.

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  2. sou descendente de José Arcádio Buendia,sonhadora incurável de meus planos felizes !!

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  3. Na solidão de seu cárcere, Caetano Veloso inventava histórias, conversava com baratas, colocava fé em seus mundos imaginários. Quando crianças tivemos amigos imaginários, espantavam a solidão das tardes de chuva, isto em época sem vídeo game e internet, hoje, sabemos, e´diferente. Quando um adolescente admira seu grupo pop, na realidade o usa como bengala, desvia seu foco do medo de futuro e vida incertos. Mas um dia tudo isso pára, encaramos a realidade pois ela se impõe, e passamos nosso tempo com bons e ruins descobertas. Os loucos carecem desta última fase, ou, quem sabe, enxergam e fogem dela.
    Abração, prima!

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  4. Mas precisamos deles, são os que se permitem viajar por idéias mirabolantes e numa destas descobrem algum oásis em nossa realidade fadada a mesmice.

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