segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia D #Drummond

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

A estrofe acima é a primeira do "Poema de sete faces", o primeiro do livro Alguma Poesia de Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura latino-americana, e que também foi contista e cronista.

De origem francesa, a palavra gauche quer dizer "esquerdo". Figurativamente pode significar "acanhado", "inepto", "à margem da realidade", qualificações que o poeta atribuía a si mesmo, mas que com a poesia buscava superar o problema.

Na verdade, a humildade sempre foi sua marca. Nascido em Itabira, Minas Gerais, se vivo, o poeta completaria hoje 109 anos, e, por todas as redes sociais sua lembrança vem sendo evocada pelo Dia D, Dia de Drummond.

Estou em falta com o mestre da poesia por ter lido pouco de sua obra, mas lembro de uma que marcou minha adolescência e abriu meus olhos para a poesia. Suas rimas, cadência e leveza soam aos meus ouvidos como música e não poderia ser de outra maneira. Afinal, José é mais que palavras, é sentimento, é melodia, é poesia pura.

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Um comentário:

  1. E ai o Carlos foi guache e ainda encontrou uma pedra no caminho e nunca mais parou de incomodar e de encantar. Valeu a homenagem.Bju Cecilia

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